ARTE SONORA

Thelmo Cristovam em busca do som cosmo

Músico e pesquisador pernambucano trabalha com paisagens sonoras em sons da natureza, cidade e do espaço

GGabriel Albuquerque
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GGabriel Albuquerque
Publicado em 14/12/2016 às 9:54
Foto: Francisco Baccaro/ Reprodução
FOTO: Foto: Francisco Baccaro/ Reprodução
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Desde 2002, Thelmo Cristovam, 41 anos, lançou inúmeros discos por selos de diversos países, como Argentina, Estados Unidos, México, Alemanha e Portugal. O artista sonoro e pesquisador – natural de Brasília, mas, que por viver aqui desde os seis anos, já se considera pernambucano – começou organizar a sua obra e disponibilizou na internet boa parte de sua extensa discografia. Até agora 109 álbuns foram colocados para audição e download gratuitos no Bandcamp, incluindo trabalhos solo e discos de suas bandas, como o Hrönir.

O ponto principal do trabalho de Thelmo Cristovam é o cruzamento entre ciência e arte. Ele não chegou a concluir, mas cursou bacharelado em Física e Matemática, estudando as áreas de Sistemas Dinâmicos (Caos Determinístico e Teoria da Catástrofe) e Lógicas Não-Formais (Meta-matemática). Já na universidade demonstrava este seu interesse. “Teve um trabalho de topologia que eu fiz todo sobre as gravuras de Escher (artista gráfico holandês) e o professor não aceitou porque eu estava mexendo com arte”, relembra.

Hoje, Thelmo é pesquisador independente de psicoacústica e ministra palestras e oficinas sobre o tema – no Recife, a última foi no festival Continuum deste ano. “A psicoacústica é uma ciência que quer entender a escuta. Basicamente usando a biologia e a física. Mas isso é a vertente mais clássica. A psicoacústica está interessada na escuta humana, eu estou interessado na escuta geral mesmo”, explica. 

Atualmente, ele desenvolve um projeto ambicioso: busca gravar e desenvolver uma obra com sons do cosmo, de fora do planeta Terra, tendo um interesse particular pelas explosões solares – erupções que ocorrem na superfície do Sol causadas por mudanças repentinas no seu campo magnético.

A ideia surgiu por volta de 2012 como uma espécie de teste aos seus próprios limites. Desde 2005, ele já trabalhava com gravações de campo, mas sentiu necessidade de ir além. “Eu já entendia como gravar no ar (atmosfera, meio gasoso), em meio líquido e em meio sólido (não dentro do meio, mas por contato, transformando a vibração em som). O lance é que, em 2012, eu ganhei uma bolsa para uma residência artística no Rio de Janeiro chamada Capacete. Quando eu estava indo, no avião, li em uma National Geographic ou algo assim uma reportagem falando sobre as explosões solares que estavam acontecendo na época. Aquele ano era exatamente o auge dessas explosões”, explica.

Thelmo segue: “Essas explosões solares realmente geram pulsos eletromagnéticos fortíssimos. Estavam mapeando elas porque, dependendo da intensidade, um pulso eletromagnético desses poderia causar um blackout mundial que jogaria a gente de volta para a Idade Média. Mais do que criar um blackout geral e queimar as coisas, tem o fato de que a gente está tudo baseado em armazenamento digital das informações. Um pulso desses ia apagar todos os HDs do mundo. Isso ficou na minha cabeça, é uma imagem muito forte. A visão da coisa me deixou atordoado”.

Afinal, como realizar essas gravações? Como colocar um microfone no espaço para captar o Sol? “A questão é que se eu não consigo fazer diretamente, eu consigo um modo teórico de gravar a consequência de é um pulso eletromagnético. Por exemplo: uma onda de rádio é uma onda eletromagnética, uma onda de TV”, diz. Os radiotelescópios são aparelhos usados para investigar zonas espaciais inacessíveis aos telescópios. Eles fazem isso a partir de fontes cósmicas de ondas de rádio. 

Para o projeto de Thelmo, então, bastaria amplificar a onda captadas por esse equipamento, existente em observatórios. Mas ele enfrenta problemas burocráticos: “Desde 2012, eu tento que me deem acesso aos radiostelescópios pra gravar isso. Só que essa conversa de arte e ciência é conversa mole de edital. Eu já visitei vários e na hora H, quando preciso de uma carta para conseguir dinheiro para questões práticas, eles dizem não”.

Enquanto não consegue captar diretamente as explosões solares pelvos radiotelescópios, Thelmo faz discos que são derivações da pesquisa principal. No álbum Um Calmo Ciclo Solar, ele editou diversas gravações campos eletromagnéticos de planetas (como Júpiter) e, principalmente, estrelas. Em Ideias em Cores Gris Dormem Furiosamente, ele editou áudios que encontrou em um site com transmissão em tempo real 24h de satélites holandeses.

O que as gravações de Thelmo fazem é questionar a nossa noção de realidade, mostrando como isso é uma questão de percepção – que é atravessada por questões políticas. “Quando você grava alguma coisa que está soando, quando você escuta uma coisa, o que é isso? Depende do nível que você está pensando, mas no final das contas é tudo átomo vibrando um no outro para produzir energia, que se transforma em ondas mecânicas e etc. E você diz: ‘eu escutei o carro’. Mas, claro, isso é uma questão cultural. E como é que faz? Você vai reduzir tudo a nível atômico ou falar que é o som do vento nas folhas? Existe uma questão estética e poética dessas coisas também, essa redução completa acho que ajuda a pensar e refletir sobre as coisas quando parecem que elas querem tomar conta de você, uma questão política mesmo”, afirma.

Mapeamento sonoro e fotográfico de Pernambuco

Thelmo Cristovam também trabalha muito com paisagens sonoras. Em meados de 2013, ele começou a desenvolver, ao lado do fotógrafo Ghustavo Távora e Francisco Baccaro, a série Fonofotografia, um projeto de mapeameamento sonoro e fotográfico de Pernambuco. São gravações de campo e fotografias de cunho mais artístico/abstrato de diversas partes do Estado: o Sertão, o centro do Recife, a Usina Catende, a ilha de Fernando de Noronha, um culto de candomblé na Nação Xambá, o Sítio Histórico de Olinda, o Vale da Lua de Calhetas, entre outros.

O material foi lançado em dois volumes físicos e um site. O primeiro lançamento foi um álbum duplo, com os CDs de gravações Vale do Catimbau e Conceição das Crioulas. O outro saiu como uma caixa com 10 cartões postais, cada um acompanhado de um mini CD. No site www.thelmocristovam.net/fonofotografia é possível ouvir os áudios, ver as fotos e conhecer os locais das gravações pelo Google Maps.


Foto: Francisco Baccaro/ Reprodução
Série Fonofotografia é um projeto de mapeamento sonoro e fotográfico de cunho artístico/ abstrato - Foto: Francisco Baccaro/ Reprodução
Foto: Francisco Baccaro/ Reprodução
Série Fonofotografia é um projeto de mapeamento sonoro e fotográfico de cunho artístico/ abstrato - Foto: Francisco Baccaro/ Reprodução
Foto: Francisco Baccaro/ Reprodução
Série Fonofotografia é um projeto de mapeamento sonoro e fotográfico de cunho artístico/ abstrato - Foto: Francisco Baccaro/ Reprodução

 

Para Thelmo, as gravações de campo tem uma relação análoga à fotografia. “Você está vendo as coisas a toda hora, mas quando você pega e foca numa história, ela poeticamente chega em um outro nível. Aquela coisa está ali para você ver a toda hora, mas você reconfigurou e a recortou da realidade. Isso tem uma força poética, uma estética, tem um deslocamento”, pontua.

A intenção do trabalho, diferente das gravações de campo tradicionais, não é de documentar a realidade. Ao contrário, pretende desafiar com outras escutas e fazer perceber aquilo que passa despercebido pelo nosso ritmo cotidiano. Ao gravar a Ponte Princesa Isabel e a Ponte da Boa Vista, por exemplo, ele usou um microfone subaquático, nos colocando para ouvir o centro nervoso da cidade por debaixo d’água.

“As pontes, espaços de transição sobre o que corta a cidade, vibram com os sons emitidos por ela e transmitem esses sons através da água, os filtram e deslocam suas frequências à modo de ressignificar os sons do tráfego ao meio-dia”, explica.

O trabalho de Thelmo Cristovam nos faz perceber a múltiplas possibilidades da escuta e da percepção.

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