“Você pode pensar que me conhece um bocado se algum dia você conversou comigo, se leu alguma coisa que eu escrevi, se foi pra cama comigo. Mas pode crer, você se espantará quando me ouvir cantar”. Cássia Eller tinha 21 anos quando escreveu a carta onde está o trecho acima, pouco depois de começar a se apresentar profissionalmente. Há exatos 15 anos a voz da garotinha se calou. Deixando fãs e amigos comovidos pela perda repentina, Cássia Rejane Eller morreu aos 39 anos, vítima de uma parada cardíaca, em meio à melhor fase de sua rápida e intensa carreira. Desde então, tributos, filme, biografias, álbuns póstumos e um bem-sucedido musical têm mantido viva a figura daquela que, com incomparável naturalidade, se tornou uma das últimas grandes intérpretes que a música brasileira viu nascer.
Entre 1990 e 2001, Cássia gravou cinco álbuns de estúdio, dois ao vivo e o derradeiro Acústico MTV, registro que rendeu uma turnê com quase 100 shows e mais de um milhão de CDs vendidos. A eles se somaram os póstumos Dez de Dezembro (2002) e a coletânea em três volumes O Espírito do Som, reunião de gravações feitas em Brasília, na década de 1980. O primeiro volume foi lançado em 2015 e traz, além de versões viscerais, uma rara composição autoral, Flor do Sol, parceria com Simone Saback. Os outros dois discos seguem sem previsão de chegar ao público, mas com a confirmação de saírem também pelo Porangareté, selo gerido pela esposa Maria Eugênia e pelo filho, Chicão. Aos 23 anos, o garoto se divide entre o codinome Chico Chico, com o qual gravou 2x0 Vargem Alta (2015), e outros tantos projetos.
A artista gravou letras de grandes nomes, mas foi com o músico Nando Reis que estabeleceu o mais duradouro matrimônio entre vida e obra. Produtor e compositor de vários dos trabalhos de Cássia, Nando antecipou homenagem na edição do último domingo (25), do Fantástico, da Rede Globo, apresentando pela primeira vez Só Posso Dizer, canção que compôs ainda com o desejo de ser eternizada pela voz da amiga. “Fiquei pensando no quanto ficaria bonita na voz de Cássia, mas como ela não está entre nós convido ao palco Tacy de Campos, que a interpretou no musical”, comentou na ocasião.
Foi a curitibana de voz grave quem cantou “cada um de nós tem o seu próprio jeito de ser / mas tudo o que foi feito só fizemos juntos porque você ouviu a minha e eu a sua voz”, justamente no ano em que encerrou temporada, iniciada em 2014, de Cássia Eller - O Musical, um repasse dos momentos decisivos da vida de Eller – dos primeiros amores e acordes, ainda na adolescência, ao fatídico 29 de dezembro de 2001. De cabelos mais curtos e um tanto mais articulada que na estreia da peça, Tacy prepara o primeiro álbum, O Manifesto da Canção, cujo single, Sem Ser, chamou atenção pelo timbre e firulas vocais, quase impossíveis de não serem comparados aos da persona que encarna na ficção.
Símbolo de espontaneidade e certo atrevimento, revelados em detalhes na cinebiografia Cássia Eller - O Filme (Paulo Henrique Fontenelle , 2015), Cássia é até hoje musa de jovens talentos. Um deles, o cantor Filipe Catto, revive sua guru no show Catto Canta Cássia Eller, que o Canal BIS exibe hoje, às 20h, dentro do Especial 15 Anos sem Cássia Eller. Antes, às 19h30, o programa Por Trás da Canção destrincha a história da música Malandragem, a obra de Cazuza e Frejat que, rejeitada por Ângela Rô Rô, deu a Eller o estrelato.
JEITO DE SER CÁSSIA ELLER
“Ela cantava de tudo e muito bem”, relembra José Teles, crítico de música deste Jornal do Commercio. “Aquela ópera que ela gravou com Edson Cordeiro (A Rainha Da Noite, numa mescla com I Cant Get No (Satisfaction), em 1993) é incrível. A vi a primeira vez num show dela com outros músicos, em Salvador. Quando acabou, assistiu às outras apresentações sentada num batente. Ficou lá até um segurança pedir que saísse. Era muito simples”.