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Com Blackout, Britney Spears dançou o caos e criou clássico do pop

Lançado em 2007, disco marcou fase conturbada da cantora e inovou com mescla de estilos musicais

Márcio Bastos
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Márcio Bastos
Publicado em 12/02/2017 às 11:50
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Lançado em 2007, disco marcou fase conturbada da cantora e inovou com mescla de estilos musicais - FOTO: Divulgação
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Um dos rostos mais fotografados da história, Britney Spears parecia particularmente inescapável em 2007. Imagens da ex-Namoradinha da América saindo de noitadas, dirigindo embreagada, perseguida pelos paparazzi, chorando no meio-fio, vivendo a dor da separação em frente às câmeras, inundavam os tabloides de todo o mundo. No dia 16 de fevereiro, quando a cantora raspou seu cabelo em um momento de fúria/rebeldia/libertação/surto, os flashes também estavam lá. E se consolidava, ali, a imagem de uma Britney errática, à beira do precipício. Foi nesse cenário de caos que a cantora criou e lançou seu trabalho mais ousado, o álbum Blackout.



Em meio a um turbilhão emocional fomentado pelo fim de um casamento, a morte de uma de suas tias mais próximas, da crescente obsessão dos paparazzi com cada passo seu e a pressão de sua gravadora, que buscava mantê-la nos controlados moldes dos hits genéricos, Britney dava sinais cada vez mais claros de instabilidade emocional. Sua transformação de ícone adolescente a ovelha negra do pop foi vertiginosa. Ao mesmo tempo em que sua vida pessoal parecia de esfacelar, Britney trabalhava em estúdio com os produtores como Danja e Bloodshy & Avant, conhecidos por suas experimentações com hip hop, dubstep e eurodisco.

Em setembro de 2007 foi anunciado o grande retorno de Spears, abrindo o Video Music Awards da MTV, com o single Gimme More. Ao contrário de suas performances anteriores na premiação, desta vez via-se uma Britney deslocada, alheia ao espetáculo, com movimentos duros e incertos. O lançamento do clipe da canção, na qual ela encara uma espécie de stripper decadente, acentuava o senso de desnorteamento. E é sobre essa base que Blackout é edificado: sujo, obsessivo, escapista e solitário, o disco serve como trilha sonora perfeita para o pesadelo sob as luzes de strobo (e dos flashes) vivido pela artista.



“Acho que o curioso no caso de Britney é como ela alimenta a própria obra com a persona midiática dela e como isso é volúvel ao longo da discografia. Acompanhamos, pela mídia, o percurso da Britney virgem à mulher consciente, aparentemente segura da sua sexualidade. Madonna construiu a carreira da mesma forma, alimentando música e tabloide. A diferença é que ela teve mais maturidade emocional para lidar com os abalos da vida e jogar eles ao seu favor, transformando as polêmicas que a circundavam em debates conscientes sobre tabus de gênero e sexualidade. Britney, no entanto, não teve a mesma sacada e virou o animal indefeso do circo
que ela mesmo não soube administrar”, analisa o jornalista Talles Colatino.

IT'S BRITNEY, BITCH

Da abertura de Gimme More, com a já icônica frase “it’s Britney, bitch” à crítica cheia de ironia da fama em Piece of Me e à urgência do prazer hedonista em Radar, Get Naked, Perfect Lover, Break The Ice e Heaven On Earth, Britney brinca com as expectativas do público. Quem busca um relato explícito do sofrimento da cantora, se frustrará. Não há sequer uma balada no álbum. É na dança, no suor, na utilização do autotune como ferramenta de criação (a voz de Britney é um instrumento assim como o computador que a transforma), que ela se revela.

No documentário For The Record (2008), a cantora afirmou que não entendia como sobreviveu, mas que não queria que sentissem pena dela e sim que a compreendessem e dessem um pouco de privacidade (e um dia de folga). Uma leitura possível do Blackout, do “apagão”, talvez seja justamente essa: é o som de alguém aceitando o caos para, indo às últimas consequências, tentar encontrar a saída.

O APAGÃO

Para a música pop, o Blackout representa possibilidades infinitas de interpretação, principalmente pelo momento vivido por Britney e sua trajetória até então. Um dos aspectos mais inteligentes do disco, porém, é justamente não tratar de nenhuma das questões pessoais da cantora de forma direta, sugerindo que o público consuma aquelas informações da maneira que achar mais interessante.

"Blackout é o disco pós-apagão de Britney, e obviamente era onde todo mundo foi pra buscar entender o que tava se passando naquela cabeça, naquele momento. E o primeiro single, potencializado pela Perfomance desastrosa do VMA, não deu a resposta esperada: como alguém que atravessa o inferno está "pedindo mais"? Como a dureza de um breakdown emocional não amolece seus sentimentos? (Não há baladas no disco, por exemplo). Em Piece of Me, que talvez seja a música mais emblemática do disco, o lance da transferência de culpa que ela estabelece com a mídia é uma ótima sacada para despistar qualquer apontamento sobre sua própria subjetividade: não sabemos como o breakdown afetou Britney em suas próprias palavras (mesmo que não seja compositora, enquanto intérprete, seu discurso é o que ela projeta).", pontua Talles Colatino.

Para ele, outro aspecto fundamental do álbum é a adesão de Britney a produtores dispostos a experimentarem musicalmente e a tensionarem o potencial da artista enquanto vanguarda da música pop.

"Talvez ela só quisesse mesmo se afastar de tudo que a afetou, e pra isso fez um disco essencialmente dançante. Blackout poderia ter sido o grande album pessoal de Britney, mas acho que o mais legal nele está justamente aí: na ânsia provocada pelas inúmeras leituras que podem ser feitas a partir dele. É o disco menos óbvio dela não apenas nesse sentido, mas também musicalmente. Nele, ela se aproxima de uma estética anos 80, meio Soft Cell, meio Eurythimics. Arranjos sombrios, pesados, perfeitos para abraçar a persona de androide sexual que acompanha ela até hoje. É o ápice do pulo iniciado com Toxic para aproximar britney de produtores mais ousados", finaliza.

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