Marco Zero

Lenine: "Naná era um farol"

Em entrevista, cantor falar da cerimônia de abertura do Carnaval com Virgínia Rodrigues em homenagem a Naná Vasconcelos

Bruno Albertim
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Bruno Albertim
Publicado em 23/02/2017 às 6:00
Fernando da Hora / JC IMAGEM
Em entrevista, cantor falar da cerimônia de abertura do Carnaval com Virgínia Rodrigues em homenagem a Naná Vasconcelos - FOTO: Fernando da Hora / JC IMAGEM
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De convidado a anfitrião. No palco, ano passado, ele se apresentou com o compositor que se tornou síntese da abertura do Carnaval do Recife – o percussionista Naná Vasconcelos. Este ano, Lenine é uma das estrelas que ancoram a noite do Marco Zero em que a folia é decretada oficialmente aberta. Com o auxílio luxuoso da diva baiana Virgínia Rodrigues, ele encerra a tradicional cerimônia em que 620 batuqueiros de 13 diferentes nações confirmam o início da festa. “Foi Naná quem criou esse conceito de comunhão através da ancestralidade no Carnaval da cidade”, comenta o Lenine, depois de participar de uma entrevista ao vivo para a TV JC. Além de sua principal função, a cerimônia de abertura homenageia Naná, morto logo depois do último Carnaval no qual, mesmo doente, fez questão de participar.

Lenine sabe que o Marco Zero sedia uma tradição relativamente recente. Criada justamente quando, há 15 anos, Naná se propôs a ser maestro de batuqueiros de nações que mal se encontravam. “Antes, os maracatus não frequentavam os terreiros uns dos outros, não se visitavam. Ele conseguiu uma harmonia, sintetizar uma síncope ritual.” Uma síntese, lembra Lenine, não apenas diplomático-religiosa. “Isso é também de uma grande complexidade musical. Cada maracatu, por questões religiosas, têm loas próprias e não tocam outras. Ele conseguiu integrá-las musicalmente. Naná era um grande farol”, diz o cantor, agraciado, ao longo da carreira, com a participação de Naná em discos. 

O compositor sobe ao palco logo depois da entrada de Virgínia Rodrigues cantar acompanhada das nações de batuqueiros. “Eu sempre me senti muito segura quando estava no palco com Naná”, diz a cantora que, apadrinhada por Caetano Veloso em 1995, saiu da periferia de Salvador para, com sua voz barroca, acostumar-se a ser tratada como diva em palcos como o Carnegie Hall, em Nova Iorque, ou o londrino Albert Hall.

Se Lenine foi o último a participar da abertura com Naná, Virgínia foi a primeira cantora a tomar parte na cerimônia com maracatus idealizada por Naná. “Meu Deus, eu nem lembrava disso. É verdade! Vou ter que desenvolver a técnica de aprender a cantar chorando”, brinca a cantora. “E eu tenho um defeito grande: ou canto ou choro. Não sei fazer os dois juntos”, ri.

Fornecedor de canções e parceiro, em shows ou registros, de várias cantoras da música popular brasileira, Lenine tem, neste Carnaval, sua primeira vez com Virgínia. “Não sei dizer porque ainda não tinha acontecido. Felizmente, acontece agora”, ele diz. O encontro pode catalisar a antiga vontade de Virgínia de, finalmente, gravar uma canção de Lenine. “É um compositor de quem gosto muito e não sei porque ainda não gravei”, diz ela, antes de cantarolar uns versos de Miragem do Porto, composição do álbum Olho de Peixe, de 1993.

“A potência da voz de Virgínia é impressionante”, diz ele, compositor contumaz tanto para a sua como as vozes alheias. “Eu só canto 70% do que eu componho. Como cantor, sei disso, tenho algumas limitações na extensão. E fico muito feliz quando vem alguém e se apropria de uma canção minha”, diz ele. “Uma das poucas que gravei foi Jack Soul Brasileiro, que foi feita para Fernanda Abreu gravar”. Juntos com Nilsinho, antigo trombonista e regente de Naná, e do coral Voz Nagô, os dois cantam juntos Sou a Pele de um Tambor, uma das últimas composições de Naná. “Mas tudo pode mudar na hora. Ano passado, eu e Naná combinamos uma coisa, ensaiamos outra e na hora fizemos outra diferente”, diverte-se Lenine.

ALTO ZÉ DO PINHO

Além da participação na abertura do Carnaval do Recife, Lenine faz um show solo na noite do domingo. O lugar é o pólo montado no Alto Zé do Pinho, Zona Norte do Recife. “Gosto muito de cantar no Zé do Pinho. Além de ser um grande celeiro cultural, tem o sentido de estar, de fato, cantando para a comunidade”, ele diz. “A gente chega e já tem aquela senhora esperando a gente com o sarapatel na mão”, ri.

Não será mais uma sessão de Carbono, nome de seu último álbum e turnê, cuja carreira teve encerramento ano passado, no Teatro Guararapes. Mas um show para agradar multidões, sustando nas canções mais populares e dançantes do repertório leniniano. “É um show para se divertir. E tenho a grande sorte de trabalhar com as mesmas pessoas, os mesmos músicos, há 25 anos. Isso me dá o conforto de decidir o que quiser em cima da hora”, ele diz. De surpresa, mesmo, há a participação do Bomgar, grupo percussivo ligado ao Terreiro de Xambá. “Vamos ainda combinar o que fazer”. 

Recife é, aliás, o único lugar do Brasil em que Lenine é figura certa no Carnaval. “Há mais ou menos 15 anos, quando Roberto Peixe era secretário de Cultura do Recife, houve a criação desse conceito de Carnaval multicultural e dos pólos descentralizados. Por isso, alguém como eu, que não faz música sazonal, pode participar do Carnaval”, diz ele, ausente de outros Carnavais. “Ivete e Daniela Mercury, por exemplo, já me chamaram para participar. Mas eu não sou aeróbico, não aguento ficar cinco horas no trio. Faço um show de duas horas e já tô acabado”, diz o galego, entre risos. 

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