Não há agora datas redondas, efemérides, calendários determinando celebrações. Mas a intensidade de Maria Bethânia, no palco ou fora dele, não é passageira. É parte dela. Perene, portanto. Passadas as comemorações dos 50 anos de carreira, rumando para os 71 de idade (em 18 de junho), o que ainda lhe dá prazer? “Cantar mantém. Mantém-se sozinho, em primeiro lugar da vista. É a coisa de que mais gosto” responde. “Trabalhar para o canto, para criar, ter ideias. Viver para o canto, em primeiro lugar.” As confissões da cantora, que se apresenta no Recife no sábado (18), vieram em entrevista exclusiva, numa conversa sem amarras nem assuntos pré-estabelecidos. Ali estava alguém pronto a se mostrar: com suas mãos, seus gestos, seus olhos e, principalmente, a sua fala.
E seguem-se as ordens de grandeza de Bethânia, pontuadas agora por lugares: o de seu nascimento e o de seu encantamento. “Em segundo lugar, Santo Amaro permanece, está bem colocado. E mato. O mato me dá uma vibração do ventre de minha mãe”. A conversa aconteceu no Estúdio Vison, em São Conrado, no Rio de Janeiro, cidade onde ela vive.
Pediu para que falássemos ao ar livre, num dia quente do Rio. Estava de branco, era sexta-feira. Um copo d’água, risos em alguns momentos, seriedade e semblante sisudo quando o assunto foi o Brasil e parte do mundo. “Estamos aqui passando por um momento gravíssimo. A cada hora só piora, só piora. A Europa voltando ao quadro do nazismo, os Estados Unidos nessa situação. O nosso País no fundo do poço. Muitas dificuldades”, afirma. “Então tem que ter poesia e tem que pedir à Nossa Senhora que olhe por nós.”
No início deste mês de março, passada, Bethânia se juntou às vozes que fazem coro para a demarcação de terras indígenas. A canção Demarcação Já, de Carlos Rennó e Chico César, terá 21 intérpretes. Ainda sobre o Brasil, declara: “Acho que a gente não tem andado, nos acomodamos lugar ruim, perverso. O Brasil não merece isso. Nem nós brasileiros merecemos. Somos ricos, poetas, capazes. Somos generosos. Nos nós damos para o País.”
Entrevista com Bethânia
Veja a entrevista completa no Facebook do Jornal do Commercio nesta quinta-feira (16), às 21h
ESPETÁCULO
Desde o ano passado, estão esgotados camarotes e mesas para o espetáculo que Maria Bethânia traz ao Recife. Os ingressos de pista acabaram há pouco mais de uma semana. Isso quer dizer que pelo menos 5 mil pessoas irão ao Classic Hall no sábado (18).
O público vai assistir a um show que tem como base a celebração dos 50 anos de carreira da cantora, com algumas adaptações. O espetáculo que agora chega a Pernambuco foi pensado, inicialmente, para ser apresentado na rua, atendendo a um convite do povo de sua terra, Santo Amaro. “Gosto de cantar o que eu estou vivendo, o que estou sentindo. E foi isso o que eu fiz”, revela. “Peguei as canções que são conhecidas numa praça pública, misturo, falo.” O show também passou por Salvador, ano passado. “Quando terminou, as pessoas vinham falar comigo. Tinha muita colada, muito beijo bom. Foi uma festa tão bonita, inesquecível.”
E aí veio o convite para trazer para uma casa de shows (e não para um teatro, preferência sua) o espetáculo aos pernambucanos. “É difícil dizer não ao Recife. O Recife é um pouco Santo Amaro pra mim”, revela.
Apoiada no repertório de Abraçar e Agradecer, Bethânia mostrará clássicos como Negue, É o Amor, Olhos nos Olhos e Começaria Tudo Outra Vez. Também trará, como tem feito, a literatura para o palco – espalhando poesia, conscientemente. “Faço por muito prazer. O palco tem essa coisa também que é a do egoísmo: já que você tem, você se expressa. É sobre a grande tribuna que eu falo”, explica, exemplificando como holofotes podem servir para espalhar as crenças da cantora. “Mas sei perfeitamente que, do mesmo modo que alguém ouve um sucesso e, em seguida, um poema, um texto, tem alguma coisa que vai ficar. Cria-se um elo que aí se espalha e se desenvolve.”
O RECIFE E A HOMENAGEM QUE NÃO ACONTECEU
“O Recife tem um jeito de me abraçar, de compreender o modo com que me expresso com particularidade”, declara Maria Bethânia. “Sinto no Recife uma compreensão de irmão, fraterna.” A confissão de amor que tantas vezes fez à cidade é repetida por ela, intensamente: “É comovente. Em algumas horas mais complicadas, menos belas, eu gosto de me lembrar do Recife.”
Entre paixões recifenses, o Carnaval: “Fico comovida. Vejo tudo na televisão, aprendo em cada movimento, em cada modo de se expressar”. E acrescenta: “Muito me impressiona a liberdade de brincar que vocês mantêm. O Brasil está um desastre, uma coisa muito estranha. Mas chega aquele momento e eu sinto no Recife um baile perfumado geral.”
Outra revelação: a cantora, que já havia participado, em 2007, da abertura do Carnaval do Recife, gostaria de ter vindo também este ano, quando houve uma homenagem a Naná Vasconcelos, seu grande amigo (que morreu em março de 2016). “Foram as duas coisas mais comoventes da minha vida: ser enredo e campeã pela Mangueira e ter sido convidada por Naná pra abrir o Carnaval do Recife – que é o mais bonito do mundo.”
No início de 2017, a Prefeitura do Recife disse que o cachê cobrado por ela teria sido muito alto. Bethânia retruca: “Recebi esse convite da Prefeitura do Recife e fiquei muito emocionada. Mas era um convite tão sem alma, frio”. Ela explica que, ao convite considerado frio, foi enviada uma resposta “que já está escrita pra qualquer convite como esse”.
Conta ainda que foi surpreendida e chegou a procurar o cantor Lenine para entender o que estava acontecendo, quando soube pelos jornais que a proposta dela havia sido recusada por causa do valor pedido. “Isso me abalou mais ainda porque não me responderam. Simplesmente não me responderam nada – nem que sim nem que não. E vi publicada uma foto onde estava escrito ‘cancelado’. Como se eu tivesse dado a minha palavra e tivesse faltado”, rememora. “Eu não sou mulher disso.”
A cantora afirma que, mesmo sem acertos oficiais, pensou em vir celebrar Naná, mas não conseguiu. “Assisti à abertura na televisão. E achei, me desculpem, muito pequena pro tamanho de Naná.”