HIBRIDIZAÇÃO

Música pop brasileira abre caminho para misturas com ritmos latinos

Como Rihanna e Drake nos EUA, Anitta, Simone & Simaria, Michel Teló e outros artistas brasileiros apresentam influências do reggaeton e dancehall

JC Online
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Publicado em 02/04/2017 às 0:00
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Como Rihanna e Drake nos EUA, Anitta, Simone & Simaria, Michel Teló e outros artistas brasileiros apresentam influências do reggaeton e dancehall - FOTO: Fotos: Divulgação
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Ainda que se conte nos dedos os artistas da América Latina que fazem sucesso no País, a música brasileira sempre absorveu uma série de referências dos hermanos – de Soy Loco Por Ti América ao KLB com A Dor Desse Amor (uma versão de um hit dos porto-riquenhos Son By Four), passando pela lambada do Kaoma e os ritmos cadenciados do marabaixo e carimbó no Pará. Depois de um tempo em baixa, uma olhada nas paradas de sucesso mostra que a onda latina está voltando ao pop brasileiro, hibridizando-se com o reggaeton e o dancehall.

As últimas músicas de Anitta são o principal exemplo desse momento. Seu single Sim ou Não é uma parceria com o astro colombiano Maluma e mistura o reggaeton com o beat gingado da rasteirinha – a vertente mais lenta do funk. Gravado em uma boate México, o clipe foi dirigido por Jessy Terrero, responsável pelas produções do próprio colombiano e de artistas como Jennifer Lopez, Ricky Martin, Pitbull e 50 Cent.

Apesar de ter sido lançado em duas versões – uma com Anitta cantando em português e outra em espanhol –, Anitta garante que a parceria não faz parte de um plano para expandir sua carreira no mercado latino. “Embora Maluma seja um artista internacional muito famoso nos países de língua espanhola, ainda não é um passo de carreira internacional, até porque estou cantando em português, ele em espanhol. Foi mais uma vontade artística minha do que uma estratégia de carreira internacional”, afirmou na entrevista coletiva de anúncio do single, que chegou ao 15º lugar da parada da Billboard Brasil.

Anitta participa também de outros dois hits que também são marcados pelo toque do reggaeton: Loka, de Simone & Simaria (8º lugar na parada) e Você Partiu Meu Coração, de Nego do Borel com Wesley Safadão (21º lugar e a segunda mais ouvida no Spotify nacional). De modo geral, ambas as músicas têm um teclado na pegada do dancehall (entenda abaixo). Mas em Você Partiu o destaque é o ritmo arrastado criado pelo snare (isto é a caixa da bateria, na produção eletrônica).

Produzida pela própria Simaria Mendes e Cabrera, Loka foi a integração perfeita do reggaeton com o sertanejo das “coleguinhas” de Fortaleza. A música tem uma estrutura em A-B-A, sendo A a introdução, repetida no fim com algumas variações, e B a ponte e o refrão da canção. Na parte A, o ritmo é rígido e os teclados fazem um tempero latino. Quando a música vai para o refrão, a bateria vai entrando no acordeom de forma mais orgânica, fazendo algumas viradas, injetando ânimo. Grosso modo, as seções A são reggaeton e as seções B são a fusão do reggaeton com sertanejo.

Ludmilla também entrou nessa e fez uma participação no remix de Otra Vez, do duo porto-riquenho Zion & Lennox com o cantor J. Balvin, a música mais ouvida da América Latina nos últimos meses. E até Michel Teló pegou carona na onda latina com O Mar Parou, uma canção acústica mas com um evidente toque caribenho (como o uso do cowbell, o "sino de vaca") e que alcançou a 4ª posição na Billboard.

Esta influência do reggaeton e do dancehall não é isolada. No ano passado, Drake, Rihanna e Sia investiram (com êxito) nos gêneros com os singles One DanceWork e Cheap Thrills, respectivamente.  E também não é inédita no Brasil. Formado no funk, há anos o mineiro MC Papo compõe em ritmo de reggaeton, como é o caso de Radinho de Pilha, seu sucesso de 2009. Atualmente os DJs dos bailes de favela do Rio de Janeiro estão acelerando as músicas para a marca de 150 batida por minuto (BPM), muito acima do tradicional ritmo em 130 bpm do Tamborzão. Por outro lado, artistas vindos do funk e que chegaram ao mainstream pop, como Anitta, Nego do Borel e Ludmilla, estão desacelerando rumo a um som mais gingado e menos incisivo – um caminho que foi aberto por volta de 2015 pela criação da rasteirinha, a batida mais lenta e suingada do funk composta em 96 BPM.

Sons da Jamaica na origem de tudo

Ao lado do Reggae e Dub, o Dancehall é um dos gêneros musicais mais famosos da Jamaica. No livro Sound Clash, Carolyn Cooper conta que o nome é proveniente das casas de danças animados por sistemas de som em festas que se popularizam na década de 1950 nos subúrbios de Kingstown.

Inicialmente o som era voltado para o roots reggae com muitas letras sobre injustiças sociais e o movimento Rastafari. Porém, mudanças sociais e políticas nos anos 1970 – como a eleição do “socialista democrático” Michael Manley – levaram a música para outros caminhos. O som passou a ser pensado para o consumo local, mas com reforço de batidas eletrônicas pesadas criadas por drum machines. As letras sobre injustiça social e o movimento Rastafari também foram dando lugar à músicas sobre dança e sensualidade.

Foi aí que surgiu Yellowman, um dos nomes mais populares do Dancehall. A música Zungguzungguguzungguzeng (1983) ainda hoje é tida como referência no estilo. Nesta fase também se popularizam os discos de tipo “sound clashs”, com equipes de som competindo uma com a outra, e álbuns de DJs, sendo a coletânea A Whole New Generation Of D.J. (1981) uma pioneira.

Já o Reggaeton começa a tormar forma nos nas boates de San Juan, capital de Porto Rico, nos anos 1990. Com influências do Hip Hop e produção eletrônica, apropriaram o “dembow riddim”, uma batida criada pelos jamaicanos e aplicada pela primeira vez na música Dem Bow, do cantor Shabba Ranks. Mas não era uma mera cópia. Os porto-riquenhos reiventaram o ritmo e criaram algo novo. Exemplos disso são Quiero Bailar (de Ivy Queen), Pa' Que la Pases Bien (Arcángel) e o hit global Gasolina (Daddy Yankee).


A última onda internacional do Dancehall e Reggaeton foi disparada por Major Lazer e o sucesso estrondoso do single Leon On, com o DJ Snake e a cantora MØ. Desde então, a influência de Major Lazer está em músicas de Sia, Drake, Rihanna, a própria MØ, Beyoncé, Diplo e até em grupos de música eletrônica underground sob o rótulo de "tropical house", uma classificação controversa e que gerou debates polêmicos sobre apropriação cultural - afinal, nenhum destes artistas é jamaicano. Os DJs Jamie xx e Equiknoxx são os os caras que estão expandido o Dancehall de forma mais criativa, em fusões com outras vertentes eletrônicas, tais como techno, house e, em alguns casos, o som distorcido e acelerado do grime.

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