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Dizzy, Ella e Monk, centenários como o jazz

Três gênios nascidos no ano em que o jazz começava a ser gravado

JOSÉ TELES
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JOSÉ TELES
Publicado em 30/04/2017 às 12:00
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Três gênios nascidos no ano em que o jazz começava a ser gravado - FOTO: Fotos: reprodução
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Em 2017, o jazz tornou­se centenário, convencionando­-se seu nascimento em 26 de fevereiro de 1917, data da gravação do tema Dixie Jazz One­Step, pela Original Dixieland Jazz Band. No mesmo 1917, nasceu uma trinca de artistas fundamentais para definir e sedimentar o gênero, a cantora Ella Fitzgerald (25 de abril), o pianista Thelonious Monk (10 de outubro) e o trompetista Dizzy Gillespie (21 de outubro).

Em 21 de novembro de 1934, uma quarta­feira, uma adolescente de 17 anos, que saiu de casa aos 15, criou coragem e se inscreveu para participar da Amateur Night (Noite do Amador), disputado concurso de calouros, realizado no histórico Apollo Theater, no Harlem. Ela foi lá para dançar, sapatear, como fazia nas ruas do bairro. No entanto, ao ver tanta gente na plateia, bateu o medo. Alguém da produção gritou que ela estava ali para fazer alguma coisa. Portanto, que fizesse, pois, alguma coisa.

 Ella Fitzgerald decidiu cantar. E cantou Judy, de Hoagy Carmichael. Tão bem que levou o primeiro lugar, um prêmio de US$ 25, e ainda pedidos, atendidos, de bis do público. No ano seguinte, seria contratada como crooner da orquestra de Chick Webb e em 1938 emplacaria o primeiro hit A­tisk A­ tasket, que vendeu 1 milhão de cópias. Só pararia de cantar em 1996, quando faleceu em consequência da diabetes.

Ella derrubou as divisórias de nichos. Foi aclamada Primeira Dama do Jazz, mas cantava qualquer gênero, da canção tradicional infantil com que fez sua estreia em disco, aos mestres da canção americana, ou o brasileiro Tom Jobim. Nem tudo que gravou era bom, mas tudo foi extremamente bem interpretado.

 Em 16 de novembro de 1944, uma quarta-­feira, 12 músicos de jazz reuniram-­se num estúdio em Nova Iorque, para gravar três temas para o selo Apollo, criado semanas antes por um cara chamado Teddy Gottlieb, dono da Rainbow Music Shop, uma das melhores lojas de discos de Manhattan.

 Teoricamente, o líder era o saxofonista Coleman Hawkins, 39 anos, o mais velho do grupo. Os demais músicos eram os trompetistas Dizzy Gillespie, Vic Coulsen e Eddie Vanderveer, os saxofonistas Leo Parker, Leonard Lowry, Don Byas, Ray Abrams e Budd Johnson, o pianista Clyde Hart, o baixista Oscar Pettiford, o baterista Max Roach. Daquela sessão de gravação sairia o primeiro disco do bebop.

 Porém, nem o bebop era novidade, nem tinha ainda este nome. O estilo vinha se desenvolvendo desde 1929, quando Coleman Hawkins fez com Body and Soul um standard da canção americana, o mesmo que o saxofonista Felinho (Felix Lins de Araújo,1894/1980) fez com Vassourinhas (Matias da Rocha/Joana Batista), adornando a melodia simples com engenhosas variações.

 Entre aquela dúzia de músicos, Dizzy Gillespie, nascido na Carolina do Sul, foi o que mais levou adiante o novo estilo de jazz ("Dizzy", grosso modo, significa "tonto",  a maneira como tocava desnorteava quem o escutava ou tocava com ele). Cab Calloway, em cuja big band Dizzy tocou, no final dos anos 30, o dispensou. Argumentava, pejorativamente, que ele tocava em chinês.

Dizzy não só estendeu as fronteiras do jazz, como foi responsável até pelo rótulo bebop. Seus scats (cantos onomatopaicos, que Ella Fitzgerald refinou a um nível incomparável) serviam de guia à improvisação dos músicos com que tocava. O "Ooop bop ta oop a la doo bop doo bad", emitido por Gillespie, foi abreviado para "bebop" e designou o jazz, que não era mais feito para a dança (embora se prestasse a isso), mas acrescentava ou excluía notas dos temas e enfatizava a individualidade de cada músico.

 MONGE LOUCO

 Com exceção das datas de nascimento (10 de outubro de 1917, em Rock Mountain, North Carolina) e morte (17 de janeiro de 1982, em Englewood, New Jersey), a biografia de Thelonious Sphere Monk não tem efemérides marcantes. O tempo dele era o hoje. Sua técnica única, não poucas vezes foi comparada à do mestre do expressionismo abstrato Jackson Pollock (1912/1956).

 Monk (Monge) era tido como louco, pela música que fazia, complexa, mas paradoxalmente de fácil apreensão como o clássico Round About Midnight: "Tudo o que toco é diferente. Melodia diferente, harmonia diferente, estrutura diferente. Cada peça é diferente da outra. Tenho um padrão e, quando a música conta uma história, quando chega a um determinado tipo de som, ela está terminada, completa", dizia Monk, tentando explicar seu modo de compor ao crítico americano Nat Hentoff. Algo raro, Monk não era de falar, muito menos sobre sua obra, pequena, pouco mais de 70 temas, porém das mais regravadas do jazz.

 Embora de família de poucos recursos, Thelonious Monk não teve infância e adolescência atribuladas, mas não gostava de falar do passado: "É complicado. Feito saber o que acontecia dez compassos atrás quando estou tocando" (da citada entrevista a Hentoff). Admitia influência, mas não citava nomes.

 Assim como Ella Fitzgerald, caiu no mundo com 15 anos. Viajou pelos EUA com um grupo tocando gospel e spirituals: "Conheci um bocado de músicos, nunca prestei atenção em particular a nenhum deles. Todo mundo tocou no Minton?s (lendário clube de jazz em Nova Iorque). Mas estavam tocando, não dando aulas". Costuma-­se agregar o clichê "diáspora africana" para traçar a origem do jazz. Mas nele, assim como no frevo, há elementos da música europeia, polca, quadrilha, mazurca.

 Feito por negros, basicamente em Nova Orleans, o jazz se miscigenou depressa. A pioneira Original Dixieland Jazz Band, por exemplo, era formada por músicos brancos. Quando o criticaram por trazer para o grupo o pianista branco Bill Evans, o trompetista Miles Davis foi curto e grosso: "Não me interessa se a pele do cara é roxa, verde, ou com bolinhas brancas, e sim se ele tem suingue".

 "Não sei pra onde o jazz caminha. Talvez vá pro inferno. Não se faz nada ir pra lugar algum. Simplesmente acontece". A frase é de Thelonious Monk, mas poderia ter sido dita por Dizzy, ou por Ella. Os três, assim como Monk, centenários, mas de obras absolutamente atemporais.

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