Memória

Noel Rosa, Há 80 anos a MPB perdia seu maior filósofo

O poeta da Vila foi compulsivo no samba e na boêmia

JOSÉ TELES
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Publicado em 04/05/2017 às 12:46
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O poeta da Vila foi compulsivo no samba e na boêmia - FOTO: foto: reprodução
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Há 80 anos morria Noel Rosa, o Filósofo do Samba, um dos muitos epítetos que Noel de Medeiros Rosa, carioca de Vila Isabel, ganhou ao longo de uma curta e prodigiosa carreira. Faleceu com 26 anos (completaria 27 em dezembro de 1937), deixando uma obra extraordinariamente vasta. Boêmio inveterado, de trocar o dia pela noite, Noel compunha, escrevia e desenhava compulsivamente. Criava melodias e letras muito à frente do seu tempo. Seu próprio comportamento, anárquico e bem­humorado, destoava de sua época (confiram entrevista concedida à revista O Cruzeiro, em agosto de 1932). Poderia ter vivido mais se tivesse se tratado da tuberculose com remédios e repouso ­ e não com noitadas e cerveja Cascatinha, que tomava às
dúzias, e morna.

A imprensa do país inteiro, pela primeira vez, abriu manchetes para um compositor de música popular.
Costumava­-se chorar cantores e cantoras, mas autor de samba ainda não era profissão conceituada. Uma exceção à regra foi a morte de Sinhô (José Barbosa da Silva), em 1930. Noel Rosa mudou definitivamente esta maneira de pensar. Autor de clássicos como Com que Roupa?, O Gago Apaixonado, Último Desejo, Feitiço da Vila, Feito de Oração, Jura, João Ninguém, Dama do Cabaré, Mulher Indigesta e O Orvalho Vem Caindo, entre tantos outros sucessos, foi provavelmente o primeiro compositor de samba a virar nome de rua.

Entre as várias manchetes sobre sua morte, a mais certeira foi a do Diário Carioca: "Faleceu Ontem o Maior Cantor da Alma Carioca". O Jornal a Noite, também do Rio, narrou a partida de Noel, de uma forma que ele aprovaria, com um texto leve e sem pieguice: "Na vertiginosidade da vida da cidade, a notícia que circulou quarta­-feira última abriu um doloroso parêntese: Noel Rosa havia morrido. O mais popular dos compositores cariocas, autor de centenas de melodias suaves e delicadas ­ encantada varinha de condão que sabia animar com seu ritmo as danças e os folguedos carnavalescos ­ havia sido vítima de um colapso cardíaco em sua residência, à Rua Theodoro da Silva. Em frente à sua casa, um grupo alegre de rapazes e moças dançava despreocupadamente, ao som de uma orquestra melancólica, um dos seus sambas mais queridos: ?De babado sim/ meu amor ideal/ de babado, não?.
No quarto de Noel, um amigo e a família. Os sambistas da cidade, à hora de sua morte, comemorava o
possível reestabelecimento daqueles que todos consideravam o melhor. Uma tristeza enorme invadiu a rua, o
bairro em que nasceu e viveu, a sua querida Vila Isabel".

ENTREVISTA NOEL ROSA

Dentro da feição multi-explorada da música nacional, Noel Rosa conseguiu focalizar e encontrar algo novo, fugindo ao sentimentalismo, a grande corda que o brasileiro tange sempre, fugindo ao humorismo banal. Noel não conseguiu
fugir ao humorismo às respostas à revista O Cruzeiro, em 27 de agosto de 1932.

Quando começou a cantar?
Noel- ­ Em 1929, com o Bando de Tangarás. Minha mãe diz que eu, com quatro anos, já cantava O Meu Boi
Morreu.
Das suas canções qual a que mais lhe agrada, e por que?
Noel ­ - É o samba Gago Apaixonado porque, além de ser original, os meus vizinhos e seus papagaios não
conseguem cantá­-lo.
Dos autores de música popular, qual o que mais aprecia?
Noel - ­ No gênero popular aprecio Almirante e Ismael Silva. O primeiro, estudioso e culto, sabe produzir letras interessantíssimas, assuntos originais e jocosos. O segundo, inculto embora, é o melhor autor dos sublimes e melodiosos sambas do morro.
O que pensa da música popular brasileira?
Noel - ­ Uma obra de arte a que se dá pouco valor.
Que gênero lhe é mais importante?
Noel ­ - Gosto do samba porque sou brasileiro. Acho que o estrangeiro capaz de imitá­-lo ainda não nasceu.
O que prefere, o disco, o teatro ou o rádio?
Noel ­ - Não posso manifestar preferência. São eles que fazem a propaganda da música brasileira.
Que futuro julga destinado à música popular do Brasil?
Noel ­ - Não sou profeta, mas as coisas estão melhorando.
Que pensa do público brasileiro? E qual é o gênero que a ele mais lhe agrada?
Noel - ­ O público é ótimo. Antigamente o gênero que mais lhe agradava era o fox­trot. Hoje é o samba humorístico porque o público quer rir.
Como e por que produz (ou canta?)?
Noel -  ­ Produzo com meu violão e uma caneta. Como? Dolorosa interrogação.
Em que lhe parece residir o segredo do seu triunfo?
Noel -  ­ Na originalidade.
Qual sua maior ambição?
Noel -  ­ Não ver ninguém ambicioso (na minha classe principalmente).
Que relação julga que existe entre o amor e a música?
Noel ­ - Romeu e Julieta morreram ignorando­-a. Acho, porém, que seja a mesma existe entre uma casca de
banana e um escorregão

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