O racismo nos Estados Unidos, assim como no Brasil, é um problema endêmico e resultado de anos de sistema escravocrata e, posteriormente, de exclusão. No caso dos EUA, a instauração da segregação racial, legitimada por lei até a década de 1960, aprofundou ainda mais essas questões. A perpetuação da exclusão dos negros em várias esferas sociais permanece e é atualmente foco de grande debate naquele país. Suas consequências, físicas e psicológicas, estão sendo refletidas nas artes, especialmente na música e no cinema. Corra!, que estreia hoje nos cinemas do Brasil, é fruto dessa leva de obras criadas a partir da experiência do que é ser negro em uma sociedade racista.
Primeiro filme do comediante Jordan Peele, Corra! tornou-se uma das grandes surpresas da indústria cinematográfica este ano. Tendo custado 4,5 milhões de dólares, arrecadou, até o momento, mais de 215 milhões. O sucesso de crítica e bilheteria é resultado tanto da qualidade da obra, quanto do contexto social.
Diante da brutalidade policial e do encarceramento em massa da comunidade afrodescendente nos EUA, o fortalecimento de movimentos como o Black Lives Matter (As vidas dos negros importam) luta contra o trauma coletivo dos negros instaurado nos EUA desde sua fundação. Para os não caucasianos, é preciso estar atento e forte ante um sistema que se recusa a incluí-los e garantir sua segurança.
Corra! trabalha essas questões de forma contundente e original. No longa, o fotógrafo Chris Washington (Daniel Kaluuya) se prepara para conhecer a família da namorada Rose (Allison Williams). Receoso, antes da viagem ele pergunta à amada se os pais dela sabem que ele é negro. “Deveriam?”, rebate a moça, afirmando que seus pais não são preconceituosos, e inclusive votariam em Obama para um terceiro mandato.
TERROR
Desde a estrada para o destino final o casal interracial é exposto a situações que revelam a brutalidade vivida pelos negros na sociedade. Na casa dos pais de Rose, interpretados por Catherine Keener e Bradley Whitford, ela uma psicanalista com especialização em hipnose e ele um neurocirurgião, todos os empregados são negros e apresentam um comportamento que chama a atenção de Chris pelo excesso de subserviência. Na região onde a família vive, todos são brancos e a presença do fotógrafo ali não parece ser aleatória. Ao mesmo tempo em que convivem com ele, os anfitriões parecem o tempo todo reforçar que Chris não pertence àquele lugar. A tensão que permeia essas relações atravessam todo o filme.
Rod (LilRel Howery), amigo de Chris, alerta ao protagonista sobre os perigos de um homem negro em meio a “tanta gente branca”. Os comentários servem para dar um certo alívio cômico ao clima pesado do filme, mas no fundo são igualmente cortantes pois expõem a situação de terror literal vivida pelos afrodescendentes diante de uma sociedade que parece querer aniquilá-los.
Essas sutilezas são colocadas com maestria por Peele no longa e talvez um dos maiores desconfortos do filmes seja justamente reconhecer os personagens que estão na tela e associá-los a pessoas do nosso cotidiano. Além de um excelente filme de terror, com atuações e direção seguras, Corra! será lembrado como um forte retrato das tensões raciais que permeiam os Estados Unidos