Enquanto no Nordeste, o forró tem que disputar espaço com sertanejos, bandas de lambada estilizada, atéDJs e MCs, na Europa, particularmente em Portugal, o forró ganha espaço, tanto na badalada Festa de Santo Antônio, em Lisboa, quanto nos festejos a São João, no Porto e cidades do Norte do país. "A cena aqui em Lisboa é forte, mas não é voltada para o forró tradicional, mas o pimbas português, que é aquela música com trocadilhos". Quem explica isto é Enrique Matos, um mineiro que vive de forró em Portugal. O "pimba" a que se refere é o duplo sentido, que já foi popular no Brasil até começo dos anos 80. "Pois é, os grandes sucessos do São João e do Santo Antonio são regravações de Zenilton, Amazan, João Gonçalves, que são bem conhecidas e nesta época tocam muito", confirma Matos, que não sabia que Zenilton passou alguns anos morando em Portugal, e com Quim Barreiros, o Rei do Forró Pimba.
"Nunca ouvi falar do Zenilton aqui com Quim Barreiros, que é muito famoso, com música do próprio Zenilton, como Bacalhau à Portuguesa. Não sei como a gente não ficou sabendo, se soubesse teria armado uma show dele pra galera", diz Matos, que toca zabumba e percussão no grupo Luso Baião, e coordena o Espaço Baião, em Lisboa, além de várias atividades relacionadas com os ritmos nordestinos e alguns mineiros, como as congadas (ele nasceu em Conceição do Mato Dentro). O Luso Baião surgiu há quatro anos, quando Enrique Matos conheceu o paulista Cícero Mateus, que tocava música brasileira na noite, com o irmão Betinho Mateus. Ambos já eram músicos no Brasil. Matos começou na época da onda do forró universitário, enquanto os irmãos Mateus mantinham um grupo de samba, com outros parentes, em São Paulo.
Ao grupo juntaram-se músicos portugueses. Na formação atual da banda só o guitarrista Pedro Guimarães é de Portugal, os demais integrantes (o grupo é um sexteto) são brasileiros. "O Luso Baião lançou dois álbuns e um EP chamado Baião em Lisboa. No álbum Nós Natureza, fizemos uma gravação de Loa de Lisboa, de Alceu Valença, que foi muito gentil em liberar a música para a gente
gravar. O forró com que trabalhamos aqui é o pé de serra puro. Músicas de Marinês, Luiz Gonzaga, Oswaldinho, Lucimar, João Gonçalves, outros que já se foram como Jacinto Silva, Zito Borborema, Gilvan Chaves, este lado mais antigo do forró, está ganhando projeção na Europa, o pessoal gosta muito deste tipo de som pra se dançar", conta Enrique.
Além da banda, ele ensina os ritmos e a dança no Espaço Baião, e faz workshops pela Europa da parte cultural. Percorreu vários palcos de Lisboa com o projeto Forró de Lampião e o Forró da Liberdade, um arrastapé ao ar livre na capital portuguesa, além de um festival do Baião (Alceu Valença já participou do Forró de Lampião). O Luso Baião já tocou no Brasil, participou inclusive do programa Superstar, da TV Globo, e do festival de Itaúna (Sergipe), o maior evento de forró do Brasil, fora do período junino.
Embora tenha que enviesar o repertório para o duplo sentido, muitos em levada de vira e outros ritmos portugueses, os forrozeiros em Portugal não sofrem a concorrência dos sertanejos:
"Eles não tocam muito aqui não mas, claro, tem muito brasileiro e não tem como não tocar. Mas não interferem na cena que a gente trabalha, que é o pé de serra. Os caras do sertanejo famosos vêm por aqui, nomes como Wesley Safadão, mas não cantam em eventos tão grandes que nem fazem no Brasil. Soube da polêmica com eles no Nordeste. Tenho certeza que o nordestino não sabe como o europeu aprecia o forró pé de serra. Aqui tem um público muito grande pra forró, a galera valoriza muito", finaliza Enrique.
NÓS NATUREZA
O mais recente disco do Luso Baião, lançado no final do ano passado, Nós Natureza, emprega os instrumentos tradicionais do forró, com baixo e guitarra elétricos. É um forró híbrido, até pela procedência e formação dos músicos, mas tem personalidade, não tenta ser forró pé de serra, feito bandas como o Falamansa, que insistem no xote, o ritmo mais acessível dentro os muitos do forró. A única faixa do álbum não autoral é Loa de Lisboa, que tem tudo a ver com o público português, um baixão que Alceu Valença fez em homenagem à cidade (no meio da música uma portuguesa declama, com pesado sotaque lisboeta).
A maioria das canções é assinada por Cícero Mateus, também vocalista principal do luso Baião, enquanto o sanfoneiro Everton Coroné segue a linha Dominguinhos, com umas dissonâncias inesperadas. O disco tem participação de Rob Curto, brasileiro que toca com o Forró in The Dark, um dos grupos de forró de Nova Iorque. O grupo tem influências de Alceu Valença, como acontece no baião Nós Natureza, com melodia refinada, e letra de versos engenhosos. Dominguinhos está bem presente no disco. Mel de Rapadura é um arrasta-pé nos moldes dominguinianos, uma das melhores faixas do disco.