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Rock brasileiro tem historinhas e vexames contados em livro

Daniel Ferro, o autor, viveu por muito tempo nos bastidores

JOSÉ TELES
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Publicado em 29/07/2017 às 4:33
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Daniel Ferro, o autor, viveu por muito tempo nos bastidores - FOTO: foto: divulgação
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"Todo mundo pergunta muito sobre esta coisa de nome de banda. Presta atenção, se você tiver que escolher o nome de sua banda, pensa que você vai ter que explicar pro resto da vida. Eu tenho explicado o nome da minha banda por exatos vinte e oito anos ininterruptos". O conselho é de Bruno Gouveia, vocalista da Biquíni Cavadão. O nome da banda foi sugerido por Herbert Vianna, dos Paralamas do Sucesso, inspirado num modelo de biquíni dos anos 80. Mas poderia ser pior.

O mesmo Herbert sugeriu antes um Hipopótamos de Kart, que foi aceito pelo grupo e usado durante uma semana. Até que, lembra Bruno, os caras da banda pensaram no futuro: "Com o passar do tempo, talvez a gente engordasse e aí, lá vem os hipopótamos! Então a gente decidiu mudar". O Biquíni Cavadão, talvez tenha merecido o nome que tem. Em pleno, e movimentado, Verão Carioca, no final dos anos 80, o primeiro sucesso do grupo chamava-se Tédio.

A historinha do Biquíni Cavadão é uma das muitas que fazem parte do livro Contos do Rock - Historinhas dos Bastidores do Rock Brasileiro Contadas por Quem Estava Lá (Dublinense), de Daniel Ferro. Canadense naturalizado brasileiro, Daniel Ferro é jornalista, apresentador de TV e produtor de vídeos e clipes. Trabalhou com todo mundo, de todas as alas, de Chico Buarque a Michel Teló, de Ivete Sangalo ao Sepultura. Já teve um programa com o nome do livro, no Multishow, onde também produziu o Rock Estrada.

O livro não é de contos, mas do que no Nordeste chama-se "causo". Episódios curtos e, geralmente, engraçados. Como por exemplo o do Disco de Ouro do Ira! Quando completou 20 anos de carreira, em 2001, o grupo ganhou um Disco de Ouro, e foi receber numa cerimônia simples na gravadora. Só havia dois discos, um ficou com o executivo da gravadora e outro com Scandurra. Os outros integrantes, Gaspa, André Jung e Nasi sobraram. Os caras da empresa garantiram que os outros discos chegariam. Chegaram, mas eram disquinhos do tamanho de compactos, ou menores.

Nasi cismou e resolveu pegar o "seu" Disco de Ouro. Foi de táxi à gravadora. Entrou lá sem falar com ninguém, chegou na sala conde colocavam os Discos de Ouro recebidos pelos contratados da gravadora, apanhou o Ira!, colocou o disquinho de ouro em seu lugar e foi embora. Tinha, enfim, seu Disco de Ouro. Ouro, não, banhado a ouro. Custava, lembra ele meros R$ 250 .

MAQUIAGEM

Tanto quanto o timbre da voz de Ney Matogrosso e o rebolado dos três integrantes, em 1973, o Secos & Molhados chamou atenção também pela maquiagem no rosto dos músicos. Seria cópia de Alice Cooper ou do Kiss, mas na verdade, conta Gerson Conrad, aconteceu por acaso. O grupo tocava, em São Paulo, num local chamado Casa de Badalação e Tédio. No anda de cima funcionava o Teatro Ruth Escobar. Ney Matogrosso fazia uma peça no teatro, e depois, descia ao térreo e se juntava ao S&M. Uma noite a peça atrasou muito. Ney ao tinha mais tempo de tirar a maquiagem, uma graxa negra que lhe cobria o rosto. A compositora Luli, autora de O Vira, deu a ideia de colorir a máscara negra com purpurina: "Ele fez e todos
 nós resolvemos improvisar uma maquiagem ... foi um impacto muito grande", lembra Conrad.

Pioneiro do punk rock nacional, Clemente, vocalista e compositor dos Inocentes levou muita dura da polícia, enfrentou tretas com outros punks, com skinheads, metaleiros. Em todo encontro de punk rock tinha polícia. Nem precisava ser show, bastava aglomeração de punks num bar, feito naquela noite no Teatro LusoBrasileiro: "A polícia chegou e falou: ?Meu, todo mundo tirando o coturno, não quero ver ninguém com coturno militar (que fazia parte do uniforme punk) ... um monte de gente tirou o coturno, e ficou um bolo de coturno."

A polícia deu um baculejo nos coturnos e não encontrou nada, nem drogas, nem material subversivo (era 1982, época do General Figueiredo): "Não encontraram nada lá. Aí o que eles fizeram? Simplesmente pegaram os coturnos e misturaram todos. Tchau, cada um pega o seu". Muito punk foi pra casa usando dois pés esquerdos, ou direitos, de coturno, conta Clemente a Daniel Ferro.

AO SUCESSO

São muitas histórias, mas nem todas de rock nacional. No começo dos anos 80, Marcos Maynard era diretor internacional da Sony Music (que ainda se chamava CBS) e ajudou mandar Peter Frampton novamente às paradas. Um diretor da A&M Records, pediu-lhe ajuda. Frampton, que fora um dos maiores vendedores de discos do mundo, no final dos anos 70, com o álbum Frampton Comes Alive, vinha fazer show no Brasil, sem um novo hit. Tinha uma música bastante radiofônica, que não decolou, Breaking All the Rules.

Maynard teve a ideia de usar a canção na trilha dos então badalados comerciais do cigarro Hollywood, da Souza Cruz (cujo slogan era "Ao Sucesso"). Não cobraria nada, só queria a música num comercial. Breaking All the Rules começou a tocar na TV ajudando a vender cigarros e levado Peter Frampton "ao sucesso" em todas as FMs do país. Quando chegou no Brasil, Frampton descobriu, felicíssimo, que a música tocava a toda hora. Quis saber de Marcos Maynard como ele conseguiu. Quando soube que se devia a um comercial de cigarro, ficou possesso. Gritou que ia pedir a cabeça do diretor, não quis mais nem vê-lo.

Quando a turnê terminou ele mandou chamar Maynard, que foi com um pé atrás: "Ô Maynard, como vai você querido? Que maravilha o show. Queria lhe fazer uma pergunta". O diretor perguntou qual, e Frampton: "Será que não tem outro comercial do Hollywood pra colocar outra música minha?".

Contos do Rock tem vários "causos" deste naipe, com medalhões, gente menos famosa, produtores como Rick Bonadio ou Jorge Davidson, grupos como NX0 ou Charlie Brown Jr. Pode ser lido aleatoriamente. Na página ou história que se cair, é divertimento na certa.

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