RAP

Projeto Arrete e toda a emoção do primeiro disco

Grupo de rap pernambucano lança 'Sempre Com a Frota', coroando trajetória de luta no cenário local

NATHÁLIA PEREIRA
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NATHÁLIA PEREIRA
Publicado em 06/08/2017 às 13:20
Foto: Alex Melo/Divulgação
Grupo de rap pernambucano lança 'Sempre Com a Frota', coroando trajetória de luta no cenário local - FOTO: Foto: Alex Melo/Divulgação
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“A gente sempre pensou em trazer junto nosso convívio, o dia a dia, mas introduzindo elementos que vêm da nossa história familiar. Então estão lá coisas muito fortes, em prol do feminismo, das mulheres, das manas, monas e dos caras também”. A resposta dada pela MC Nina Rodrigues sobre o conceito que permeia Sempre Com a Frota, álbum de estreia do Projeto Arrete, vem carregada de emoção. Posto para audição em streaming em julho, o disco, apesar de primeiro do grupo pernambucano de rap, é mais uma concretização na trajetória longeva que ela, Yanaya Juste e Weedja Lins acumulam.

Feito sob incentivo do Funcultura, o registro com dez músicas reúne composições assinadas pelas três, com instrumentais produzidos por Felipe Maia e Riva Le Boss, todas gravadas por Marcílio Moura no Fábrica Estúdios, bairro da Várzea, Zona Oeste do Recife. São espaço para que elas rimem, através do rap cru ou de versos propositalmente semelhantes à embolada, sobre temas que as circundam, como artistas e mulheres. “Porque o índice de feminicídio no Nordeste, além do assassinato de gays, transexuais e especificamente mulheres lésbicas é muito grande”, pontua Nina. O que vem muito forte como recado, completa, é a luta da mulher nordestina, servindo como pontapé para as reivindicações semelhantes.

O processo de criação elas contam que acontece de forma muito livre, se deixando contaminar pela bagagem recheada de referências artísticas. A mãe de Nina escreve poesias, Yanaya é filha de um artista plástico e de uma filósofa. Já Weedja bebe na fonte que abriu as portas para o hip hop no Estado, sendo sobrinha de uns dos primeiros b–boys de Jaboatão dos Guararapes.

“A gente se deixa levar pelo que vem na alma naquele momento. Le Plaisir (a quinta faixa) foi um pensamento que Nina trouxe pra nós e eu pus o refrão em francês por causa do meu pai, além de querer expandir o recado pra outras pessoas”, detalha Ya. Com pelo menos três flows diferentes, a missão de Riva e Felipe foi compreender e traduzir em ritmos a ânsia do que pretendiam falar.

“O instrumental do rap é muito sujo”, analisa Nina. “Então fomos no caminho, aprendendo outras coisas, trazendo coisas novas. Eu com a poesia popular, Ya com o ragga, Weedja com esse lado mais ‘sujo’ e necessário”. O clima de reunião com velhos parceiros se manteve nos convidados a cantar com as MCs. Preta Anna, parceira de Nina no extinto grupo Confluência e atual vocalista no Voz Nagô, canta na homônima Sempre Com a Frota. Em Pânico, a erupção do rap feito em Cajueiro Seco, periferia de Jaboatão, é cantada com Wellinton Leite, o Paçoca, e Hamilton Marrom, representantes da velha escola.

Já a mistura com elementos da música nordestina e de sonoridade mais pop foi uma escolha pautada por liberdade. “O hip hop em si precisa se renovar. O DJ traz equipamentos, o grafite aprende técnicas novas. O bom é que pra gente existe uma coisa a mais que é o feminismo, as lutas mais claras, porque podemos nos defender, ter liberdade em se vestir, em cantar o que quiser. Ta aí a Karol Conka que fez uma música sobre sexo oral (Lalá, lançada em junho)”, contextualiza Ya.

Recebidas por uma Casa do Cachorro Preto lotada, na última edição do Rec–Beat Apresenta, elas apontam o machismo ainda como principal barreira dentro do que se pode chamar de cena. “Por o som no YouTube já foi uma escolha pra facilitar o acesso. Do público que foi nos ver em Olinda,por exemplo, a maioria era de fora do rap. Tudo bem se você não gostar da nossa música, mas escute, dê uma chance”, convoca Nina.

NA PRÁTICA

A versão física de Sempre Com a Frota deve chegar em setembro, junto ao show oficial de lançamento, ainda sendo organizado. Nos dias 15 e 16 do mesmo mês, o trio antecipa um pouco da nova empreitada, em tom intimista, no projeto Sonora Olinda, voltado ao trabalho das compositoras locais. Elas foram convocadas junto a Carina Mayara, Darc Cintra, Lu Rabelo, Nira Santos e Sam Silva. A fase marca também a entrada da dançarina Aya Martins, levando elementos do voguing à estética de rua da bgirl Duda Serafim.

COLAGEM DE SONS E VIVÊNCIAS

Como anunciou o relatório divulgado pela empresa norte-americana de pesquisas Nielsen, no começo de julho, o rap tem atingido um nível de popularidade que o fez ultrapassar o rock como gênero musical mais consumido na Terra do Tio Sam. Cerca de 25 % da população ouve o ritmo contra os 21% que ainda preferem o tradicional rock. Mesmo que reunindo na mesma porcentagem os números relativos às audições de canções rap e R&B, os dados dão concretude à sensação dos mais atentos de que as rimas tem chamado atenção de mais gente.

O advento das plataformas digitais como principal ambiente para audição de música tem papel importante nisso, mas a abertura dos MCs à incursões por outras culturas não fica atrás, vide o mergulho de nomes como Drake e Kendrick Lamar na trap music. Por aqui, o Arrete embarcou na mesma onda, fazendo de Sempre com a Frota uma colagem de referências textuais e sonoras ao que Yanaya, Nina e Weedja consumiram individual e coletivamente até assinarem como projeto.

Em Poetizar, a abertura, citam como invocação elementos da consciência nordestina: mamulengo, violeiro, cantador, seca, chão rachado, aboio, repente. Daí, passeiam pelas dez faixas alternando reivindicação por espaço e recordação do que viram pelo caminho, vide a faixa-título, escrita por Nina há cinco anos. “É como um filme/ Na minha mente tudo volta, tudo é permanente /É o trabalho do meu subconsciente /Para sair rimas inteligentes”, cantam.

Arrete Não e Caixinha de Surpresa, lançadas anteriormente como singles, também foram arrematadas pelos instrumentais de Riva Le Boss e Felipe Maia, que ao longo do registro flertam com beats mais marcados, como na citada Sempre com Frota, e com sonoridades de sanfonas e triângulos.

Há, ainda, lugar para amor romântico e sensualidade, gravados na sugestiva Le Plaisir (O Prazer), com meio refrão cantado em francês. É um álbum de anúncio e afronta a um cenário hip hop ainda impregnado de machismos e preconceitos tantos, no qual a sentença “rap feito por mulheres” ainda é necessária por denotar resistência. Com a palavra, Pânico, a faixa seis: “Emancipação feminina, nordestina / deixa eu te mostrar o que é rap de mina”.

OUÇA SEMPRE COM A FROTA NA ÍNTEGRA:

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