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Tribalistas dão adeus à inocência

O inusitado teste do segundo disco 15 anos depois

JOSÉ TELES
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JOSÉ TELES
Publicado em 26/08/2017 às 10:25
foto: divulgação/Marco Froner
O inusitado teste do segundo disco 15 anos depois - FOTO: foto: divulgação/Marco Froner
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Os Tribalistas enfrentam o teste do segundo disco. Só que 15 anos depois do primeiro, um dos mais bem-sucedidos da história do pop brasileiro, com propaladas três milhões de cópias vendidas em 2001 (época de pirataria galopante). Marisa Monte, Carlinhos Brown e Arnaldo Antunes criaram o grupo de forma semelhante ao que aconteceu, em 1988, com Bob Dylan, Tom Petty, Jeff Lyne, Roy Orbinson e George Harrison com os Traveling Wilburys, um encontro de amigos para fazer música descompromissada.
Ambos, Tribalistas e Traveling Wilburys, fizeram um primeiro disco primoroso, pela despretensão. No caso dos brasileiros, um repertório quase inteiro ocupado com tolas canções de amor.

Como pergunta McCartney em Silly Love Songs, uma canção de 1976, em que questionava os críticos, que consideravam melosos os discos iniciais da carreira solo do ex-beatle. "O que há de errado com isso?/ gostaria de saber". Nada. E canções como Velha Infância, Já Sei Namorar, Passe em Casa, É Você, falando de amor, com melodias chiclete, foram pegou todas as classes sociais (o disco deve ter vendido ainda mais na pirataria). Algumas de um graça quase infantil, como Já Sei Namorar.

Nas quatro primeiras músicas antecipadas do retorno do trio, já deu para sentir que os Tribalistas tinham perdido a inocência. Por mais que se insista em afirmar que o grupo nunca acabou, que eles continuaram compondo juntos, não é a mesma coisa. Desta vez fizeram música para um projeto, ou a reuniram, independente de quando foram criadas, para este projeto. Agora não mais despretensioso, sem compromisso. São inevitável as comparações com o Tribalistas, o disco, de 2002. Diáspora tem citação de Castro Alves (declamado por Arnaldo Antunes), aborda o drama dos refugiados e tretas do planeta Terra em transe, a melodia é boa, mas a letra rebuscada. A música aponta pra um disco mais politizado, menos direcionado às tolas canções de amor. Um Só (com Brás Antunes, filho de Arnaldo Antunes, na parceria com a trinca tribalista) segue a linha da primeira: "Somos democratas/somos os primatas/somos viralatas/temos pedigree".

Fora da Memória, a primeira canção de amor não tem versos diretos e simples, como por exemplo, os de Velha Infância: "Fora da memória tem/ uma recompensa/ um presente pra você/ você que não pensa/ no que foi no que será/ no eu foi, no eu viria", uma canção que ficariam mais bem encaixada num disco solo de Marisa Monte (o trio aqui faz parceria com Pedro Baby e Pretinho da Serrinha). No release distribuído à imprensa, Marisa Monte confirma o direcionamento do novo Tribalistas "São as canções que falam desses assuntos mais políticos, mais cotidianos, do momento, crônicas do nosso mundo contemporâneo". Ânima é
uma das canções de cunho existencial "Eu cai numa placenta/ no fim dos anos 60/ no hemisfério Sul Ocidental".

Aliás, o anúncio do novo disco provocou um mal-estar em setores da imprensa, que foi pega de surpresa. O trio apresentou o trabalho, antecipando quatro músicas, ao vivo no Facebook, alcançando milhões de internautas mundo afora. A bem da verdade, o primeiro disco também teve lançamento parecido, não foi igual, claro, as ferramentas da Internet de então não ofereciam tantos recursos. A 0h15 da sexta-feira, liberaram um pacote para a imprensa, com o disco completo, fotos, arte, encarte, vídeos
(dirigidos por Dora Jobim) e uma entrevista feita pelo jornalista, escritor e compositor Nelson Motta que, claro, como todas do tipo, resvala para o confete.

ELABORADO

Algumas perguntas de Nelsinho são na verdade rasgação de seda: "Uma coisa que chama a atenção nesse novo trabalho é a personalidade musical que vocês criaram. Desenvolveram um ?som Tribalistas?, um tipo de levada, uma instrumentação acústica que você reconhece nos primeiros acordes, antes mesmo de começarem a cantar. Uma sonoridade que até o pedreiro que estava em minha casa comentou, animado, ao me ver ouvir esse novo disco: ?é os Tribalistas, é?? É tudo simples e ao mesmo tempo muito elaborado. Bem mais elaborado".

Talvez outros pedreiros, fora o que trabalhava na casa de Nelson Motta, consiga saber o que é, por exemplo "diáspora", ou algumas palavras na letra da canção. Quanto ao estilo tribalista, este estava presente no primeiro disco. Neste novo álbum soa mais como um trabalho de banda, com suas influências e gostos pessoais. A melhor música do disco, Feliz e Saudável, abre com uma levada mais para Jorge Ben (o dos anos 60, sem o "Jor") do que para Tribalistas. Uma ótima canção de amor, porém nada tola. Mais próxima do "antigo" Tribalistas é Os Peixinhos, que fecha o repertório, parceria com a portuguesa
Carminho, que também participa cantando com Arnaldo, Carlinhos e Marisa.

No geral, inegavelmente, as canções são boas, bem arranjadas (o disco foi feito praticamente com a mesma equipe que fez o primeiro. Marisa Monte assina a produção). No entanto, não há aqui a mesma leveza, a mesma sensibilidade pop.  A brejeirice de uma Já Sei Namorar, um dos hits do álbum de 2002. Mais uma vez lembra o Traveling Wilburys. O álbum de estreia é irresistível. O segundo, demora a pegar. É bom, mas falta a espontaneidade do primeiro

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