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Fabiana Cozza celebra um mito da música cubana

Bola de Nieve foi estrela talentosa e polêmica

JOSÉ TELES
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JOSÉ TELES
Publicado em 19/09/2017 às 10:07
foto: divulgação
Bola de Nieve foi estrela talentosa e polêmica - FOTO: foto: divulgação
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Apesar da importância do cubano Ignacio Villa, o Bola de Nieve, na música latino-americana, sua obra foi pouco visitada por intérpretes brasileiros, Caetano Veloso talvez tenha sido quem mais atentou para o compositor, regravando Drume Negrita, Ay Amor, Lá Flor de la Canela. Agora, Fabiana Cozza dedica um álbum inteiro a música pinçada de discos de Bola de Nieve, no CD Ay Amor (Biscoito Fino).

Ela e o pianista cubano Pepe Cisneros gravaram no estúdio da Biscoito Fino, no Rio, com roteiro e direção de Elias Andreato. O disco, aliás, originou-se de um roteiro que Andreato escreveu para o musical Canto Teatral para Bola de Nieve, que teria um ator no papel do cantor cubano, papel que acabou sendo feito por Fabiana Cozza.

As canções deste álbum formam quase uma coleção de “grandes sucessos” de Bola de Nieve, sem esquecer Babalu, consagrada no Brasil pela interpretação que Ângela Maria lhe deu em 1958, bem diferente da gravação original, à qual Fabiana Cozza é mais fiel, cantando-a lenta. Esta música, aliás, tem uma história curiosa, porque é uma brincadeira, de Margarita Lecuona, prima do grande Ernesto Lecuona, que assina vários clássicos interpretados por Bola de Nieve. Com letra em espanhol criolo, a música é um pastiche, e não faz parte dos rituais da santeria. Se popularizou de tal forma nos Estados Unidos, onde circulava desde o
final dos anos 30, que deu nome a um desenho de Hanna-Barbera, o Babalu, companheiro de Pepe Legal.


Outra curiosidade deste álbum de Fabiana Cozza é ser creditado a John Lennon a autoria de Es Tan Dificil. Uma confusão que se pode observar em diversos blogs e sites sobre música popular. Es Tan Dificil é como It’s So Hard, do ex-beatles, está grafada num compacto duplo lançado no México em 1971. Bola de Nieve, que morava naquele país, morreu 23 dias antes do lançamento do álbum Imagine, do qual It’s so Hard é uma das faixas. O compacto foi lançado no México depois de sua morte.

Mas é um pecado venial de um disco em que se homenageia Bola de Nieve, num estilo mais ou menos próximo ao dele, sobretudo pelo piano do cubano Cisneros, porém uma interpretação mais comedida. O cantor cubano era de arroubos vocais, não raro
exagerados, tanto no estúdio quanto no palco. A parceria Fabiana e Cisneros alcança momentos belíssimos no disco inteiro, com alguns destaques, caso das passionais No Quiero que me Odies (de Bola de Nieve), ou Devuelve me mis Besos (Maria Grever). Assim como Bola de Nieve foi cantor para plateias pequenas (embora tenha cantado para multidões),

Ay Amor é um disco para se ouvir à meia-luz, os shows serão melhor apreciados em teatros. A música de Bola de Nieve  quase sempre triste, embora ele abusasse dos trejeitos no palco, em uma interpretação bastante teatral, e nem tudo que ele cantava era bolero ou música cubana. Foi um dos melhores intérpretes de la Vie en Rose e de standards da música americana. Deste repertório Fabiana Cozza canta Be Careful, it’s My Heart (Irving Berlin).

BOLA DE NIEVE

Bola de Nieve foi um dos mais bem-sucedidos nomes da história da música cubana. Escrachado, boêmio, histriônico, dos poucos homossexuais assumidos acolhido pelo governo revolucionário de Fidel Castro,  certamente pelo proselitismo que fazia do regime. Também por sua atitude autoindulgente, criticada por intelectuais gays, como o escritor Renaldo Arenas, que o chamava de “capacho do partido comunista”.

Gordo, negro (daí o apelido pejorativo, Bola de Neve), Ignacio Jacinto Villa Fernández (1911-1971), veio de uma família humilde de 13 filhos. O pai era estivador, a mãe rumbeira e praticante da santeria (o candomblé cubano). Sua primeira apresentação pública aconteceu em 1933, para uma plateia de quatro mil pessoas, substituindo a cantora mais famosa do país na época, Rita Montaner, de quem passou a ser pianista. Mostrou ao público naquela noite a performance que até então só os amigos mais próximos conheciam. Ignacio Villa tinha sólida formação musical, estudou em conservatório, pretendia fazer faculdade de música,
mas uma das sazonais revoluções que aconteciam no país o levou a ganhar a vida como pianista profissional.

Quando lhe perguntavam o motivo de não investir na carreira solo, respondia que sua intenção ao estudar música era chegar a cantor de ópera, mas tinha voz de vendedor de mangas. A voz é rouca, mas a interpretação original, às vezes demasiadamente impostada, noutras coloquial, quase conversando. Ele sempre foi um pouco “over”, mas elegante.

Em Ernesto Lecuona, o maior nome da composição popular cubana, Bola de Nieve encontrou um parceiro e fornecedor de muitas das canções que tornaram clássicas. Conheceu o sucesso no final dos anos 30, no México, quando tocava com o prolífico compositor. Bola de Nieve em meados dos anos 60, mudou-se para o México, onde era tão ou mais famoso do que em Cuba. Faleceu em 1971, de problemas cardíacos. Um mito da música cubana.

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