Autodefinida como “artista multimídia e bixa travesty”, Linn da Quebrada dá um recado direto: “Baseado em carne viva e em fatos reais/ É o sangue dos meus que escorre pelas marginais/ E vocês fazem tão pouco mas falam demais”. Os versos são de Bomba Pra Caralho, single que ela lança hoje, em primeira mão pelo JC, às vésperas de sua apresentação no festival Coquetel Molotov, no dia 21 de outubro.
A música, ela explica, por email, “foi minha maneira de traduzir e transcrever minha experiência diante do confronto e da necessidade do enfrentamento. Da pressão que a estrutura exerce sobre nós. E de como o coletivo denuncia e assusta a violenta fragilidade do poder. É resposta de quem sempre é alvo, de quem já vive em campo de batalha. E se vê constantemente em situações de vida ou morte. E que assim percebe e assume seu corpo como sua principal arma. Arma dura”.
Arranjada pela produtora paulistana Bad$ista, a música evidencia um distanciamento da sonoridade mais crua do funk (que aparecia em Enviadescer, seu primeiro hit, em defesa das “bichas afeminadas”) e uma aproximação com uma sonoridade mais eletrônica – sem tirar o pé do batidão. “Acho que eu sempre tive uma aproximação com a música eletrônica também. Mas acho que o mais interessante tem a ver com trabalhar com produtores onde eu percebo o risco, que experimentam e estão dispostos a construir algo novo juntos, a partir do que já existe. Algo maior que as individualidades”, comenta Linn, que nos shows é acompanhada pelo DJ pernambucano Pininga (mais a cantora Jup do Bairro e o percussionista Valentino Valentino) e já remixada foi até pela DJ trans americana Elysia Crampton.
Linn emerge ao lado de uma série de artistas brasileiros que trazem o gênero, a sexualidade e o movimento LGBT para a linha de frente, como Liniker (que inclusive participa em Bomba), MC Trans, As Bahias e a Cozinha Mineira, MC Queer, Jaloo – um coletivo que alguns já chamam de “geração tombamento”. De toda forma, Linn diz não ter nenhum receio de que sua arte seja colocada em segundo plano em detrimento de seu discurso sobre gênero e corpo.
“Não tenho esse medo. No meu caso, estou falando sobre mim. Minha voz vem impregnada da minha história. Essa é a potência da minha música. Quem soul. Eu não canto apenas pela sonoridade e qualidades da minha voz enquanto virtuose, mas talvez o mais interessante na minha música seja o que estou cantando. E isso faz com que tenhamos que repensar inclusive os papéis e funções da música, enquanto veículo de comunicação. Tráfico de informação”, avalia.
“O nosso trabalho se assemelha na diferença”, compara Linn. “E se assemelha também por serem uma surpresa. Não se esperava que nós ocupássemos esses espaços. Que tivéssemos a possibilidade de falar sobre nós. Talvez nem esperavam que estivéssemos vivas. E se assemelham no perigo de que percebam que nossas vidas importam e tem muita potência. E nossa música surge então também como celebração de nossas existências. Como ato. Como culto. Como ponte. Nos conectando e religando umas às outras”, completa.
Ela destaca que sua música vem, antes de tudo, de um ponto de vista particular, de sua vivência. “Mais do que falar sobre sexualidade e gênero, eu vejo minha atuação num sentido que trata sobre o corpo. Sobre o meu corpo. Minhas experiências. E eu faço isso de uma forma que tenha efeito sobre mim mesma. Algo que eu acredite e que tenha vontade de fazer. Eu faço musicas que eu tenha vontade de ouvir. Eu também sou alvo delas. Eu também preciso delas. Acredito que o que eu venho fazendo tem uma orientação, e um enfrentamento inclusive em relação a mim, fazendo algo que tenha a capacidade de me fazer pensar diferentemente do que eu já penso, ou estou habituada a pensar. Sendo meu próprio transtornar. A incerteza de minhas próprias verdades”.
NO CANUDINHO
No Coquetel Molotov, Linn da Quebrada terá uma participação da cantora de brega Nega do Babado. A informação foi confirmada pela assessoria de Linn e pela produção do evento. Elas cantarão uma nova versão (produzida pelos DJs Bad$ista e Pininga) de Milk Shake, eterno hit do brega pernambucano. Desde já, um dos pontos altos do festival.