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Braulio Tavares disseca em livro a arte da cantoria de viola

Este é o primeiro volume de um trabalho de trinta anos

JOSÉ TELES
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JOSÉ TELES
Publicado em 04/11/2017 às 10:16
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Este é o primeiro volume de um trabalho de trinta anos - FOTO: foto: divulgação
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Da geração que amava os Beatles e os Rolling Stones, o paraibano (de Campina Grande), músico de banda de rock nos anos 60, escritor e compositor Bráulio Tavares não ficou imune à cantoria de viola, assim como o forró, onipresente em sua cidade natal. Não poderia ignorar, por exemplo, o programa Retalhos do Sertão, que foi transmitido por quatro décadas na Rádio Borborema: “Cresci escutando o programa, depois até fiquei amigo de Zé Gonçalves e de Cícero Bernardes, que apresentavam. Zé era amigo do meu pai”, diz Bráulio, poeta de gabinete que no começo dos anos 70 adentrou os meandros da poesia dos repentistas. Tornou-se amigos da maioria deles, viajou com cantadores, e tornou-se um dos principais especialistas na poesia oral nordestina.

 Bráulio Tavares lança, hoje, às 16h, na Passa Disco, no Espinheiro, o primeiro volume de Arte e Ciência da Cantoria de Viola – Cantoria regras e estilos (Edições Bagaço). “O livro na verdade é do ano passado, lancei em Campina Grande, e, neste ano, na festa de Louro do Pajeú, em São José do Egito, só agora pude chegar no Recife”, explica o escritor, que inscreveu seu nome na história da poesia oral nordestina, ao sugerir, para o repentista Ivanildo Vilanova, talvez o mote mais conhecido da cantoria contemporânea: “Imagine o Brasil ser dividido, e o Nordeste ficar independente”.

 O mote virou até música lançada por Elba Ramalho em 1984, com versos de Bráulio e Ivanildo, glosando o mote. Glosar é um dos termos explicados no livro, dividido em três capítulos: A cantoria e o cantador – O que é a cantoria de viola, o que é um cantador; Os gêneros ou estilos da cantoria e O mote e a glosa. “Os gêneros já foram classificados por muita gente, eu escrevo sobre o repente com a visão e a experiência de um poeta erudito e de letrista de música popular”. O “volume 1” no título do livro aponta para a sequência que já está pronta:

 “O pessoal da Bagaço topou lançar o livro, e publicar o segundo volume depois que esta edição se vender”, conta o escritor. O ensaio que ele escreveu sobre cantoria de viola, no original, é um calhamaço de 500 páginas, uma obra feita ao longo de trinta anos: “Tentei lançar por uma editora do Sudeste, mas nenhuma aceitou, alegando que o tema era muito específico e só interessaria aos nordestinos”.

 Embora não tenha a intenção de didatismo, Arte e Ciência da Cantoria de Viola pode ser utilizado neste sentido, pela maneira simples e objetiva como foi escrito, o que o torna interessante tanto para os que introduzidos nos meandros do tema, quanto aos que o tem em tem em total ignorância, a maioria, e em grande parte nas grandes cidades. O que é facilmente explicável:

 “Eu tenho um lado meio jornalístico, então escrevo como se fosse pra público de jornal, acho isto positivo porque o cara que gosta de Lenine e vai ter o primeiro contato com a cantoria, vai entender”.

DOM

Qualquer poeta um com mínimos conhecimentos da arte da rima arvora-se a escrever um cordel, e não são poucos. Mas improvisar entre um baião e outro da viola, assim como fazer emboladas, exige o dom e a técnica de criar versos na hora (sempre com um pouco de decoreba, sobretudo na embolada). Repentistas cantam para uma plateia sempre crítica, generosa com os bons poetas, e implacável com os ruins de poesia. Portanto não tem como se fazer de cantador, ou se é ou não.

 No livro Arte e Ciência da Cantoria de Viola – Cantoria regras e estilos, Bráulio Tavares faz a distinção de cantador, o violeiro repentista, e cantador, um compositor e cantor cuja música tem raízes fincadas nas tradições da música popular nordestina, uma vertente iniciada pelo baiano, Elomar Figueira de Mello: “Não poucas as vezes em que cantador é empregado sem nitidez, inclusive na imprensa. Se é lícito chamar Zé Ramalho de cantador, pela persona poética que encarna e pela força dos seus versos, não é correto imaginar que ele é o no mesmo sentido que Ivanildo Vilanova ou Oliveira de Panelas”, explica.

 No ensaio ele emprega o termo cantador, violeiro e repentista de modo intercambiável – “para me referir aos profissionais que vivem de improvisar repentes ao som da viola” –, mas aí faz uma ressalva importante: “Nem todo mundo que pega numa viola e improvisa um versinho é cantador. Qualquer pessoa pode improvisar versos, principalmente quem já tem o traquejo de escrevê-los”.

 ALHO E BUGALHO

 Por não atentar para a diferença no termo cantador, misturam-se alhos com bugalhos. “Um cara queria fazer uma cantoria com Elomar e Ivanildo Vila Nova, os dois são bons, mas é como misturar futebol de campo com futebol de salão. Elomar é um grande compositor, mas não consegue improvisar feito Ivanildo, que não faz canções como Elomar”, explica Bráulio Tavares.

 O livro tem acentuada sua importância por chamar atenção para a cantoria de viola. Geralmente recorre-se ao cordel quando o assunto é poesia oral nordestina, raramente ao cantador de viola: “O cordel é mais fácil de chegar ao público do que a cantoria. Um amigo francês vem ao Brasil e volta com a mala cheia de cordel, não vai a uma cantoria porque não encontra”, lamenta o autor do livro.

 

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