Aos 117 anos, o frevo acumula maturidade bastante para não se incomodar em experimentar novas roupagens. A mais nova delas chama-se Transversal Frevo Orquestra, idealização do músico Cesar Michiles, talentoso em vários instrumentos, mais conhecido como flautista. As flautas, não por acaso, são o diferencial da TFO. Meia dúzia delas. E ele mesmo já provou a viabilidade da flauta no frevo, quando ganhou o Festival de Música Carnavalesca do Recife, em 2011, com o frevo de rua Pipocando, solando com a Spokfrevo Orquestra:
“Na realidade era um sonho de muito tempo poder participar de uma orquestra de frevo. Via os arranjadores e compositores de frevo a todo instante, inclusive nas músicas do meu pai. Via toda criação, da concepção até a execução, nas grandes orquestras, e sempre com uma vontade de fazer parte daquilo tudo. Até que comecei a participar dos festivais promovidos pela Prefeitura do Recife, tocando flauta, e vi que essa sonoridade também poderia ser executada nas orquestras”, diz Cesar Michiles.
Ele conta que, ainda garoto, gostava de acompanhar o pai, o compositor J. Michiles, autor de alguns dos frevos-canção mais executados no Carnaval de Pernambuco, aos festivais de frevo nos anos 80: “Fui com ele aos Frevança, isto ficou comigo. E quando quis montar uma orquestra, fiquei estudando a melhor maneira de introduzir a flauta, classificada como madeira, na família dos metais. Fiz isso quando ganhei o festival, solando diante de uma orquestra que é forte nos saxes, trompetes e trombone. O Transversal no nome da orquestra tem a ver, claro, com o tipo de flauta, mas também com travessia, onde utilizo o conjunto de experiências musicais que vem comigo desde criança”, explica Cesar Michiles.
Aos 42 anos, ele tem 30 anos de carreira. Começou estudar músicas aos sete anos, aos 12 foi para os Estados Unidos, estudou na Bayard Rustin High School for the Humanities e fez música na Manhattan School of Music, em Nova Iorque, morou na casa de Naná Vasconcelos, amigo de J.Michiles, e conviveu com músicos renomados que frequentavam a casa do percussionista: “Fiquei em Nova Nova Iorque de 1993 a 94. Na escola de música, a galera pirava quando tocava frevo, que eles desconheciam totalmente. Música brasileira, para eles, era o samba, a bossa nova. Cheguei a fazer um arranjo para Cyro Batista (que tocava na época com Naná Vasconcelos), que foi tocado por Wynton Marsalis com uma orquestra.
Spok foi quem abriu a janela para o frevo no exterior, vieram outros, espero que venham muitos mais, a gente tem que divulgar nossa música e acabar para sempre esta história de que Pernambuco é terra de caranguejos, todos puxando o outro”. Músico fixo na banda de Geraldo Azevedo, Cesar Michiles mostrou sua versatilidade tocando com nomes dos mais diferentes nichos, do guitarrista Toninho Horta a Zé Ramalho, Chico César, o saxofonista de jazz Phill Woods e, claro, Naná Vasconcelos, com quem gravou no álbum Sinfonias e Batuques. Atualmente, ele circula pelo País com o Grande Encontro (Alceu Valença, Elba Ramalho e Geraldo Azevedo).
Mas, até então, com hiatos para dois discos solo e participações vitoriosas em festivais, Cesar Michiles mantinha-se como o coadjuvante de luxo. A Transversal Frevo Orquestra é o seu grande passo como músico. À frente de 19 instrumentistas Michiles montou uma orquestra em que, pela primeira vez, flautas ocupam o destaque entre os naipes, além de uma formação instrumental diferente, com teclado, guitarra, quatro trompetes, quatro trombones, contrabaixo de pau, bateria e percussão:
“Até agora a flauta vinha sendo usada quase sempre para tocar frevo em banda de pau e corda. A formação dos flautistas no conservatório é de música erudita. Através de Sergio Campelo, do SaGrama, que é do conservatório, que consegui os flautistas, e todos toparam de cara. A flauta é vista como um instrumento suave, mas a forma como toco é bem agressiva”, explica César Michiles.
O repertório da TFO é quase inteiramente autoral. Uma das poucas exceções é o frevo de bloco Recife Manhã de Sol, com que J. Michiles venceu o festival Uma Canção para o Recife, em 1966: “A gente já começou a gravar o disco, que terá doze músicas, de nomes como Bráulio Araújo, que é um senhor baixista, de Romero Medeiros, que também faz arranjos. A orquestra tem espaço para os músicos improvisarem e para suas composições. A gente está no processo dos ensaios, para a primeira apresentação que está marcada para dezembro”.
FREVERIBE
O frevo vem sendo mexido como nunca foi antes. Ao mesmo tempo em que Cesar Michiles incrementa o gênero com flautas, o trio Freveribe junta guitarra, com violoncelos acústico e elétrico, bateria e percussão, adubando o frevo com experimentações. O grupo é formado por Adriano Coelho (bateria e percussão), Eduardo Visconti (guitarra), e Pedro Huff (violoncelo).
O Freveribe está circulando, desde 31 de outubro, por Pernambuco (começaram por Belo Jardim), apresentando concerto com o repertório do disco de estreia (viabilizado por um edital do Funcultura). O álbum tem seis faixas e o conceito do grupo e sua música é explicado por Eduardo Visconti:
“ “ A palavra Freveribe foi inventada por nós. Uma mistura da ideia de ferver com a terminação ibe (ype), da língua tupi, que significa água ou rio. A ideia é trazer movimento e pulsão à música instrumental através da vitalidade dos ritmos pernambucanos”. Mas o grupo não é específico de frevo, e sim de música pernambucana, pontuada por muita liberdade na execução.