De um pequeno clube de máscaras criado por um grupo de amigos, em 1978, ao maior bloco carnavalesco do mundo, título avalizado pelo Guiness Book of Records, em 1994. Foi este o desenvolvimento do Galo da Madrugada, que comemora hoje 40 anos de fundação. Seu raio de alcance vai a milhares de quilômetros além do Bairro do São José, onde realizou o primeiro desfile.
“Temos hoje ramificações que extrapolam o Recife, em 13 cidades do país existem agremiações que são êmulos do Galo, Brasília, Porto Alegre, e por aí vai. E interagimos em três países com blocos fundados por brasileiros inspirados pelo Galo, em Quebec, no Vietnã e no Japão. Mas não são franquias, nem eu quero tal coisa”, quem fala sobre as ramificações do Galo da Madrugada, é seu presidente, Rômulo Menezes.
O Galo da Madrugada é um quarentão bastante ocupado. Há muito tempo deixou de ser apenas uma agremiação carnavalesca, nem seus negócios se limitam à folia: “Temos quatro vetores estratégicos. O primeiro: o Galo não é só Carnaval, é alegria o ano inteiro; segundo: o espaço do Galo não se restringe só ao bairro de São José, estamos em outros Estados, em outros países; terceiro: é multicultural, a gente promove o folclore, a cultura nos ciclos festivos. No São João por exemplo, tem o Forrozão do Galo, animado por trios de forró pé de serra e shows, que atraem 50 mil pessoas por noite; o quarto é o social e o ambiental. Trabalhamos com o pessoal do Coque, os flanelinhas são do bairro, todos têm identificação. No forró do Galo, que fazemos em nossa sede, as barracas são sorteadas entre os pessoal do Coque, temos uma escolinha de música para crianças. A Orquestra Mirim Galo da Madrugada”.
DESFILE
Nos 40 anos, o homenageado do Galo da Madrugada será ele mesmo: “Mas prestaremos também uma homenagem ao jornalista Francisco José, que cobriu todos os desfiles do Galo. O primeiro, por acaso, porque tinha ido ao São José fazer uma matéria com Badia no Pátio do Terço, nos encontrou, achou interessante e fez uma matéria. Também faremos referência aos homenageados do Carnaval do Recife, Nena Queiroga e J. Michiles”, explica Menezes.
O Galo vai para a rua em 2018 com três mil pessoas no apoio. Três mil policiais cuidam da segurança. A animação fica por conta dos 30 trios, que percorrem o roteiro do clube com tempo cronometrado. O Galo fica nas ruas da cidade das 9h às 18h30.
HISTÓRIA
O Clube de Máscaras Galo da Madrugada mudou o Carnaval do Recife. Em seu terceiro ano, 1980, o prefeito Gustavo Krause decretou que a folia da capital não teria mais cordões nem passarelas, e que a abertura oficial da festa aconteceria no Sábado de Zé Pereira com o desfile do Galo. O clube (que é sempre chamado de bloco) começou despretensiosamente, em janeiro de 1978. Os fundadores, em sua maioria, pertenciam à família Freire: Enéas, Mauro, Antônio Carlos, Rômulo, e Rogério Costa, Cláudio Menezes, Mauro Scanoni.
O objetivo do clube era reviver os carnavais do passado “com uma boa orquestra de frevo, palhaços, almas, morcegos, confete e serpentina”, esclarecia Enéas. Galo da Madrugada porque sairia realmente na madrugada do sábado. A concentração aconteceu na Rua Padre Floriano, no bairro de São José. O desfile cumpriria o seguinte percurso: ruas do Hospício, Imperatriz, Nova, Sete de Setembro, Avenida Guararapes, daí voltando ao ponto de partida. Para animar os foliões, uma orquestra com 12 músicos. Um detalhe: o Clube de Máscaras Galo da Madrugada pretendia ser uma agremiação estritamente masculina. Mas, na saída inaugural, já foi aberta uma exceção para uma ala feminina fantasiada de “nega maluca”.
O encerramento seria ao meio-dia. Nos primórdios, acompanhavam o desfile profissionais liberais, políticos (o prefeito Gustavo Krause estava entre esses), formadores de opinião. Não por acaso, o clube recebia um generoso espaço da imprensa, a quem afagava, reverenciando os principais jornais da cidade. Desde o início, os diretores do Galo mostraram-se profissionais. Já no segundo ano promoveram um concorrido baile carnavalesco, a I Noite dos Estandartes, realizado no Clube Português, em 20 de janeiro. A abertura foi feita com a apresentação dos estandartes das mais importante agremiações do Recife e Olinda.
O clube crescia em progressão geométrica. Se em 1978, desfilou com estimados 70 foliões e uma pequena orquestra, em 1979 já somava cerca de 300 pessoas, que faziam o passo atrás de uma orquestra composta por 30 músicos.
RESGATE
O resgate dos velhos carnavais, como queria Enéas Freire não aconteceu. O Galo na verdade recriou o Carnaval do Recife, que desde o final dos anos 60 tornara-se festa mais se ver do que para se brincar, como a obrigação das agremiação desfilarem na passarela oficial montada pela prefeitura. Por volta de 1974, a Banda de Pau Corda e o Quinteto Violado vieram para as ruas animar o Carnaval (em 1980 seria a vez da Frevioca, com Claudionor Germano e a Orquestra de Ademir Araújo).
Quando o Galo começou a sair dividia a folia com o Nóis Sofre Mias Nóis Goza, bloco de artistas e intelectuais, que saía da livraria Livro 7, e com o Porto em Folia, formado por portuários. Em 1980, o roteiro do clube já passava pelo triplo das ruas e o desfile acabava no final da tarde. A II Noite dos Estandartes foi um sucesso com todas as mesas e camarotes vendidos e 28 agremiações garantindo participação na festa, que também tentava emular os antigos bailes carnavalescos, com muita serpentina, ventarolas, jetones, e confetes (uma tonelada e meia deste último). Duas orquestras tocavam frevos.
Em 1984, tantos acompanhavam o clube que as orquestras de frevo foram obrigadas a tocar em cima de caminhões. No ano seguinte o “bloco” teve que se valer da funcionalidade do Carnaval baiano, e passou para os caminhões de trio elétricos, com amplificadores. Em 1991, o Galo chegou ao estágio “de maior do mundo”, já arrastava propalado 1 milhão de foliões, com duas orquestras de frevo, e oito trios elétricos.
Em 1996, o Galo gigante passou a ser montado na ponte Duarte Coelho (um rei e uma rainha de maracatu também gigantes montada em plataformas no Capibaribe). No sábado de Zé Pereira não dá outra coisa: “Ei pessoal, vem moçada/ Carnaval começa no Galo da Madrugada”, ecoa o refrão do frevo canção de José Mário Chaves.
RÔMULO MENEZES
Nem tudo são flores para o Galo da Madrugada. Questiona-se o número de foliões que o clube atrai às ruas do Recife, o ano passado teria sido 1,5 milhão: “A quantidade de pessoas é polêmica, não tem uma aferição exata. Mas se alguém pegar um helicóptero sobrevoar a cidade, vai ver que o publico do Galo não fica só no roteiro oficial, espalha-se pela cidade”, rebate Rômulo Menezes.
Ele afirma também que apesar do mar de gente, a violência no desfile é relativamente pequena: “O policiamento fica nos pontos de entrada do bloco, são tomadas diversas precauções como, por exemplo, a proibição de bebidas em garrafas de vidro”, pondera. Outra crítica que o Galo recebe é o da baianização do Carnaval da capital.
Os trios trazem convidados de todas as correntes estéticas da música brasileira e, obviamente, nem sempre tocando ou cantando música pernambucana: “Cada trio tem o direito de trazer um artista que escolher, desde que o convidado se ajuste ao nosso Carnaval. Além dos artistas consagrados, sempre reservamos espaço para os novos valores, posso citar a Banda Perfil. Nas Quintas do Galo, na sede do clube, também, além de nomes como Almir Rouche e André Rio. Nas festas das sextas é livre, vale qualquer estilo, este ano tivemos o Flor de Mandacaru, por exemplo, e uma vez por mês tem show de samba. O próprio Carlinhos Brown quando participou do Galo me disse que aquilo que ele via, sim, era carnaval, diferente da Bahia, onde se brinca dentro de cordas”.
CONCORRÊNCIA
Há uns cinco anos, o recorde em quantidade de foliões do Galo é ameaçado pelos blocos que surgiram no Rio ou São Paulo, vários atingindo a marca de, pelo menos, 1 milhão de pessoas. Rômulo Menezes vê no ressurgimento do Carnaval de rua das duas metrópoles a marca do Galo:
“Sem dúvida foi uma influência nossa. O Carnaval do Rio e São Paulo estavam mortos. Carnaval de rua, fora o Recife, grande mesmo só o da Bahia, que está começando a não usar cordões de isolamento. Então nestas duas cidades começaram a fazer semelhante ao Galo, mas não vejo concorrência nisso”,diz Rômulo. O Galo se garante financeiramente com as festas que promove ao longo do ano, mas poderia arrecadar mais se tivesse controle com produtos que trazem a marca do clube, feito os milhares de apitos do Galo que se vendem na semana pré, quando se monta o Galo gigante na Duarte Coelho (o que acontece desde 1996): “A gente só vende mesmo camisetas, e discos. O deste ano com 14 músicas, 12 inéditas” (J.T.).
