Mamãe eu quero, uma das músicas brasileiras de maior sucesso no exterior, e onipresente há 80 anos nos carnavais brasileiros, foi composta por Jararaca (José Luís Rodrigues Calazans) e Vicente de Paiva. Contam que Jararaca (que teria cedido a parceria) andou oferecendo a música para muita gente, mas ninguém fazia fé naquela marchinha considerada simplória. Foi então que Almirante (Henrique Foréis Domingues), cuja palavra tinha muita força no meio artístico do Rio, convenceu Simon Boutman, da Odeon a gravá-la.
Jararaca insistiu em cantar a marchinha, tentou-se dissuadi-lo da tarefa, mas ele fincou pé e venceu a resistência. Gravou com Almirante, ao piano; Luís Americano no clarinete; José Alves no banjo; Canhoto no cavaquinho; Carlos Lentini e Nei Orestes nos violões e Russo no pandeiro. No coro, Almirante, Cyro Monteiro e Odete Amaral. A música estourou, porém, na voz de Carmem Miranda e ganhou mundo a partir do filme Serenata Tropical (Down Argentine Way, 1940), numa versão em inglês intitulada I Want My Mamma, depois gravada em dezenas de países.
Logicamente rendeu muito dinheiro aos autores: “Jararaca encheu-se de dólares como parte de seus direitos autorais sobre a marchinha Mamãe Eu Quero, que obteve muita aceitação nos Estados Unidos, conseguindo primorosas orquestrações. Ruddy Valee, com o seu arranjo I Want My Mamma, valorizou grandemente a feliz composição carnavalesca” (revista O Cruzeiro, 1940).
Nos livros de história da música brasileira, afirma-se que Jararaca e Vicente Paiva fizeram a música em 1936. Curiosamente, no Carnaval do Recife, dos anos 20, os blocos cantavam um frevo-canção chamado Mamãe Eu Quero. Em fevereiro de 1923, este frevo é citado numa notinha, no jornal A Província, sobre a Troça Aguenta Felipe: “Sob a presidência do major Xico Francoso reuniu-se em sessão esta valorosa troça carnavalesca. Lido o expediente, pediu a palavra o prestigioso secretário Braz Felipe, lendo os versinhos abaixo para serem transcrito na ata: devem ser cantados com a música Mamãe, Eu Quero Mamar”.
SUCESSO
Era muito comum na época se cantar músicas de sucesso com outra letra, e esta Mamãe, Eu Quero Mamar devia ser um grande sucesso no Recife, tanto que outros blocos a incluíam em seus repertórios. “Bloco Pirilampos – este simpático bloco fará um ensaio amanhã, em sua sede, à rua da Vitória, 663, em Tejipió, sendo executada as seguintes marchas: Proezas do Rubem, Lindalva, Mamãe Eu quero, A Crise, Bem-Te-Vi Voou ...”, diz a nota publicada na seção carnavalesca do Jornal Pequeno, em 23 de janeiro de 1924. “Mamãe eu quero mamar” tornou-se uma expressão popular e, em 1929, seria fundado um bloco com este nome.
Na mesma seção carnavalesca, em 1931, no final de um poema jocoso sobre a Troça Mixta Usineiros em Folia, lê-se versos que ratificam que a música continuava cantada quase uma década depois: “Você Inácio acabou/de a todos fantasiar/caia na frevo também/de Mamãe Eu Quero Mamar”. Nos anos 20, Mamãe Eu Quero estava sempre presente no repertório dos Pirilampos de Tejipió, de cuja orquestra fazia parte o mesmo José Calazans, que ficou conhecido como Jararaca.
Ele participou de muitos grupos e blocos na cidade. Fez dupla com Severino Rangel de Carvalho, o Ratinho, músico paraibano que conheceu no Recife. Os dois, depois, integrariam Os Boêmios (conjunto que abriu, em 1922, para Os Oito Batutas, grupo de Pixinguinha que fez temporada no Recife com apresentações no Cinema Moderno).
Em seguida, Jararaca participou dos Turunas Pernambucanos: “Os Batutas Pernambucanos, grupo musical dirigido pelo conhecido artista José Calazans, percorreu a cidade executando interessantes canções sertanejas”, publicou o Jornal Pequeno em 2 de março de 1922. Calazans, ou Jararaca, levaria essas canções sertanejas ao Rio de Janeiro, quando para lá se mudou no final da década.
Uma das mais cantadas foi a embolada Espingarda Pá, editada no Recife com partituras vendidas nas lojas de música da cidade: “Recebemos um exemplar e Espingarda, embolada sertaneja de autoria do apreciado artista José Calazans e largamente conhecida entre nós”, anunciava, em 1922, a Casa Ribas, que se localizava na Rua da Imperatriz. Pode ser que a Mamãe Eu Quero carioca não seja a mesma recifense. Mas seria muita coincidência, não apenas por Jararaca ter participado da cena musical da cidade na década de 20, mas também pelas quadrinhas que formam os versos, artifício que ainda era empregado no Recife nos anos 80