O compositor Vicente Barreto, levantou-se cedo, pegou o violão, deu um acorde de si e a melodia começou a ser criada. O filho pequeno, ao lado, tocava um violãozinho de plástico, enquanto Barreto desenvolvia a música, esforçando-se para decorá-la. Dois dias depois, Alceu Valença está em São Paulo, liga para ele e pergunta se tem alguma coisa pronta. Vicente Barreto disse que não, a não ser uns esboços de melodias.
Alceu sugeriu que ele fosse ao hotel. Lá, Barreto mostrou uma dos esboços. Alceu gostou e pediu para botar letra. Então foi saindo “Da manga rosa, quero o gosto e o sumo/melão maduro, sapoti, joá”. As duas últimas frutas foram sugestões de Vicente Barreto: “Sei que cheguei às dez da manhã ao hotel, e à meia-noite tínhamos terminado a música falando das frutas e da sensualidade delas, conclui Barreto”.
A história de Morena Tropicana, um dos maiores sucessos da carreira de Alceu Valença, é contada pelo escritor goiano Ruy Godinho, no quarto volume da série Então, Foi Assim – Os Bastidores da Criação Musical Brasileira (Abravídeo). O livro será lançado, quinta-feira, 22, às 19h, na Passa Disco. O primeiro livro da série foi lançado dez anos atrás, o projeto no geral é fruto de vinte anos de pesquisa.
“Eu era produtor de um programa de rádio chamado Estação Brasil, na Rádio Cultura de Brasília. Eu e minha parceira, Adriane Lorezon, precisávamos criar quadros para preencher as duas horas do programa. Um dos quadros chamava-se a Origem da Música, em que a gente entrevistava um compositor, pra saber como tinham se originado determinadas canções. Percebi que teria em dez anos um acervo interessante de história de composições”, conta Ruy Godinho.
Em 1993, quando decidiu publicar o primeiro livro com as histórias armazenadas, a parceira estava sem tempo, ocupada com um mestrado, e o incentivou a tocar o projeto sem ela. Godinho estava com o volume praticamente finalizado, mas ainda não tinha encontrado um título que o satisfizesse:
“Imaginei um Desvendando Histórias da Música Brasileira, entre outros. Os amigos que iam me visitar e liam as histórias, uma ou outra, diziam: então foi assim? Ou foi assim? Se repetiu tanto, que achei que seria um nome interessante para o livro, bem curtinho, com uma grande interrogação, chamaria atenção pra capa”.
“Aí eu fui lendo o poema com o violão na mão e em quinze minutos a música estava pronta. Ela já existia basicamente. E o resto, ao cantar, cantar, cantar, ela foi tomando uma forma definitiva”. Quem diz isso é Jards Macalé. A música é Vapor Barato, a canção mais emblemática dos anos do sufoco, parceria com Waly Salomão, que fez a letra pouco depois de ter saído da penitenciária do Carandiru. Foi preso em São Paulo por estar com uma bagana de maconha no bolso.
“Um dia ele chegou lá em casa com essa letra. Vapor Barato tinha dois sentidos: o vapor do navio, e o vapor que é o cara que vende drogas (...), tinha estes dois sentidos. Vapor Barato assim como Movimento dos Barcos foram músicas de partida, de tentativa de sair de uma situação extremamente desagradável”, completa a história Jards Macalé.
MÉTODO
Nos primeiros livros o critério para escolher a música e o autor era serem ambos conhecidos. Nem todo artistas se dispunha a ir ao programa que Godinho apresentava, nem tampouco o recebiam nos hotéis quando ele solicitava entrevistas:
“Hoje em dia, com o trabalho consolidado, tenho mais facilidade de acessar um artista de renome. Quando o artista vem a Brasília, que vai passar um tempinho, eu vou atrás. Quando são artistas de renome, chega numa tarde, faz show e vai embora cedo. Faço muitas viagens para lançamento de livro, e aproveito para fazer entrevistas. Desta vez pretendo entrevistar Paulo Diniz e Nando Cordel, já estive no Recife numa ocasião e não consegui entrevistar Paulo Diniz. Fiz entrevistas com o pessoal do choro, com Lula Queiroga, mas não consegui com ele”. Neste quarto volume, parte das histórias são de canções importantes, porém pouco conhecidas, a exemplo de Baião de Quatro Toques, de Zé Miguel Wisnik e Luiz Tatit, ou Natureza, de Xangai e Ivanildo Vilanova:
“No programa de rádio a música podia ser desconhecida, o músico conta a história dela, vai tocá-la, e ele sabe qual é. No livro, adotei como critério de seleção as músicas mais conhecidas. Por exmeplo, na época de Toada, do Boca Livre, ela tocou primeiro no Rio, depois em são Paulo e depois no país inteiro. Hoje em dia, pela segmentação, não acontece mais isso. Nem as novelas da Globo conseguem fazer as músicas acontecerem nacionalmente. Tem algumas músicas que não são tão conhecidas do público nacionalmente, mas vale a pena contar a história. Os leitores vão conhecer no Youtube.
Então, temos aqui Fillipe Catto, um grande compositor, um grande performer gaúcho, que precisa ser conhecido por mais pessoas. Baião de Quatro Toques não é conhecida nacionalmente, mas é uma obra prima, do José Miguel Wisnik e Luiz Tatit, assim como Mazzaroppi, uma música emocionante composta por Jean e Paulo Gafunkel, uma homenagem a Mazzaroppi. Flexibilizei o critério de entrada de músicas, pela facilidade da tecnologia, você abre o Youtube, na mesma hora, e conhece a música”, explica Ruy Godinho.
Mas a história não se limita a um verbete em que ele resume o processo de criação da canção. Algumas vão além, analisam a obra do artista, contam sua trajetória e o contextualizam no universo da música popular brasileira.
OUTRA HISTÓRIA
Lenine ia para a casa de Dudu Falcão (ambos recifenses e amigos de adolescência). Chegou comentando sobre o afobamento das pessoas em meio ao engarrafamento. O que rotularam de “crise de urgência”. As pessoas pareciam estar sempre em stand by, pronta pra alguma coisa iminente. Desse papo nasceu o sucesso Paciência: “Eu estava com o violão no colo, ele pegou o violão dele e a gente começou a a dedilhar alguma coisa e, daqui a pouco, começaram a sair as primeiras ideias e gente fez essa canção”, conta Dudu Falcão.