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Erasmo Carlos mais reflexivo e menos roqueiro em novo álbum

Tremendão assina parcerias com gerações diferentes da MPB

JOSÉ TELES
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Publicado em 28/05/2018 às 15:11
Foto: divugação
Tremendão assina parcerias com gerações diferentes da MPB - FOTO: Foto: divugação
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Erasmo, de 1968, 5º álbum de Erasmo Carlos, chega às lojas em vinil, pela Deck/Polysom, quase simultaneamente a ... Amor É Isso (Som Livre), o 31º título de sua discografia solo. Ambos foram feitos em situações adversas. Erasmo (o disco) é de quando o Tremendão reatava a parceria com Roberto Carlos, o programa Jovem Guarda saía do ar e o tropicalismo tornava definitivamente datado o ingênuo iê-iê-iê. Amor É Isso foi realizado depois da morte de um filho (de acidente de motocicleta) e um problema de saúde que obrigou o cantor a usar um marca-passo. Mas são trabalho distintos. Erasmo é um álbum de transição, enquanto Amor É Isso é de reflexões.

O álbum Erasmo tem metade do repertório assinado por Roberto e Erasmo (uma faixa apenas por Erasmo), no entanto não emplacou um único sucesso. Foi sua melancólica despedida da década de 60. Uma das faixas, Para o Diabo os Conselhos de Vocês (Carlos Imperial/Nenéo) foi sucesso, no mesmo ano, com Paulo Sérgio, o imitador de Roberto Carlos. O Tremendão ficou sentado à beira do caminho, numa encruzilhada. Só gravaria disco dois anos depois. Com Erasmo Carlos e Os Tremendões (RGE) ele se adaptaria aos novos tempos e se reinventaria. Não por acaso, abre o disco com uma autocrítica, Estou Dez anos Atrasado. O álbum rendeu três hits, assinados por Erasmo/Roberto: Sentado à Beira do Caminho, Coqueiro Verde, Vou Ficar Nu pra Chamar sua Atenção. No ano seguinte, adentraria sua fase contracultural, riponga, com Carlos, Erasmo – 1971, cultuado pela juventude do século 21.

No release de ... Amor É Isso, o autor do texto aponta semelhanças com o Carlos, Erasmo, renegada pelo próprio cantor, que encontra mais dessemelhanças entre eles. O disco de 1971 é pontuado por referências àquele ano. Em Coqueiro Verde, por exemplo, os versos “Pois eu vou me embora/ vou ler o meu Pasquim”, cita um semanário que fazia furor e revolucionava a imprensa na época, leitura obrigatória de quem queria estar por dentro. É também muito diversificado em estilos, com claras influência do recente movimento tropicalista.

Amor É Isso é um disco de baladas, em sua maioria, com ênfase nas letras. Depois da trilogia formada por Rock ‘n’ Roll (2009), Sexo (2011), e Gigante Gentil (2014), Erasmo Carlos fez um disco em que procura se expressar de outra forma. E aí até que se parece com Carlos, Erasmo. As letras das músicas não foram feitas para melodias. Eles a sacou de um livro de poemas, não têm obrigação com a rima, tampouco com a música. Em Convite para Nascer de Novo (com Marisa Monte e Dadi), que abre o disco, a melodia se encaixa no poema longo e confessional: “Houve um tempo em que eu chorava quase todo dia/ dando linha a uma vida/ extremamente chata/com a vontade disponível de não existir/houve um tempo em que eu morava com minha
tristeza/era amigo e confidente das manhãs sem sol/prisioneiro de mim mesmo, sem poder fugir”. A música lembra as baladas de John Lennon de início dos anos 70.

REINVENÇÃO

Com produção e direção musical de Marcos Preto e Pupilo (Nação Zumbi), Erasmo Carlos congrega em torno de si três gerações de criadores da MPB. Na verdade, quatro gerações, contando com Novo Love, versão que escreveu para New Love, composição de Tim Maia (parceria Roger Bruno). New Love foi gravada por Tim Maia em 1973, mas é uma de suas primeiras composições. Foi feita em 1962, quando ele dava os primeiros passos na música e ainda convivia com a turma do Matoso, na Tijuca. Novo Love é uma samba cadenciado, quase uma bossa nova. Por coincidência, Erasmo Carlos gravou Tim Maia pela primeira vez em Erasmo, o disco de 1968, a pouco conhecida Não Quero Nem Saber (que teve poucas regravações).

Embora se cerque de jovens desde a trilogia de rock and roll, com uma banda integrada por músicos com idade para serem seus netos, Erasmo Carlos, como diria o poeta, não quer ser moderno, prefere ser eterno. Amor é Isso é um disco de rock, de levada mais lenta, que não transgride o formato, e tampouco desvia o cantor de sua rota, mesmo quando ele divide uma faixa com o rapper Emicida (Termo e Condições). Ou aproxima-se da seara dos Rolling Stones, em Acareação.

Mesmo sem ousadias, Amor É Assim torna Erasmo muito mais interessante, e vigoroso, do que o amigo de fé, irmão, camarada, que há anos estacionou em um beco sem saída, gravando baladonas à italiana, que nem os italianos fazem mais, e acenando para artistas do segmento popularesco, que nada lhe acrescentam. Erasmo Carlos, feito o canadense Neil Young, sabe que ferrugem é um inimigo que não dorme.

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