Palo Santo, segundo disco do Years & Years, foi descrito por Olly Alexander, vocalista do trio britânico, como uma obra conceitual que explora a sexualidade por uma perspectiva orgulhosamente queer. O trabalho, já disponível nos serviços de streaming, engrossa um movimento de artistas que têm utilizado a música pop para expandir a discussão sobre esses afetos, questionando modelos binários e pautados na heterossexualidade, a exemplo de Janelle Monáe, Hayley Kiyoko, Mnek, Troye Sivan, lá fora, e, aqui, Pabllo Vittar, Rico Dalasam, só para citar alguns.
Se por décadas as sexualidades “desviantes” da heterossexualidade eram abafadas na música pop, em 2018 há uma atmosfera de transformação. Os trabalhos de pioneiros como Elton John, George Michael, Boy George, Sylvester, Petshop Boys, entre outros, foram fundamentais para derrubar portas e abrir armários e essa nova geração da qual faz parte o Years & Years os reverencia e tem como missão intensificar essa luta, conquistando novos espaços.
“Em vários sentidos, este é o melhor momento que já houve para ser um artista gay. Nós não estaríamos onde estamos hoje sem todos os artistas gays que vieram antes de nós e quebraram várias barreiras. Mas as barreiras não acabaram, particularmente para os membros menos privilegiados da comunidade queer”, pontuou Olly Alexander à revista americana Paper.
Ele contou ainda que ao escrever o álbum de estreia do coletivo, Communion (2015), ainda tinha muito receio de usar pronomes masculinos para falar sobre seus romances. Esse receio foi se diluindo com a aceitação do disco, que se tornou um dos mais vendidos daquele ano no Reino Unido, e no clipe de faixas como Desire, o grupo já começava a explorar sem tantas reservas a questão da sexualidade.
Em Palo Santo, a escrita de Alexander fica ainda mais confessional e direta. O álbum conceito é ambientado em um espaço dominado por androides, brilhante, que desejam entender como funcionam as emoções humanas e, assim, precisam se confrontar com as dinâmicas de gênero e sexualidade.
Sanctify, faixa que abre o disco, fala sobre um relacionamento do vocalista com um homem heterossexual em luta com seu próprio desejo. “Você não precisa fingir para mim/ Eu vejo o que está embaixo da sua máscara/ Eu sou um homem como você/ Respiro os rituais da dança do dançarino (...) Santifique meu corpo com o amor que você anseia”, canta.
SEXO E ESPIRITUALIDADE
A questão sexual, no disco, dialoga com a espiritualidade. O nome do álbum faz referência ao pedaço de madeira usado por comunidades indígenas para afastar os maus espíritos. É também uma metáfora para o falo. Na faixa-título, Olly vela a perda de um amante (o disco é marcado tanto pelo êxtase sexual quanto pela dor da separação, fruto de um término recente do cantor).
“Acenda o fósforo e sussurre meu nome (queimando, queimando)/ Fale em línguas e espere até eu quebrar”, suplica de forma quase ritualística.
Up In Flames parece refletir sobre a descoberta da homossexualidade, um processo de florescimento (interno) e tentativa de opressão (interna e externa). “14 anos e está tudo desmoronando/ Você tem que ser forte, garoto/ Você tem que ser durão/ Você não sabe que é um homem”, entoa.
A cerimônia de libertação e crescimento do Years & Years não ignora os demônios pessoais (eles são referenciados a todo o momento). Ao invés, os encara e os expurga na pista de dança. As metáforas, agora, não são mais para ocultar e sim para reafirmar, sem vergonha, a própria identidade.