15 anos

Entrevista: Os Tribalistas estão chegando a Olinda

Em entrevista ao repórter Bruno Albertim, Marisa Monte, Carlinhos Brown e Arnaldo Antunes falam porque demoraram 15 anos entre um disco e outro, sobre o show desta sexta, em Olinda, e sinalizam: um terceiro disco do trio pode, sim, acontecer

Bruno Albertim
Cadastrado por
Bruno Albertim
Publicado em 09/08/2018 às 0:25
Daniel Mattar / Tribalistas / Divulgação
Em entrevista ao repórter Bruno Albertim, Marisa Monte, Carlinhos Brown e Arnaldo Antunes falam porque demoraram 15 anos entre um disco e outro, sobre o show desta sexta, em Olinda, e sinalizam: um terceiro disco do trio pode, sim, acontecer - FOTO: Daniel Mattar / Tribalistas / Divulgação
Leitura:

Foram quinze anos de espera. Depois do sucesso estrondoso (cinco milhões de discos vendidos no mundo, com uma das música mais executada do globo em 2004, e a mais executada no Brasil em toda década de 2000: Velha Infância), sem alarde ou aviso prévio, Carlinhos Brown, Arnaldo Antunes e Marisa Monte informavam, de repente, na internet: acabavam de gravar Tribalistas 2. Antes do show de amanhã, no Centro de Convenções, o trio conversou com o repórter Bruno Albertim. E, embora não tenha nada programado, dá pistas: um terceiro álbum dos Tribalistas pode vir por aí.

JORNAL DO COMMERCIO – São 15 anos entre um disco e outro, vocês não anunciaram nada e surgiram com o disco. Quando perceberam que seria inevitável a realização do tribalistas 2?

MARISA MONTE – Quando a gente formou um corpo de canções grande, 15 músicas inéditas, com a nossa cara, juntos, vimos que tínhamos que fazer o disco. A gente adora trabalhar juntos, as criações têm vida própria e acabaram nos impondo a ocasião.

ARNALDO ANTUNES - Foi parecido com a história do primeiro disco, as canções surgiram e impuseram a necessidade do disco, a gente não parou de compor juntos esse tempo todo, eu e Marisa, eu e Carlinhos Brown, mas, de certa forma, teve um grupo de canções muito coesas, que pediam para serem gravadas por nós. O repertório criou a necessidade do registro conjunto.

CARLINHOS BROWN – Nosso primeiro álbum nasceu da despretensão, tínhamos um desejo de que viesse a acontecer. A gente resolveu registrar aquelas músicas e não esperava de jeito nenhum que aquilo ganhasse aquela proporção, com mais de cinco milhões de discos no mundo inteiro, com uma das músicas mais tocadaS no mundo inteiro, em 2004, com a explosão da internet. Até nos amedrontou, nos fez trabalhar muito nesses 15 anos. Foi uma nova banda acidental, experimental.

JC – Mas vocês combinaram previamente de se encontrar para compor na Bahia...

MARISA MONTE – Nós moramos em três cidades diferentes, mas adoramos nos encontrar, e quando nos encontramos acabamos por fazer música. Combinamos na Bahia porque haveria um lugar pra gente ficar mais à disposição um do outro, umas férias. Eu fui fazer show na Bahia, tirei uns dias depois. Brown tava lá e Arnaldo foi nos encontrar. A Bahia sempre convida muito. Fomos com a família, e as canções surgiram.

ARNALDO – O melhor da gente é que as coisas não são muito planejadas, a gente deixa que aconteçam e o grande trunfo desse trabalho é justamente a espontaneidade de não ser uma coisa planejada como carreira.

BROWN – Nos juntamos para passar férias. Passávamos, às vezes, dois dias no máximo. Marisa disse que não queria trabalhar no fim do ano, Arnaldo estava com shows pelo Nordeste. Fomos para casa, na Costa do Sauípe, com nossas famílias, e passou a acontecer tudo de novo.

JC – Uma das letras desse novo disco diz “somos todos eles da ralé da realeza, somos um só / somos um só, um só / 123, somos muitos, quando juntos / somos um só, um só”? claro que ali, no disco, estão Marisa, Carlinhos e Arnaldo, mas também não apenas, como se, juntos, vocês formassem uma quarta entidade. Vocês têm essa consciência?

MARISA – Uma vez, perguntaram qual seria a posição de cada um se fôssemos um time de futebol, e nós dissemos que seríamos um jogador de três pernas. Há uma estética tribalista, resultado da nossa afinidade, com a preservação da natureza de cada um de nós, o jeito de cada um estar no palco, uma atenção própria.

ARNALDO – A gente é muito diferente, e celebra essa diferença, não é a banda de uma cidade só, de um grupo, de homens ou mulheres, a gente consagra isso, essa união e essa riqueza é que fazem as coisas serem diferentes, mas complementares. A gente não ter um único discurso específico. Essas diferenças são importantes criativamente pra gente.

BROWN – Formamos um terceiro, um quarto olho. Eu me arrepio o tempo todo. Claro que os Tribalistas trazem uma música de cura, porque a música já é sagrada, é um tema de todos, sem religião, mas cheio de espiritualidade, do exercício sagrado do dia, de todos. Nos três shows que fizemos até agora, instalamos uma presença. Quando todos cantam somos um só, é muito mais forte. Somos um motorzinho propulsor de toda aquela emoção.

JC – Nesse segundo disco, há canções sobre diáspora, trabalho, ocupação de estudantes em escolas...parece que esse segundo álbum se deixou afetar mais pela realidade ao redor, sim?

MARISA – A gente não sabe sobre isso, essas fronteiras entre a gente, muito misturadas, assuntos que a gente conversa. Lógico, entre o primeiro e o segundo discos há uma diferença do mundo e de como vemos o mundo. O momento que vivemos é muito diferente, não é Arnaldo?

BROWN - Os temas nos escolheram. De um certo modo, isso é o inconsciente coletivo que acaba refletindo nos temas. Trabalivre, Diáspora trazem essa memória de que retirantes somos todos nós. Desde o Mar Vermelho que Moisés separou, somos todos retirantes, que não temos casa, de que o mundo é esse, a casa é essa, e que podemos dividir melhor, que não seja puramente virtual. Cada um da sua maneira, dando o que pode ou tem para dar. Os temas do encontro tribalista é uma lembrança de que somos assim e quando cantamos nos vai muitas dores que sustentam o mundo. A visão de hoje, pela grande força que a comunicação ganhou, que excita o encontro. Estamos muito no desejo de coletivizar, de construir juntos. Costumo dizer que não quero solo, quero colo. A bagagem é sempre mais acolhida, dividimos melhor as ansiedades.

VELHA INFÂNCIA

JC – Marisa, você acaba de completar 50 anos de idade, e continua a escrever sobre amor com o mesmo frescor juvenil, quase adolescente, de sempre. o metabolismo criativo muda com a maturidade?

MARISA – Eu acho que o amor de que eu falo é um amor universal, questões mais profundas, existenciais, o amor do ser humano, não amor dual, não tenho falado ultimamente sobre um amor específico, infantil ou de uma separação. Até a natureza canta o amor, os passarinhos cantam o amor.

JC - Poeticamente, há temas preferenciais que ficam mais ou menos reservados para cada um dos três?

ARNALDO – A gente vive do que motiva agente, o amor, o passarinho, falamos de qualquer tema. Às vezes, a maneira como você aborda um tema é mais revolucionária que o tema em si.

JC – Houve muita expectativa de uma turnê de vocês quando do primeiro disco. Por que só resolveram só pegar a estrada juntos agora?

MARISA – A gente sempre quis, mas eu tinha um bebê de dois meses, não tinha a menor condição de pegar a estrada. Depois de lançado, o disco fez um tremendo sucesso (foram mais de três milhões de cópias vendidas, entre o Brasil e a Europa) e dificilmente a gente conseguiria fazer poucos shows, depois, cada um foi cuidar das suas carreiras, mas a oportunidade só surgiu agora.

BROWN – A gente teve um cuidado, e nos amedrontou. Fizemos pequenas apresentações, de duas ou três músicas, poucas vezes, nesses últimos quinze anos. As agendas sempre entupidas, não dava para parar e fazer uma turnê bem feita, e isso resultou em outros encontros e ações que fizeram criar o que nós estamos vivendo agora. Acho que levamos 15 anos construindo esse show, essa química, que é surpreendente e viciante. Essa espontaneidade e despretensão acabou nos trazendo o sucesso do público.

JC – É claro que vocês não são um grupo ou banda do ponto de vista mais formal. Mas a parceria parece não se esgotar. Há a possibilidade de um terceiro disco dos tribalistas?

MARISA – A gente já era parceiro há dez anos quando fez o primeiro, temos 56 composições juntos, o trio, fora as parcerias que temos eu com Arnaldo ou com Brown e entre eles. Esse show dá muito a perspectiva do que somos, nossa coerência juntos. O fato é que vamos continuar fazendo música juntos. Se vai virar um novo disco ou não, não faz muita diferença.

BROWN – Não queríamos gerar expectativas. Era necessário apenas que fosse bom, e bem gravado, essa necessidade dava-se pelo respeito e na vontade de surpreender. Quando veio o disco, logo nos cobraram o show. Juntos temos tantas canções que me parece salutar que talvez tenhamos, sim, um outro disco para fechar uma tríade. Mas tudo tem que ser muito devagarinho, bater bem a massa para assar o bolo.

Últimas notícias