Numa sala bem iluminada e ventilada no terceiro andar do prédio do Movimento Pró-Criança, na Rua Vigário Tenório, no Bairro do Recife, o professor de música Paulo Sérgio Nunes dá continuidade ao seu projeto de vida, já concretizado por meio de muitas conquistas, mas que o faz sonhar mais alto. Depois de ter perpetuado a arte da lutheria no Criança Esperança, entre 2005 e 2015, ele faz questão de enfatizar as adversidades que ainda enfrenta devido ao esquecimento da sua profissão em Pernambuco e mesmo no Brasil.
O luthier, para quem não sabe, é o responsável pelo reparo e construção de instrumentos de corda, como violino, viola, violoncelo, guitarra e outros. Um trabalho minucioso e decisivo para que o som saia nos conformes. Nayara Marta, de apenas 15 anos, já tem essa consciência e, ao ser questionada sobre a principal dificuldade na hora dos reparos, é direta: “Colocar a alma e ajeitar os cavaletes”. “Alma” é uma pecinha de madeira que impede que a madeira seja prejudicada com o atrito das cordas, apoiadas no cavalete. Assim, a aluna de Paulo Sérgio, que começou a estudar violino no Pró-Criança ano passado, pode tocar seu instrumento perfeitamente. Ela e outros adolescentes, a partir dos 15 anos, aprendem com Paulo a arte da lutheria, que requer mais do que uma extrema sensibilidade.
“O luthier trabalha com técnicas como marcenaria, química, geometria, um pouco de física, e ferramentaria – a maioria das ferramentas são os próprios luthiers que fabricam, devido ao difícil acesso”, enfatiza o professor, que, a princípio, desejava ser músico, “É uma forma de você se expressar musicalmente também. Eu queria ser um musicista, mas aí eu já não tinha mais idade pra fazer isso”, conta Paulo, que ingressou no Conservatório Pernambucano de Música em 1987, com 25 anos, onde fazia aulas de contrabaixo.
Além de reparar, o trabalho do luthier também é de construção. À exemplo da primeira rabeca de cana-da índia feita por Paulo Sérgio em meados de 2001, adaptada especialmente para as necessidades do Mestre Salustiano. “A construção é uma coisa que eu tomo para crescimento pessoal meu, não como mercado. O trabalho que saiu assim mesmo foi o de Salu, porque ele me convenceu, é uma figura que me cativou”, lembra o luthier, ressaltando sua opinião sobre a necessidade de restauro no mercado em Pernambuco. A falta de reconhecimento da importância da lutheria, no entanto, faz com que somente a Orquestra Criança Cidadã, além do Pró-Criança, mantenha um profissional do gênero no nosso Estado. “É falta de cultura, um certo economicismo. Você vê que no Paraná, em Curitiba, existe a única escola profissional de lutheria”, afirma se referindo ao Curso Superior de Tecnologia em Luteria, da UFPR.
Com um certo tom de saudosismo, o professor ainda lembra de tempos melhores para a música, quando as escolas tinham a preocupação em oferecer o ensino. Com a Lei nº 11.769, sancionada em 2008, que obriga a atividade na educação básica, pouca coisa mudou. E os poucos núcleos de educação musical que existem, seja em ONGs ou instituições públicas, sofrem com uma carência, que já é quase naturalizada para quem faz cultura no país. “Nós temos uma grande dificuldade com material lá no projeto, com cordas, cavaletes, não tem material. E eu tô cansado de estar pedindo”, lamenta Paulo.
Projeto
Mas a arte continuará sobrevivendo por vias alternativas. Pensando nisso, o professor está em fase de desenvolvimento do projeto O Conserto Para Concertos, que pretende submeter para o Funcultura, junto a um de seus ex-alunos.
“Penso em fazer uma oficina móvel, seria um micro-ônibus com o qual eu chegaria nas escolas e ONGs onde se ensinasse música e restauraria os instrumentos. Pra consertar e difundir a arte da lutheria, né?”, reforça com ares de esperança.