Turnê

Roger Waters na mais polêmica turnê da história do rock

Músico aterrissa em Curitiba na véspera da eleição

JOSÉ TELES
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JOSÉ TELES
Publicado em 11/10/2018 às 13:09
foto; Emerson Santos/Estadão Conteúdo
Músico aterrissa em Curitiba na véspera da eleição - FOTO: foto; Emerson Santos/Estadão Conteúdo
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O músico inglês Roger Waters certamente estava esperando as vaias, misturadas a aplausos, das 45 mil pessoas que se encontravam, terça-feira, na Arena Allianz Parque (SP), no primeiro show no Brasil da turnê Us + Them. Sete cidades verão o concerto no Brasil, a última delas é Porto Alegre, em 30 de outubro. A turnê também provocou reações idênticas nos Estados Unidos, cujo presidente, Donald Trump, foi colocado na berlinda. Trump apareceu durante a canção Pigs, de bigodinho à Hitler, de batom e rímel vermelhos, com trajes femininos, em um porco pairando sobre o palco, usando um capuz de membro da Ku Klux-Klan. A reação contrária foi maior, obviamente, nos estados sulistas. Entrevistado pela CNN, foi perguntado a Roger Waters o que ele diria a um fã contrário ao engajamento do concerto. A resposta: “Vá ver Katy Perry ou assistir aos Kardashian” (referindo-se a um reality show de grande audiência). No show em São Paulo, não mandou ninguém curtir Anitta, ou assistir a The Voice Brasil, mas acirrou o clima de queda de braço ideológica que o País vive, ao incluir o candidato à Presidência do PSL, Jair Bolsonaro, em sua lista de políticos que considera neofascistas.

Pela atual conjuntura mundial, o inglês Roger Waters vai tornar a turnê Us + Them a mais polêmica da história do rock. Uma coisa não se pode dizer contra ele: que esteja faturando em cima do protesto. Nos Estados Unidos, a turnê sofreu um prejuízo de US$ 4 milhões, somente com a retirada do patrocínio do American Express. O mais inquieto e torturado dos fundadores do lendário Pink Floyd, do qual que se tornou líder depois da saída de Syd Barret (em 1968), até 1984, quando partiu para carreira solo, Waters notabilizouse por fazer música muito mais para exorcizar seus próprios demônios, do que para vender disco ou ingressos de show. O que não impediu que o autobiográfico The Wall (1979) tenha se tornado um dos álbuns mais bem-sucedidos da música popular do século 20. A morte do pai, em 1944, durante a II Grande Guerra, foi leit-motiv em sua obra. Não que Roger Waters se ocupasse apenas deste tema. Em Pigs, de 1977, sua preocupação é com a decadência do outrora grandioso império britânico.

“Acho ligeiramente surpreendente descobrir que o pessoal possa ter ouvido minha música por 50 anos sem entender”, ironizou Waters, em agosto, enquanto viajava pelos EUA, em entrevista o site Consequence of Sound (https://consequenceofsound.net). Desde 2004 que Waters passou a usar sua fama e sua música para tentar interferir na cornucópia de problemas do planeta, do ambiental ao político. Contrário ao governo da Inglaterra, mudou-se para Nova Iorque, onde se tornou um opositor a mais, infernizando a já bastante atribulada vida do Presidente Trump. Para o qual The Wall passou a ter tudo a ver com o muro com que Trump ameaça erguer na fronteira com o México, para impedir a entrada de imigrantes.

“Como exemplo, você tem a CNN. Ou seja, é matéria atrás de matéria, isto é ruim. Eu venci. A outra coisa, o caos. O caos é zero. Nós estamos funcionando, uma máquina muito bem azeitada”. O comentário entre parênteses é a introdução da canção Is This the Life We Really Want? (Esta É a Vida que Nós Realmente Queremos?), também título do seu álbum de 2017, base da turnê com que está circulando mundo afora. No disco, os temas vão dos refugiados que procuraram abrigo na Europa à economia, ao racismo e machismo. Aos 75 anos, Roger Waters parece ter superado o trauma da morte do pai. Is This the Life We Really Want? é o seu primeiro álbum de inéditas em 25 anos. Embora a maioria do repertório seja de canções de sua época com o Pink Floyd – no ano em que são lembrados os 50 anos do marco zero do grupo – ele passa por longe da nostalgia na turnê Us + Them. Músicas antigas ganham conotação atualizada.

Quando o slogan “Ele Não” apareceu no telão da Arena Allianz Park, e irromperam apupos dos partidários de Bolsonaro, e aplausos e assovios dos que apoiam Haddad, ele esperou durante quatro minutos, para cantar Brain Damage (Lesão Cerebral), de The Dark Side of the Moon, de 1973, o álbum mais celebrado do Pink Floyd. A canção tem os versos iniciais: “O lunático está sobre o gramado”, ironicamente, o concerto acontecia no estádio do Palmeiras, cujo símbolo é um porco. Em Pigs, que abre com os telões mostrando o presidente Trump em várias situações constrangedoras, viam-se frases feito “Respeite às Mulheres”, ou “Trump é um porco” (em português), torcedores do Palmeiras, menos politizados, consideraram que fosse uma crítica ou provocação ao “verdão”.

Controvérsias à parte, a música, no entanto, acabou vencendo. Em Confortably Numb, a polarização foi esquecida e a plateia cantou em coro o clássico do Pink Floyd (de The Wall). Não se sabe o que o músico inglês espera dos próximos shows no Brasil, um dos espetáculos mais plasticamente deslumbrantes que a tecnologia pode oferecer. A incerteza é pelo viés ideológico, e por acontecerem exatamente nos dias
decisivos da campanha presidencial.

O show volta a ser apresentado sábado, 13, em Brasília; quarta-feira, 17, em Salvador; no domingo, 21, passa por Belo Horizonte. Segue para o Rio, onde toca na quarta-feira, 24. No dia 27, um sábado, Waters colocará à prova até onde vai a fleuma atribuída aos que nascem na Inglaterra. Na véspera do segundo turno, ele aterrissa e se apresenta em Curitiba, onde está preso o ex-presidente Lula, e onde os ânimos certamente estarão exaltados. Sem dúvida, soltará um suspiro de alívio depois do show, que encerra a turnê, na terça 30 de outubro, Porto Alegre.

OUTROS

Donald Trump provocou a volta da música de protesto aos EUA desde que demonstrou que não estava na corrida presidencial apenas para fazer número. Da relativamente novata Adele à veterana Patti Smith, a maioria dos músicos de pop/rock está protestando contra ele. A indie Franz Ferdinand, que toca sábado no festival Mada, em Natal, certamente tocará Demagogue, sua canção anti-Trump: “Ele é um demagogo/ atenção em sua ascensão/ ele é um demagogo/ fatalmente famoso/ ele é um demagogo/ que brinca com meus medos”. O rapper Kanye West é uma das poucas exceções de grandes nomes da música americana que confessadamente apoia Trump. Surpreendentemente, o rapper Eminem, sobre quem pairam acusações de assédio sexual e homofobia, escreveu Campaign Speech, um libelo contra o presidente americano.

CAIXAS
Grupo que faz jus ao esgotado adjetivo “icônico”, o Pink Floyd tem a obra submetida a remasterização, para voltar ao mercado com otimização sonora, e turbinada, com faixas extras. O álbum Meddle volta às lojas sem nenhuma data redonda, nem efeméride afim que possa ser comemorada. O LP original contém sete faixas, uma delas, Echoes ocupava um lado inteiro do vinil (23 minutos). Meddle The High Resolution Remaster, o novo título do álbum, foi estendido a quatro CD, LPs, com uma qualidade impecável.

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