Ho-ba-la-lá, de 1959, lado A de um 78rpm que traz Desafinado na outra face, é uma das poucas canções assinadas por João Gilberto. Estranhamente, foi esta música que deixou o alemão Marc Fischer fissurado pelo cantor, de tal forma, que veio ao Brasil no intuito de conhecê-lo e, se possível, que fazer com que toque Ho-ba-la-lá para ele. Já perto do fim de sua tentativa frustrada de conhecer pessoalmente o papa da Bossa Nova, o celular de Fischer toca, e alguém, cuja voz soa muito parecida com a de João, canta-lhe a música. Desliga, antes que o alemão se certifique de quem é a voz. tefria sido João Gilberto, ou um seu imitador, um tal Anselmo, que consegue emular o baiano até nos trejeitos que faz ao cantar?
Marc Fischer descobre que o amor, o sorriso e a flor tem também seu lado sombrio. É advertido por pessoas que conviveram durante algum tempo com o cantor, entre estas a cantora Joyce Moreno, o compositor Carlos Lyra, e o compositor e produtor Roberto Menescal, que compara João a um vampiro, que transforma as pessoas. Quem entra em contato com o papa da Bossa Nova nunca mais será o mesmo. Ho-ba-la-lá - à procura de João Gilberto, Marc Fischer (Companhia das Letras, 184 páginas, R$ 34) é um dos melhores livros escritos sobre a BN ou João Gilberto, e o mais estranho. A narrativa transcorre em clima noir. Tem lances mirabolantes, como uma festa a vampiresca na Zona Sul carioca, ou o encontro com atores do filme Créspuculo, no hotel Copacabana Palace.
Para se aproximar de João Gilberto, Marc Fischer entrevista pessoas que convivem, ou conviveram com ele. Não fica de fora nem Garrincha, que preparava o filé mignon da forma como o cantor gostava, e que entregou por város em seu apartamento. Chega à duas das mulheres de João, a cantora Miúcha, e a jornalista Cláudia Faissol, mãe de uma menina de sete anos, cujo pai é o cantor, hoje com 80 anos. Fala com bossa-novistas, e vai até Diamantina (MG), onde João Gilberto viveu alguns meses, na casa de uma irmã. Reza a lenda que ele voltou para o Rio com uma batida no violão que inventou no interior mineiro.
Azulejos de um marrom-claro. Pia azul-clara. Porta-toalhas azul-claro. O espelho é engraçado, as luminárias também, em forma de flor. Vaso azul-claro. À esquerda, janela basculante. À direita, boxe com porta de correr”. O célebre banheiro é um banheiro comum, conclui Fischer: “Ali ele ficava sentado. Por horas e horas. Dias e dias. Semanas e semanas. Até encontrar o que procurava. Finalmente eu também encontrei alguma coisa”. O banheiro é muito pequeno, João Gilberto só podia ficar sentado no vaso tocando violão: “A Bossa Nova foi inventada na privada!”, conclui.
Aos poucos, no entanto, a música do amor, do sorriso e da flor vai ganhando outros contornos. Seria João Gilberto um vampiro? É o que lhe faz crer conversar com o compositor e produtor, bossa-novista de primeira hora, Roberto Menescal e a cantora Joyce Moreno. Ninguém que entra em contato com João Gilberto permanece incólume, nem o mesmo. Não se sabe até onde mudou o alemão Marc Fischer na sua procura pelo inventor da Bossa Nova. Nem vai se saber. Fischer, 40 anos, suicidou-se na Alemanha, pouco antes da publicação deste livro.