Caetano Veloso começou a penetrar o fechado mercado americano em 1986, com do álbum que tem seu nome por título, lançado pela Nonesuch nos EUA (saiu no Brasil em 1990). A elasticidade de gostos, ritmos e idiomas permitida com o advento do rótulo “world music” abriu mercados e cabeças para artistas ídolos há anos em seus países e ignorados na Europa e Estados Unidos. Bem mais neste último.
Em 2004, o baiano já detinha um prestígio suficiente para comandar uma semana de shows, num projeto chamado Perspectives, na sala Isaac Stern Auditorium, no Carnegie Hall. O ex-Talking Heads David Byrne foi o convidado de Caetano Veloso em um dos dias. A apresentação, acontecida em 17 de abril daquele ano, foi gravada para um programa na rádio NPR e agora chega ao disco pela mesma Nonesuch, lá fora, e Warner Music aqui. Caetano Veloso and David Byrne: Live at Carnegie Hall, com participações de Jaques Morelenbaum (cello), e Mauro Refosco (percussão). “Quando me convidaram para curadoria do projeto Perspective no Carnegie Hall o primeiro americano que estava certo que convidaria foi David Byrne. Conheci David nos anos 80. Ele me impressionou pelo conhecimento que tinha do que estava tocando no rádio no Brasil. Desde a primeira conversa entendi que David era o primeiro músico de rock que apreendia realmente a essência da música brasileira... quando dividi o palco com ele não me sentia nervoso, mas muito tímido...” conta Caetano Veloso em material de divulgação da Nonesuch.
David Byrne, por sua vez, não ficou menos intimidado em cantar com o baiano: “Sou fã de Caetano desde o final dos anos 80, quando eu me precipitei de cabeça no buraco à Alice no país das maravilhas da música brasileira. Se há um músico que pudesse me servir de guia para o possível - destes músicos que conseguem manter a criatividade ao longo da carreira, Caetano estava entre estes poucos”. Byrne confessa que estava bastante nervoso naquele show em 2004.
As seis primeira faixas do álbum, podem levar um incauto, brasileiro, a descartar o álbum pelas obviedades das canções e da interpretação. No melhor estilo pupilo aplicado de João Gilberto ele canta Desde que o samba é samba, Você é linda, Sampa, O leãozinho, Coração vagabundo e, não tão óbvia, Manhatã. Em tratamento acústico. De certa forma teria razão, se para a audição por aí. A partir da sétima faixa, Revolution, a dupla Veloso & Byrne desdobra-se em canções assinadas pelos dois ou, a exemplo de And she was, também por Jerry Harrison, Chris Frantz & Tina Weymout companheiros de Byrne no Talking Heads.
Os dois mundos musicais convergem harmoniosamente como quando Você é linda encontra Nothing (but flowers), também pinçada do repertório da Talking Heads, ou o dueto em Ilê Aiyê. A performance, como ressaltou David Byrne, tem algumas falhas, afinal os dois devem ter ensaiado pouco, mas a admiração mútua faz com que o prazer da parceria seja compartilhado por quem não esteve no Carnegie Hall oito anos atrás, que deveria estar repleta de brasileiros, pelo ímpeto dos aplausos. Não se espere muitos duetos de Veloso e Byrne. Os dois terçam vozes em apenas três músicas, enquanto Caetano Veloso reforça o vocal de Byrne na faixa heaven. Com seus inevitáveis pecadilhos, Live at Carnegie Hall é um registro precioso de dois dos mais instigantes criadores de música popular em atividade.