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Tributo a Nina Simone, a Sacerdotisa do Soul

Coletânea de três discos, e um DVD, numa seleção quase perfeita

JOSÉ TELES
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JOSÉ TELES
Publicado em 19/06/2013 às 9:32
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Nina Simone (1933 - 2003) não foi tão aclamada em vida quanto Sarah Vaughan ou Ella Fitzgerald, certamente porque não se limitou ao papel de entertainer. Engajou-se em vários fronts, pelos direitos civis, contra guerras, e injustiças em geral. Fazia do palco também uma trincheira. Mas seu ofício foi, antes de tudo, a música. To be free: the Nina Simone story (Sony Music), caixa com três CDs e um DVD é a mais abrangente panorâmica compilação da obra de Eunice Kathleen Waymon, nascida há 80 anos no estado da Carolina do Sul.

É uma das grandes vozes americanas do século passado, dominando as mais diversas linguagens - do jazz, ao folk, do soul ao blues. A "Sacerdotisa do Soul" incomodava, e deixou os Estados Unidos em 1970. Morou alguns anos em Barbados, em seguida passou a viver na França, onde era bastante prestigiada. Seus últimos 10 anos foram de quase reclusão. Ela faleceu em 2003, de câncer, em Carry-le-Rouet, na Riviera Francesa.

A trinca de CDs é dividia por época. O primeiro vai e 1958 a 1968, o segundo inclui 1968 e 1969, o último de 1969 ao final da carreira, em 1993. Os fonogramas trazem registro da primeira gravação, feita em 1957 (Mood indigo, de Duke Ellington) e lançada no ano seguinte, fruto de uma sessão ininterrupta de 13 horas de estúdio. Nesta fase, ela mostra influências de Billie Holiday em I loves you Porgy, um sucesso menor, que a tornou relativamente conhecida. Ela teria o segundo sucesso nas paradas de rhythm & blues com Nobody knows you when youre down and out, clássico originalmente lançado por Bessie Smith.

A obra de Nina Simone é marcada pelo ecletismo, pela imensa variedade de canções que gravou, quase sempre imprimindolhes uma interpretação que fazia com que a música fosse identificada com ela. Uma destas canções é I put a spell on you, de Screamin Jay Hawkins, que a interpreta de forma quase cômica, bem de acordo com o personagem de filme de horror B que levava para o palco. Nina Simone canta com suavidade, contida, convertendo-a num dos clássicos do seu repertório.

Mas adiante, acontece o contrário. Dont let me be misunderstood foi composta por Bennie Benjamin, Gloria Caldwell e Sol Marcus para Nina. A intenção era chegar às paradas pop. Não chegou, pelo menos com ela. Quem emplacou a música no mundo inteiro foi o grupo inglês The Animals. Em compensação, nas mesmas sessões de I put a spell on you (em janeiro de 1965), ela deixaria sua marca em mais uma composição alheia, Ne me quite pas, do belga Jacques Brell, que a gravou em 1959.

Outra faixa que se destaca no CD1 é My mans gone now, pinçada de ópera Porgy and Bess, de Gershwin (com letra de DuBose Heyward). A canção tornou-se um standard do jazz, está no repertório de nomes como Ella Fitzgerald e Shirley Horn. Uma das melhores interpretações é a de Nina Simone. Aliás, uma das melhores interpretações dela.

Dylan, Cohen e pop no repertório

O segundo disco do box inclui 17 canções gravadas em 1968-69, ano politicamente conturbado para o mundo em geral, e para os EUA em particular. A onda de liberalismo surgida no começo da década esvaíase. Em 1968, foram assassinados Robert Kennedy e Martin Luther King. Uma canção emblemática das lutas sociais da época, e do envolvimento de Nina Simone, é Mississippi Goddam (aqui numa versão ao vivo inédita).

A composição é de Nina (que a escreveu em 1962). Esta versão foi cantada poucos dias depois do assassinato de Luther King. A interpretação denota o estado de espírito abalado da cantora. Em um momento, ela exorta a plateia a lutar com ela. Pede que não fiquem sentados vendo as coisas acontecerem, e exclama: "O Rei(King, Martin Luther), do amor está morto".

Neste disco ela canta clássicos como Bob Dylan (Just like Tom Thumbs blues, The times they are achanging) e Leonard Cohen (Suzanne), mas também os Bee Gees de In the morning (gravaria mais outras três composições dos irmãos Gibb). Curioso é que esta é uma das primeiras canções do grupo, gravada ainda na Austrália. Foi apresentada a Nina Simone por Eric Burdon, o vocalista do The Animals.

É um CD em que ela escancara sua abertura para qualquer estilo musical. Aint got no - I got life é do musical Hair, e foi um dos maiores sucessos de Nina Simone na Inglaterra. Enquanto Do what you gotta do foi lançada originalmente por Johnny Rivers (em 1967), um cantor que se notabilizou por fazer sucesso com músicas bem-sucedidas de outros cantores.

Críticos e admiradores respeitavam de talforma o talento de Nina Simone, que não estranhavam quando ela incorporava o repertório pop aparentemente banal. Em 1969, ela lançou o álbum To love somebody,] batizado com o nome de um dos primeiros grandes hits os Bee Gees. O disco trazia duas versões de Revolution, canção assinada por Nina em parceria com Weldon Irvine. Coincidentemente, a sua Revolution foi gravada na mesma época que a canção homônima dos Beatles. A versão do CD2 é ao vivo, a última canção que ela cantou em publico em 1969, num concerto na Alemanha.

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