Rock

Alice Cooper influenciando o incipiente rock nacional em 1974

e as gravadoras resolveram investir nas bandas locais

JOSÉ TELES
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JOSÉ TELES
Publicado em 20/07/2014 às 6:00
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Em 1974, o show business brasileiro ainda engatinhava. O modelo ainda era basicamente o da época de ouro do rádio para a maioria. Amparado em sucessos radiofônicos o artista ia para onde lhe contratavam. Um grupo seleto, boa parte oriunda dos festivais dos anos 1960, eram produzidos para temporadas em teatros que, na maioria das vez, circulavam apenas no Rio e São Paulo. Naquele ano, os empresários de shows descobririam o quanto se encontravam defasado do que se fazia no exterior. No auge do sucesso, o roqueiro americano Alice Cooper aterrissou no Brasil com uma equipe de cinco músicos, mais 25 pessoas, entre roadies, iluminadores técnicos de som, e oito toneladas de equipamento. Na época, apenas um empresário poderia encarar empreitada tão onerosa, o polonês naturalizado argentino Marcos Lázaro, o maior do País, que trabalhava com Roberto Carlos, Chico Buarque, Elis Regina, Jorge Ben, Jair Rodrigues, enfim, os mais importantes artistas da MPB.

Os empresários de Alice Cooper achavam que a vinda do superstar do rock americano abria um precedente para o País se tornar o novo grande mercado do show business mundial, acenando para shows dos Rolling Stones, Elton John ou The Who, o que só começaria para valer dez anos mais tarde, depois das primeira edição do Rock in Rio. O que a vinda de Alice Cooper influenciou foi o rock nacional, para as gravadoras ainda um produto difícil de manusear. Houve um estouro colossal dos Secos & Molhados no ano anterior, o que incentivou a que se contratassem grupos de rock. Porém, o segundo disco do S&M foi um fracasso de vendas, apontando para um fenômeno isolado. Confirmado pela dissolução do grupo logo em seguida.

Mas 1974 ficou marcado como o ano em que o rock brasileiro alcançou a maioridade, com as gravadoras investindo em bandas das principais capitais do País. O produtor Carlos Alberto Sion estava com 23 anos quando Alice Cooper veio ao Brasil, e ele foi apontado como o principal responsável pela vinda: “Alice Cooper foi o primeiro artista pop midiático a vir ao Brasil, foi meio ao acaso, pois eu apresentei um agente americano, que era parceiro meu, ao manager do artista, e ao booking agent para América do Sul, para que fosse possível a vinda deles. Foram shows espetaculares com efeitos especiais, banda de primeira, cobras etc. Shows todos lotadíssimos no Canecão e Maracanãzinho, no Rio, e em São Paulo no Anhembi, que geraram matérias enormes em todas as revistas e jornais da época. Foi um marco, todos eles produzidos no Brasil pelo empresário já falecido Marcos Lázaro. Fãs foram ao delírio, assim como os jornalistas da época, que viram pela primeira vez shows de verdade com luz e som de primeira. Após a passagem da banda e Alice, alguns dos integrantes da área técnica ficaram no Brasil e trabalharam com artistas como Rita Lee, entre outros. A partir destes shows animou o mercado de gravar e promover artistas do Brasil que tivessem uma pegada pop/elétrica.” comenta Sion.

Ele próprio, produziu os primeiros discos de duas bandas desta época, O Terço e A Bolha. A Continental foi uma das gravadoras que mais investiram no rock nacional quando este alcançava a maioridade, influenciados pelo rock inglês e americano. Em São Paulo, no bairro da Pompeia tinha a cena mais fértil do País. Começando pelos Mutantes, Tutti Frutti, que depois seria a banda de Rita Lee, e Made in Brazil, além de integrantes e bandas como Casa das Máquinas e Som Nosso de Cada Dia. O paulista Toni Babalu, morador da Pompeia e guitarrista do Made in Brazil há 40 anos, nem sabe bem porque não viu o show de Alice Cooper no Anhembi. Tampouco explica a razão de tantos roqueiros no mesmo bairro: “Tem até uns estudos sobre isso e estão fazendo um documentário. Sei que na época todo mundo começou a fazer rock, um ia no ensaio do outro, rolava uma amizade. Mas o rock era ainda um produto novo, as gravadoras não sabiam como vender aquilo. Então o Made in Brazil era mais cult, vendia bem, mas nunca conseguiu um grande sucesso”, diz o guitarrista, que acaba de lançar o primeiro disco solo, Live sessions at Mosh. O estúdio Mosh, por sinal, é de mais um músico da Pompeia, que tocou na banda pop Os Pholhas.

Ave Sangria, Almôndegas (banda de Kleiton e Kledir), Bixo da Seda, Moto Perpétuo (do vocalista Guilherme Arantes), estas e outras bandas não agradaram à crítica da época, venderam pouco e logo foram dispensadas da gravadora. Somente no ano seguinte, Rita Lee, com Atrás do porto tem uma cidade mostraria que o rock brasileiro era viável comercialmente, colocando Ovelha negra, nas paradas do Brasil inteiro. Mas mesmo a ex-Mutantes não agradava a nascente crítica profissional brasileira: “Rita Lee Jones, 25 anos, paulista, natural de Americana, e remanescente do grupo os Mutantes, perdeu a ingenuidade que usava com seus ex-companheiros como matéria-prima. Não conseguiu encontrar o amadurecimento nem conseguiu recuperar o seu senso de humor. Atrás do porto tem uma cidade é o seu segundo álbum solo, o primeiro com o grupo Tutti Frutti. Apesar da inegável qualidade dos seus músicos (fato raro no gênero), falta às suas nove canções, um mínimo de substância, ideia, invenção”, a crítica no então influente jornal alternativo Opinião, assinada por Ana Maria Bahiana. O disco hoje é um dos clássicos do rock nacional.

Ela até poupa o pernambucano Ave Sangria, lançada pela Continental: “O Ave Sangria (ex-Tamarineira Village) ainda tem, com sua tosca mistura de rock, samba, baião e balada, uma lembrança distante dos tempos ingênuos da Jovem Guarda. Dele parece inútil exigir qualidade ou perfeição, mesmo porque ele deixa claro sua intenção de assumir justamente esse lado pobre, primitivo do rock brasileiro”. Depois de baixar a ripa no Som Nosso de Cada Dia, do ex-Incrível Manito, Ana Maria arremata: “O equívoco do rock no Brasil não é sua presença, mas as distorções de uma assimilação que nunca chegou a existir”. Embevecidos pela tecnologia que passaram a usar as grandes bandas de rock internacional, a crítica da época não entendeu o Ave Sangria, não ouviu a guitarra de Ivinho, as boas letras das canções de Marco Polo. O rock nacional teria que esperar até os anos 1980, para engrenar.

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