Biografia

Do Pajeú para Hollywood: como Moacir Santos chegou lá?

Flautista Andrea Ernest Dias percorreu os caminhos do maestro

JOSÉ TELES
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JOSÉ TELES
Publicado em 28/09/2014 às 5:10
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Em 2004, o maestro e compositor Moacir Santos recebeu uma homenagem na Assembleia Legislativa de Pernambuco, e teve lançada uma curta biografia sua, MoacirSantos: o ouro negro do Pajeú, de Marilourdes Ferraz. Pernambucano de Serra Talhada, Moacir Santos foi um dos mais importantes músicos brasileiros do século 20, porém era ainda um ilustre desconhecido para a grande maioria dos seus conterrâneos. Continua sendo, embora no ano passado tenha acontecido, pela segunda vez, no Teatro Santa Isabel, o Festival Moacir Santos, que reuniu grandes músicos, do Brasil e do exterior, em torno da música do maestro. Para a flautista carioca Andréa Ernest Dias, fazer a direção musical do festival não foi apenas mais uma oportunidade de trabalhar, e enriquecer o currículo, foi também mais uma chance de continuar a imersão na obra com a qual convive, do maestro, que conheceu em 2001, quando participou das gravações do álbum Ouro negro, como integrante da banda homônima, que tocou o projeto idealizado pelos músicos Mario Adnet e Zé Nogueira.
Ele foi o tema da tese de doutorado que Andrea Ernest Dias fez em Salvador, e que resultou no livro Moacir Santos ou os caminhos de um músico brasileiro (Folha Seca, 261 páginas, R$ 35), até aqui o mais completo livro sobre o maestro, dividido entre sua trajetória pessoal, do sertão pernambucano, até Los Angeles, EUA, e a análise de sua música: “É uma lição de vida, de persistência. Mas quatro anos foram pouco para me aprofundar na biografia de Moacir, que passou 40 anos morando nos Estados Unidos, sabia-se muito pouco dele aqui no Brasil”, a flautista, que seguiu a trilha de Moacir Santos, do sertão do Pajeú à sua casa na Califórnia, teve acesso à biblioteca, anotações e partituras: “Nestas pesquisas em Los Angeles pude me aprofundar na certificação de como ele se preparou no decorrer da vida, de como chegou a determinada marca, que é logo reconhecida como sendo sua. Quando fui lá, ele já havia morrido, seu escritório estava como ele deixou, meio bagunçado. Mas puxei bastante material, partituras, os livros que ele lia, marcava. Ele estudou muito Bach, Chopin, Brahms. Estava ali o dia a dia do compositor”, conta Andrea, que dedica o capitulo 6 do livro a uma análise mais técnica de partituras do maestro.
A história de Moacir Santos parece pedir que um cineasta a transforme em um filme. Uma vida que é uma mistura de personagens de Mark Twin e Dickens ao mesmo tempo. O maestro costumava dizer que nasceu entre preás e mocós “numa tapera nos rincões e matas do sertão pernambucanos, entre os municípios de Serra Talhada (antiga Vila Bela), Flores, São José do Belmonte, e Bom Nome”. Esta última cidade é oficialmente seu lugar de nascimento. Já famoso, morando nos Estados Unidos,Moacir Santos ainda se afligia por não saber com certeza suas origens. Em 1980, ele foi ao sertão do Pajeú, onde finalmente descobriu o registro de seu batismo, na Casa Paroquial de São José do Belmonte. No batistério encontra-se-e a data de nascimento (26 de julho de 1926), e o nome dos pais “filho legítimo de José Francisco do Nascimento e de Julieta Pureza Torres. O Pai abandonou a casa, e a mãe morreu quando Moacir estava com três anos.
Ele cresceu sem saber onde tinha nascido, e com dúvidas até sobre como realmente se chamava: “Parecia uma criatura numa pedra no meio do mar, com as águas batendo como se fossem as pessoas perguntando: ‘Quem é você?’, ‘Qual o seu nome?’, ‘Quando você nasceu?’, ‘Onde você nasceu?’, eu não sabia de nada. Mas agora eu sei. Agora eu sei é o título de uma das coisas minhas, uma música minha”, contou ele a Andréa. Há outra composição sobre o dilema de sua identidade, What’s my name, do álbum Saudade, lançado nos EUA, pelo Blue Note, em 1974, com letra em inglês de Jay Livingstone e Ray Evans, dupla ganhadora de um Oscar, de Melhor Canção, em 1956, com Whatever will be, will be (que sera, sera), da trilha de O homem que sabia demais de Alfred Hitchcock. 

Mas como um garoto negro, órfão, pobre, no sertão pernambucano chegou a disputado autor de trilhas para cinema em Hollywood, ou a infuenciar a bossa nova como professor de, entre muitos outros, nomes como João Donato, Nara Leão, Carlos Lyra, Roberto Menescal, Baden Powell e Sergio Mendes? A persistência, e o talento precoce para a música. Crescendo, em Flores, como criado em casa de família de brancos, ele fazia os serviços domésticos, e nas horas vagas tirava sons de garrafas com água, ou construía flautas toscas: “Eu já era exigente com a precisão das flautinhas, , elas tinham que me oferecer a escala diatônica e um bom som. Descobri por mim essas coisas. Descobri tudo o que o flautim (pífano), podia me oferecer, principalmente para as minhas necessidades naquela pequena cidade”, contou Moacir Santos, que aos nove anos aproximou-se da banda municipal de Flores, e aprendeu a tocar todos os instrumentos, tantos os metais (trompa, trombone, clarineta, sax) quanto os de cordas (banjo,violão, bandolim).
Aos 14 anos caiu no mundo, inconformado com os maus tratos que sofria, apesar de ter lhe ser dada a oportunidade de estudar: “Sempre que bolem comigo, pisam no meu pé, eu saio fugindo. E parece que é um motivo para eu me aproximar, até mesmo me defrontar, apanhar a minha estrela”. A pé, de carona, o adolescente Moacir Santos perambulou pelas cidades do interior pernambucano. E todas havia bandas de música. O talento e bons modos o ajudavam a encontrar quem o abrigasse, e quase sempre ele acabava como música da banda local. Em Serra Talhada, por exemplo, fez amizade com um saxofonista chamado Edésio Alves de Oliveira, de quem seria amigo até o final da vida. Lá tocou na Filarmônica Vilabelense, e na jazz band da cidade. De banda em banda, de circo em circo, ele chegou a Salvador, voltou ao interior pernambucano, cearense. Em 1943, pelas mãos de dois radialistas e publicitários, Antonio Maria e José Renato, foi contratado pela Rádio Clube de Pernambuco. A dupla lhe deu o epíteto de O saxofonista negro, que continuou a perseguir sua estrela. 
(leia matéria na íntegra na edição impressa do Jornal do Commercio de hoje) 

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