Biografia

Jimi Hendrix ganha inusitada autobiografia póstuma

Texto foi montado com os escritos deixados pelo guitarrista

JOSÉ TELES
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JOSÉ TELES
Publicado em 07/12/2014 às 12:06
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Jimi Hendrix viveu pouco tempo para escrever sua autobiografia. Estava com 28 anos incompletos, prometia novas possibilidades sonoras com o disco que estava gravando, quando, em 18 de setembro de 1970, morreu acidentalmente, dormindo, segundo o laudo médico, sufocado no próprio vômito. O maior guitarrista da era do rock não deixou apenas uma imensa quantidade de música gravada, que vem sendo lançada desde então, como também muita coisa escrita.

Era compulsivo em anotar tudo que lhe vinha à cabeça, em cadernos, folhas de papel, guardanapos de bares, caixa de fósforos, maços de cigarros. Foi em cima deste farto material que o produtor Alan Douglas e o cineasta e músico Peter Neal montaram uma "autobiografia" póstuma de Jimi Hendrix. Starting at zero (His own story), de 2013, que chega agora às livrarias brasileiras, como Jimi Hendrix por ele mesmo (Zahar, 210 páginas, R4 33,10). Um título que pode levar o consumir a se confundir. Já existe um livro homônimo, assinado por Luís Martins, na série O autor por ele mesmo, da Martim Claret.

O ponto de partida para o recém-lançado Jimi Hendrix por ele mesmo, da Zahar, foi um documentário que Peter Neal estava fazendo com Alan Douglas, que produziu discos de Hendrix e foiseu amigo pessoal. Douglas perdeu o direito à curadoria da obra musical do guitarrista em 1995, mas continuou de posse do material escrito por ele. O conteúdo do acervo foi enriquecido com peças de arquivos pessoal de colecionadores. Nealfez com os textos uma montagem cinematográfica, seguindo uma ordem cronológica, acrescentando comentários quando achou necessário.

O título inicial do livro seria Letter to a room full of mirrors (Carta a um sala cheia de espelhos). Segundo ele, porque Jimi passou seus últimos anos obcecado com a imagem do espelho, Room full of mirrors é título de uma canção de Hendrix: "Ele nunca nos deu um relato claro e consecutivo e seus últimos quatro anos. Contudo, falou longamente sobre suas ideias que se formavam em sua mente e sobre as mudanças de percepção e consciência que estava experimentando. Assim, à medida que avança, o livro se torna menos uma narrativa de eventos externos e mais a exploração de uma jornada interna", comenta Peter Neal no prefácio.

Há centenas de livros sobre Jimi Hendrix, biografias e análises da obra, obviamente, sempre sob a ótica do escritor. Jimi Hendrix por ele mesmo é o primeiro escrito na primeira pessoa. Os textos, em sua maioria do guitarrista, com enxertos de entrevistas que ele concedeu, deixaram a "autobiografia" assemelhada a de Billie Holiday, Lady sings the blues (1956), pelo estilo enxuto, direto, com que Jimi Hendrix conta sua história. "Mamãe e papai eram apenas um casal de garotos quando se casaram. Ele tinha 18 anos, ela 16, e eu três", é como começa a autobiografia de Lady Day. "Nasci em Seattle, Washington, EUA, em 27 de novembro de 1942, com zero anos de idade. Lembro quando uma enfermeira me pôs uma fralda e quase me espetou. Eu devia estar doente no hospital. Devia estar com alguma doença, porque lembro que não me sentia muito bem...".

Entre os relatos autobiográficos, são inseridas cartas enviadas por Jimi ao pai(a mãe morreu em 1958). Longas, detalhando suas andanças, algumas pedindo que lhe mandasse algum dinheiro (uma delas quando alistou-se no exército para ser paraquedista). No começo dos anos 1960, Hendrix, como os blueseiros de décadas anteriores, vagou com uma guitarra pelos EUA até chegar à Nova Iorque: "Só conseguia trabalho uma vez na vida, outra na morte. Vivia em condições terríveis. Dormir no meio das latas de lixo, entre os prédios altos, era um inferno. Os ratos andam pelo seu peito, as baratas entram no seu bolso para roubar sua última barra de chocolate. Cheguei a comer casca de laranja e extrato de tomate", diz no relato de suas primeiro dias na cidade, sem romantismo, nem dourar pílula. Já devia tocar bem, pois ganhou um concurso de calouros no Apolo, o célebre teatro no Harlem.

Hendrix preferia o Village ao Harlem, onde, queixa-se, os negros não o tratavam bem: "Na mesma época em que estive no Village, Bob Dylan também andava passando fome por lá. Cheguei a vê-lo uma vez, mas estávamos ambos num porre dos diabos, fora do ar de tanta cerveja". Porém, em 1966, num cartão postal enviado para o pai Al Hendrix, ele ainda tateava em busca de reconhecimento, embora autoconfiança não lhe faltasse. É assim que termina o texto no cartão postal: "Diga ao Ben e ao Ernie que eu toco blues de uma maneira que eles nunca ouviram antes, com amor, sempre, Jimmy".

Chas Chandler, baixista do grupo inglês The Animals, também tinha a mesma opinião a respeito do blues tocado por Jimi Hendrix. O viu tocar com um grupinho chamado Jimmy James and the Blue Flames e o convidou a ir para a Inglaterra. Em pouco meses, ele formaria o Jimi Hendrix Experience e seria a sensação de Londres. Os ingleses, que faziam sucesso copiando blueseiros e roqueiros americanos, nunca tinham visto nada igual. Hendrix passou a ser apaparicado por Beatles e Rolling Stones. Paul McCartney convidou para participar do filme Magical mistery tour (não conta porque não aceitou). Foi McCartney e Brian Jones que o levaram de volta aos EUA, para tocar no Monterey Pop Festival, na Califórnia. Ali Hendrix repetiria o que já vinha fazendo em seus shows na Europa. Incendiaria a guitarra e seria um celebridade da noite para o dia, o que é considerado um dos marcos da psicodelia dos anos 60:

"Eu jamais diria que minha música é psicodélica. Há dez anos, já tinha gente nos Estados Unidos tocando isso que hoje em dia chamam de psicodélico. Vemos esses caras dizendo Olha só essa banda, estão tocando música psicodélica quando, na verdade, tudo o que estão fazendo é tocar Johnny B. Goode com os acordes errados e sob raios de luz. Aqueles que se chamam de psicodélicos são tão ruins. Eu detestaria entrar numa viagem e ouvir todo aquele barulho. Freak-out, psicodelia, tudo isso é muito limitado. Não quero que ninguém coloque uma etiqueta de psicodélico no meu pescoço..."

 

Avesso à demagogia ou populismo, Jimi Hendrix expressa opiniões sobe seus contemporâneos que não batem com a opinião geral. Acha o som da Motown chato e padronizado: "Nunca pretendi fazer um som comercial. Eu nem sei como deve soa um disco de sucesso. Só quero continuar tocando e gravando o que me dá prazer. Jamais quero ter que me curvar ao comercialismo". Depois do show final, em 6 de setembro, num tumultuado festival na Alemanha, Jimi Hendrix escreveu longos textos, divagando sobre passado, presente e futuro. Considerava a revolução deflagrada pelos Beatles chegara ao fim: "Algo novo está para surgir, e Jimi Hendrix estará lá... não sei se vou chegar aos 28 anos, mas por outro lado, já me aconteceu tanta coisa bonita nos últimos três anos. O mundo não me deve mais nada", declarou o guitarrista.

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