Só se entende a importância de Lupicínio Rodrigues em sua terra natal, Porto Alegre, frequentando-se a vida boêmia da cidade. Nos muitos bares – felizmente, ainda existentes por lá – Lupi é onipresente: do retrato na parede a um samba-canção que, subitamente, alguém começa a cantar. Portanto, nada mais natural que a porto-alegrense Adriana Calcanhotto apresente um espetáculo com repertório pinçado da preciosa obra do conterrâneo, agora lançado em DVD, Loucura: Adriana Calcanhotto Canta Lupicínio Rodrigues (Sony Music). Um trabalho nascido de um convite para participar do Projeto Unimúsica, como parte das comemorações dos 80 anos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, e nele embutido o centenário de Lupicínio Rodrigues.
“Do final de 1984 ao final de 1985, cantei em bares, na noite de Porto Alegre, e conheci pessoas que tinham convivido com Lupicínio Rodrigues. Minha sensação era a de que, sempre que eu entrava em um bar para ouvir o flautista Plauto Cruz, por exemplo, ou a cantora Lourdes Rodrigues, e tantos outros, ele havia recém-saído do recinto. Sua memória era presente e constante entre seus pares, amigos e colegas da boemia porto-alegrense. Que dele contavam muitas histórias, as melhores inteiramente impublicáveis, como era de se esperar”, comenta a cantora num texto para o DVD.
Curiosamente, foi só no início da carreira que ela gravou Lupicínio. Nunca (1952) é faixa do seu álbum de estreia, Enguiço, de 25 anos atrás: “Quando recebi o convite para cantar Lupicínio, em Porto Alegre, fiquei feliz porque, mal comparando, Lupi pro Rio Grande é como Caymmi na Bahia. O DJ Zé Pedro (do selo Joia Moderna), sempre que a gente se encontra me diz: ‘este homem te pertence’”, conta Adriana, em entrevista por telefone.
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Mesmo com tantos estímulos, por pouco o espetáculo não ficou limitado aos privilegiados gaúchos presentes ao Theatro São Pedro, naquela noite de dezembro de 2014: “A ideia do DVD surgiu de mim, e muito atrasada. Me dei conta de que foi uma noite única, uma coisa que eu não iria repetir. O pouco tempo que eu e os músicos estivemos juntos tornou o show espontâneo, sem muita decupagem, daquelas noites mágicas”, comenta a cantora, que ensaiou duas vezes com a banda: uma no Rio, ainda escolhendo o repertório, e um ensaio aberto para passar as músicas.
Ela é acompanhada por Dadi Carvalho (violão), Jessé Sadoc (trompete e flugelhorn), Arthur de Faria (acordeom), César Mendes (violão), Arthur Netrovski (violão), e Cid Campos (violão). Todos de talentos incontestável, mas não foi só isso o que Adriana Calcanhotto quis: “Começou comigo e Dadi no violão, foi a plataforma inicial. Queria que soasse como pessoas cantando Lupicínio numa mesa de bar, que soasse como Lupicínio faria. Quis arranjos pré-bossa nova, sem inversões, com os acordes que ele usava. Pra isso tinha que ter o baixo de pau de Alberto Continentino. Dos músicos, dei preferência aos que tivessem afinidade com a música de Lupicínio”.
LUPI E VINA
Num mesmo ano, a cantora prestou homenagens a dois compositores que se tornaram centenários: além do citado Lupicínio Rodrigues, o carioca Vinicius de Moraes. Aparentemente, os dois estão em extremos opostos. Enquanto o primeiro foi mestre em letras passionais para sambas-canção sombrios, o segundo era especialista em versos leves para canções ensolaradas. Porém, são, na verdade, duas faces da mesma moeda. Ambos não acreditavam no amor eterno, e confessam isso, cada um à sua maneira: “Assim como aconteceu com Lupicínio, aceitei o projeto de cantar Vinicius pela intimidade que tenho com a obra dele, com as músicas que escolhi. Eu Sei Que Vou te Amar e Nunca são músicas preferidas, com as quais convivo desde criança. Eu não me vejo fazendo isso com o repertório de outro compositor. Não acho que teria o mesmo prazer estético”, afirma Adriana.