Mais de 35 mil visualizações - e crescendo. Esta é a contabilidade das primeiras 48 horas de exibição de Bichas, o Documentário, do publicitário e realizador pernambucano Marlon Parente. Lançado no último sábado (20/2), o filme é montado em cima de depoimentos de jovens que assumem com franqueza e publicamente a sua condição sexual, diante de uma sociedade que ainda carrega fortes traços de opressão masculina.
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“Esse filme fala, antes de tudo, de amor. Para ser mais exato: de amor próprio. A palavra BICHA vem sendo usada de forma errada, como xingamento. Quando, na verdade, deveríamos tomar como elogio.”, diz o teaser de Bichas, convidando o público conhecer as histórias de João Pedro (Peu), Bruno, João Pedro, Igor, Ítalo e Orlando.
“A bicha nunca é vista como algo bom na sociedade, caso contrário não seria usada como palavra de insulto. E para falar sobre bicha, nada melhor do que as próprias bichas. E nada mais justo do que dar a voz para algumas delas”, explica Marlon, no material de divulgação à imprensa. “O objetivo desse filme é levar informação para as pessoas. É exibir, mostrar, e repetir quantas vezes for necessário: ser bicha nunca foi um problema. A vivência e experiências dos meninos só reforçam períodos que muito deles passam e de como isso é ruim”, completa.
O primeiro depoimento é de Orlando, que conta sobre o seu primeiro encontro homoafetivo, logo que entrou na faculdade, e a grande confusão que se sucedeu dias depois, quando os seus pais descobriram sua correspondência pelo MSN. O pai ficou bravo, foi bruto e ameaçador. A mãe só fazia chorar. Mas Orlando teve coragem de dizer aos pais que ninguém iria impor sua opinião sobre a opção sexual. Assumidamente drag queen, Igor, por sua vez, encontrou o momento que ele achou mais adequado para revelar a sua homossexualidade - ou seria bichice? Ele não teve um choque familiar tão intenso, tendo encontrado na mãe uma aliada que, inclusive, lhe ajuda com conselhos práticos, como pintar as unhas, dando toques em suas roupas.
Peu descobriu que não iria rolar relacionamento com mulheres desde pequeno. Ele sabia também que a sociedade é preconceituosa. Nada impediu, porém, que Peu fosse quem ele sempre quis ser. “Eu sempre fui bichinha quando era pequeno. Era muito bicha mesmo”, confessa e gesticula, balançando as mãos. Ele não teve conflitos sérios com os pais. Ao contar para mãe, ainda na sétima série, “disse que era bi”. Depois ela foi vendo que não era bem assim. Que a opção dele era ser homessexual.
Com João Pedro, o único negro do documentário, não foi diferente. A mãe, aparentemente a mais liberal da família, “teve a reação clichê”. Perguntou se não era uma fase. Depois de um período de conflito, ela foi aceitando e descobrindo as questões de homofobia e desconstruindo a imagem que tinha do filho.
Com Bruno, a descoberta se deu através da mãe, que encontrou os indícios que ele estava se relacionando com outro rapaz. Ela ficou, até certo ponto, aliviada por ele ter conversado com ela. A surpresa maior para Bruno, no entanto, viria depois, quando a mãe confessou que era lésbica e tinha um relacionamento. “Foi um choque. Tudo poderia ter sido diferente. E eu poderia ter ajudado ela e ela ter me ajudado”, comenta Bruno.
No caso de Ítalo, ele não queria se assumir, mas foi pressionado pelos amigos, que começaram a espalhar entre pessoas da família e conhecidas, que ele era gay, até que a mãe o procurou para esclarecer tudo. Ela já sabia, através dos amigos, do jeito que ele era por causa das pessoas com quem se relacionava. A mãe terminou tirando um peso das costas dele.
A aceitação familiar é um capítulo difícil na história, mas talvez seja mais fácil de enfrentar do que os casos de bullying dos quais foram vítimas, a começar na própria casa ou na escola, o conflito com a igreja, a violência do mundo exterior. O instinto de autodefesa faz com que eles ora tentem se retrair, não levantando bandeiras - como no caso de Ítalo, que rompe um acordo com a mãe ao dar o depoimento no webdocumentário - ou então partam para uma reação de confronto e disputa de território contra aqueles que os oprimem.
Ao dar voz a Peu, Bruno, João Pedro, Igor, Ítalo e Orlando, deixando que eles se expressem não somente com franqueza, mas com naturalidade, suas entonações e trejeitos, ao invés de reforçar um estereótipo (que poderia advir de uma caricatura) revela como essas pessoas são em sua essência e o quanto foi pesada a carga que tiveram que carregar por conta do preconceito e do machismo que ainda hoje impera na sociedade.
Eles não querem ser apenas gay, dentro de um padrão normativo, já aceito por uma maioria. Querem poder ter o direito também de ser como eles realmente são, sem máscaras sociais. Ou, se quiserem, maquiados, androginamente ou femininamente vestidos. Para empregar uma palavra da moda: empoderadas.