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Tom Zé Estudando o Sexo no Compasso do ritmo Suba Ni MIm

Disco será lançado em 1º de outubro, quando completará 80 anos

JOSÉ TELES
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JOSÉ TELES
Publicado em 18/09/2016 às 9:26
foto: divulgação/Lenise Pinheiro
Disco será lançado em 1º de outubro, quando completará 80 anos - FOTO: foto: divulgação/Lenise Pinheiro
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"Apesar do sexo estar todo dia, toda hora nos meus pensamentos, é uma coisa complexa pra se falar sobre ele. Dava os primeiros passos e recuava. Até que agora eu disse pra mim: Já tenho 80 anos, não é possível que não possa falar alguma coisa sobre isso", diz Tom Zé sobre a decisão de finalmente fazer um álbum inteiro com músicas que têm o sexo como tema. Canções Eróticas de Ninar, que ele lança dia 11 de outubro, data do seu aniversário, foi um álbum que fez pisando em ovos para evitar ferir suscetibilidades femininas: "Um músico amigo meu mandou pra mim um arquivo com quatro mil e tantos apelidos pra vagina. Corri os quatro mil nomes pra ver se havia um que fosse simpático. Não achei nenhum. A não ser periquita e outros ligados a passarinhos. O resto era tudo grosseiro", conta Tom Zé em entrevista por telefone.

Irará (BA), onde nasceu, tem o nome originado de "irara". Era assim que os índios da região chamavam o papa­-mel, animal onívoro, mas que tem preferência pelo mel. Apesar das conotações óbvias entre mel e prazer, em Irará os tabus sexuais permearam o comportamento dos habitantes e marcaram fortemente o garoto Antonio José de Santana. "Vou lhe contar uma coisa interessante. Eu tinha uma primeira namorada, vizinha, que morava na minha rua. Pessoas da casa defronte eram cúmplices do namoro. Largavam nós dois, de mão dadas, na sala escura da casa delas e iam embora. Eu ficava ali de pau duro o tempo todo e não sabia porque estava assim. Não sabíamos nada da vida, do namoro, de nada", revela.

Tom Zé permite-­se proferir impropérios. Vinha se contendo durante o processo do disco porque notou que as moças que conhece da hidroginástica não aprovavam certas expressões das canções que ele ia testando com pessoas mais próximas. "Quando fiz essa música que falava pau algumas moças não gostaram. Até que um dia vimos o artigo Orgasmo Terceirizado, da Joyce Pascowitch, e então comentei com o pessoal que a gente estava muito comportado. Pedi autorização para publicar o artigo no encarte. Não sei porque Elifas (Andreatto) não colocou na contracapa", diz.

Para Tom Zé encarar o sexo, palavrões e toda sua carga de pecados foi feito derrubar estátuas, livros louças, parafraseando o colega tropicalista Caetano Veloso em É Proibido Proibir. Não foi fácil, mas ele imergiu no fundo memória e os derrubou. Uma das canções do novo disco tem o título de Dedo. A letra permaneceu com Tom Zé durante várias décadas e é inspirada em quadrinhas que um dia escutou, no quarto ao lado, as primas e amigas recitarem: "Ô, ô, ô, sendo moça acanhada/ Ô, ô, ô, unha bem cortada/ Ô, ô, ô, se ela tem medo de pecado / Ô, ô, ô, dedo batizado".

"Eu fiquei com com aquilo na cabeça o resto da vida. Inclusive ia fazer uma gravação do Cravo e a Rosa, porque é uma verdadeira descrição de um defloramento. O cravo brincou com a rosa debaixo de uma sacada, o cravo ficou doente e a rosa despedaçada. Meu pai seja abençoado, minha mãe seja abençoada, mas a gente foi criado dentro de um mundo do medo, de manhã, de tarde e de noite. Pensar em qualquer prazer, aventura, era descumprimento dessas coisas", afirma.

POUPANÇA DE MÚSICA

Canções Eróticas Para Ninar, com os subtítulos Para Dançar O Suba Nim Mim e Urgência Didática, traz uma dúzia de canções ­ apenas uma é assinada em parceria, Urgência Didática, feita com Marcelo Segreto, da Filarmônica de Pasárgada. Embora nelas haja samba, como na faixa inicial, Sexo, ou xote, em No Tempo Em Que Havia Moça Feia, o ritmo é um só ­ o animado e dançante Suba Ni Mim, criação pessoal e intransferível de Tom Zé.

"Eu queria um disco de dança. Paulinho (Lepetit, produtor) me disse que com esta levada ­ o 2/4 do Suba Ni Mim ­ a gente bota samba, rock, reggae, xaxado. O 2/4 é uma levada que os caras nos Estados Unidos nem conseguem tocar. Eu fiz um monólito absolutamente intransponível. Eu que vivo muito no exterior sei que eles não gostam de rock feito no Brasil. Eu sou respeitado lá porque faço outra coisa que não é rock", comenta. Loucura, mas uma loucura que tem seu método. É assim como poderia se explicar a maneira como Tom Zé compõe. Toda a riqueza desta música, recheada de elementos sonoros e de uma variedade de ritmos como os embutidos no Sobe Ni Mim, começa quando ele recorre à despensa em que guarda as melodias que vai criando sem saber quando, como, quando ou se irá usar.

"Quando me ocorrem melodias boas, boto no computador num arquivo que reúne as com músicas sem letras. Quando surgem estas ocasiões, vou sempre lá procurando alguma que tivesse graça. Para esse disco, a maior parte tirei deste banco, desta poupança", diz Tom Zé, que armazena letras em cadernos. "Quando peguei nos cadernos, vi muita coisa que desisti de terminar. Teve uma fase em que nos estávamos com receio de que essas letras atingissem de forma não carinhosa a sensibilidade feminina, então desisti."

Além de procurar evitar versos que pudessem atingir de forma negativa as mulheres, ficou fora do álbum uma figura mítica de Irará, Maria Bago Mole, reiteradamente citada por Tom Zé em seus textos e no palco. Antes de gravar o disco, as canções eróticas para ninar foram apresentadas dois anos atrás, no Bourbon Street, em São Paulo. A composição dedicada a Maria Bago Mole foi a mais badalada do repertório. Trata-­se de uma mulher que ficou na memória afetiva dos iraraenses dos anos 1940 por, didaticamente, iniciá­-los nos mistérios do sexo. "Seria a primeira musica do disco. Porém nós não conseguimos fazer um arranjo ou um pré­arranjo que desse certo nela", desculpa­se Tom Zé, que canta desde o sexo propriamente dito até uma uma hipotética batalha entre garotas da USP e da FGV. SHOW NA 

ESTRADA AOS 80

"Hoje as pessoas envelhecem de forma muito diferente de como era na minha infância. Uma pessoa de 60 anos, quando eu era criança, era pra lá de velha. A vida no Brasil, no mundo, só ia até coisa de 60. Chegar aos 70 anos era um absurdo. Hoje as pessoas, com facilidade, chegam aos 90, 100 anos", comenta Tom Zé sobre os 80 anos que se aproximam, 48 dos quais morando em São Paulo. "Em Perdizes já sou considerado móveis e utensílios", brinca.

A idade não é empecilho para que sua agenda inclua apresentações na "Oropa, França e Bahia", mesmo sem apreciar os longos voos internacionais. " Minha responsabilidade de sustentar as famílias muda muito o que eu queria. Não aguento mais atravessar o Atlântico ­ mesmo na classe executiva, é uma parada dura. Para manter as famílias todas comecei a aceitar novamente shows fora. Começaremos com três ou quatro nos Estados Unidos. Talvez a gente vá para Europa para turnês em que passamos dois meses, com 15 shows".

Por famílias, entenda­-se ele e a mulher Neusa, que comanda seu escritório, onde Tânia é funcionária mais antiga. "A minha banda acaba sendo também família. Digo que tenho sete famílias: cinco da banda, a minha e a do escritório", contabiliza. Canções Eróticas de Ninar chega às lojas quatro décadas de depois do clássico Estudando o Samba, lançado quando Tom Zé, pela teimosia de se não se curvar às facilidades do mercado, amargava um ostracismo que quase o leva de de volta à Irará.

A história é conhecida: o talking head David Byrne o redescobriu não apenas para o Brasil. Fez do difícil Tom Zé estrela internacional. Um status que permite que ele ouse lançar um disco que poderia ter recebido o título de Estudando o Sexo, com o assanhado ritmo Suba Ni Mim.

CAIXA 

A turnê brasileira de Canções Erótica para Nina não tem data confirmada para o início. O show que Tom e banda apresentam na Caixa Cultural, no Recife, entre 28 e 1º de outubro será o Eu Cantando para os Meus, final da turnê do CD Vira Lata na Via Láctea.

 

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