"Mais um jovem compositor popular Chama-se Antônio Carlos Jobim e, além de compositor de sambas, é um excelente improvisador. A maioria, aliás, de suas produções, nasce desses passeios sem rumo certo pelo teclado do piano, que também toca muito bem, enchendo lugares que costuma frequentar, de muita vibração e muito ritmo. Vive em Copacabana e já é um nome popular. Os rapazes trauteiam as suas melodias e o cantor Lúcio Alves espera gravar um dos seus sambas" Quem escreveu a nota, no jornal carioca A Noite, a primeira sobre o músico publicada na imprensa, não tinha certamente ideia da dimensão que teria o "jovem compositor popular" nos próximos 40 anos.
Hoje, Antonio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim, que faleceu em 1994, faria 90 anos. Este ano, também, completa meio século um dos discos básicos do século 20: Francis Albert Sinatra Antonio Carlos Jobim. Um privilégio que Frank Sinatra, A Voz do século, na música popular, que gravou os melhores compositores, concedeu a raros deles. Sinatra não apenas dividiu o álbum com Jobim, como, em algumas faixas, faz duetos comele que, nunca foi exatamente um grande cantor.
Tom Jobim foi um autor de rara sensibilidade para a melodia: "Minha música é essencialmente harmônica. Sempre procurei a harmonia. Parece que eu tentei harmonizar o mundo. O que é evidentemente uma utopia" é uma de suas célebres tiradas. Foi também um compulsivo filósofo do cotidiano. Era tanta sua facilidade para criar grandes canções, que nem parecia lhes dar a importância devida depois do parto realizado.
ÁGUAS DE MARÇO E A CENSURA
Aconteceu assim com uma de suas composições mais conhecidas, Águas de Março, que, na virada de 1999 para 2000, numa dessas enquetes que se fazem em programas de TV, foi votada A Canção do Século. A gravação mais conhecida é a que ele fez com Elis Regina, no álbum Elis & Tom, de 1974. Porém, quando a compôs, era mais uma entre as dezenas que fizera, boa parte com centenas de regravações mundo afora. Foi o início de músicas voltadas para a natureza. Em 1971, a turma do semanário O Pasquim iria lançar uma novidade, batizada de disco de bolso. Em parceria com a gravadora Phillips, o compositor e produtor Sérgio Ricardo procuraram Tom Jobim e ele cedeu os direitos.
A censura em Brasília cismou com a letra quilométrica, viu mensagem subliminares logo nos versos iniciais. "Pau é pedra/é o fim do caminho", seria confronto entre a polícia e estudantes (ou afins), e fim do caminho?. A música foi liberada e lançada cantada pelo próprio Tom Jobim, no compacto simples, vendido em bandas (com o novato João Bosco no lado B, com Agnus Sei). Três anos depois da notinha no jornal,
Tom Jobim já era um dos autores mais requisitados, não apenas pela composições, com Billy Blanco sendo um dos parceiros mais constantes mas também pelas orquestrações e arranjos. Entretanto, ele ainda não se destacava dos demais, numa cidade para a qual convergiam os maiores talentos do País. Curiosamente, o encontro entre ele e Vinicius de Moraes, que mudaria o curso da MPB, aconteceu na Avenida Calógeras, a poucos metros de onde Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira promoveriam uma virada de mesa na MPB, impondo o baião na terra do samba, e no país inteiro. No escritório de Humberto Teixeira, na Calógeras, REgião Central do Rio, compuseram, entre outras, Baião e Asa Branca.
O Villarinos, ponto de boêmios e intelectuais nos anos 50, conserva até hoje a mesa onde Tom e Vinicius, reza a lenda, numa animada noite de 1956, foram apresentados um ao outro pelo crítico de música Lúcio Rangel. Vinicius de Moraes procurava um compositor para criar a melodia de Orfeu da Conceição. Duas canções da trilha hoje são standards do repertório da canção mundial, A Felicidade, de Tom e Vinicius, e Manhã de Carnaval, de Antonio Maria e Luiz Bonfá. O musical acabou nas telas do cinema, dirigido por Marcel Camus e premiado com a Palma de Ouro, em Cannes.
A dupla teria continuado a criar algumas das mais belas canções da música brasileira, mas dificilmente teria a projeção que tivera sem a intervenção de um violonista nascido no Sertão da Bahia chamado João Gilberto, que imprimiu uma interpretação bossa nova, de vanguarda, e ao mesmo tempo acessível, às composições da dupla. A obra deixada por Tom Jobim está entre as mais reverenciadas e regravadas do planeta. Embora tenha morado um bom tempo nos EUA, e passado a vida quase toda no Rio, com poucas turnês nacionais, o maestro era um dos maiores especialistas em Brasil. Entre as suas frases mais repetidas, uma permanece cada vez mais atual: "O Brasil não é para amadores".