50 anos da Paixão

Nova Jerusalém: Plínio Pacheco e Diva sonharam juntos o impossível

Casal é responsável pela transformação de Fazenda nova a partir do espetáculo

Márcio Bastos
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Márcio Bastos
Publicado em 08/04/2017 às 9:00
Acervo
Casal é responsável pela transformação de Fazenda nova a partir do espetáculo - FOTO: Acervo
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Se recorrêssemos à literatura para tentar capturar a essência de Plínio Pacheco (1926-2002), seria inescapável permear pela obra de João Cabral de Melo Neto, o poeta-engenheiro. O gaúcho reunia a resiliência dos Severinos, a bravura quase ingênua dos toureiros, e, acima de tudo, a capacidade de aprender com a pedra, de ouvir sua voz impessoal, sua poética e economia. Foi da pedra que ele esculpiu seu sonho e deixou seu legado: a cidade-teatro de Nova Jerusalém, onde há 50 anos é realizada a Paixão de Cristo.


Nascido em Santa Maria, no Rio Grande Sul, Plínio Pacheco aprendeu cedo o valor do trabalho, a eficiência da organização e a força da comunicação. Criança, precisava executar serviços no colégio de padres onde sua mãe trabalhava, com o objetivo de pagar sua educação. Mais velho, serviu à Força Aérea Brasileira, onde se formou em Comunicação. Desiludido com o serviço nas forças armadas, onde atuou em Fernando de Noronha, se fixou no Recife e passou a atuar como jornalista no jornal Correio do Povo. Lá, conheceu Luiz Mendonça, figura-chave na mudança de sua trajetória.

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    Filho de Epaminondas e Sebastiana Mendonça, Luiz convidou o amigo para passar o Carnaval de 1956 em Fazenda Nova, onde vivia sua família. Lá, Plínio conheceu Diva, irmã de Luiz, por quem se apaixonou. Se a vida tinha imposto a Plínio uma certa dureza, refletida em uma personalidade mais introspectiva, Diva se apresentava como seu yin.
    A jovem loura de olhos azuis não se adequava à mentalidade restritiva do interior. Seu pai era um proeminente empresário e político da região e, segundo ela conta em sua biografia, na sua casa era grande a lista de coisas proibidas: de ler folhetos a vestido sem manga, de comer fubá a contar anedotas e andar de bicicleta. Seu espírito livre e contestador, no entanto, desde cedo buscava abraçar as artes e se refestelava com o Carnaval, para o qual se fantasiava sempre com capricho e dançava até os pés incharem.

    “Plínio era muito organizado, quando colocava uma coisa na cabeça, não tinha quem tirasse; ia até o fim. Diva era de uma alegria exuberante, amava as artes e tinha um talento inestimável”, pontua Victor Moreira, responsável pelos figurinos e concepção de cenários de Nova Jerusalém e grande amigo do casal.
    Apesar do sentimento mútuo, a relação dos dois não era bem vista pela família, já que Plínio era “desquitado” de um primeiro casamento. Impedidos de ficarem juntos, optaram por fugir, em 1957. Voltaram no ano seguinte, já com as bênçãos da família, e tiveram quatro filhos biológicos Xuruca, Nena, Robinson e Paschoal (falecido), e dois adotivos, Flávio e Pedro.

    O SONHO E A PAIXÃO


    Epaminondas e Sebastiana Mendonça organizavam, desde 1951, o Drama do Calvário nas ruas de Fazenda Nova. O objetivo do empresário era atrair pessoas da região e movimentar seus negócios. A família toda se envolvia com a encenação, principalmente dona Sebastiana, Luiz Mendonça, que já era envolvido com teatro no Recife, e Diva. Com o tempo, o evento foi ganhando corpo, mas seu Epaminondas afirmou que não tinha mais condições de levar o projeto à frente, já que era gratuito e a maioria da verba para as roupas, cenários e alimentação dos atores, saía do seu bolso. Foi então que, em 1961, Plínio e Diva assumiram a empreitada.


    Com novo fôlego, o espetáculo ganhou fama rápido e, no ano seguinte, a estrutura da cidade já não suportava a quantidade de espectadores. Foi então que Plínio teve a ideia que viria a conduzir sua vida: construir uma cidade-teatro para a apresentação do espetáculo. O trajeto para a execução do projeto foi árduo: a família passou por privações e a ideia muitas vezes parecia não ter chances de ser concretizada. Diva e Plínio, no entanto, passaram por tudo juntos, em uma parceria que durou até a morte de ambos (ele em 2002 e ela em 2012).


    Jamildo Melo, que escreveu o livro A Paixão de Plínio, sobre a vida do gaúcho, acredita que Nova Jerusalém foi, além de tudo, uma declaração de Plínio Pacheco à região e a Pernambuco.
    “Era um gaúcho mais pernambucano do que muita gente daqui. Foi um homem desbravador, que queria construir algo genuinamente daqui, uma megaestrutura no meio ‘do nada’ e a partir do nada”, pontua.


    A missão foi extenuante e consumiu a maior parte da vida do casal, que transmitiu aos seus descendentes a devoção ao espetáculo e principalmente à ideia que Nova Jerusalém representava. Em uma entrevista concedida nos seus últimos anos de vida, Plínio é questionado sobre a emoção que sentia à medida em que ia construindo Nova Jerusalém. “Não tinha emoção. O peso da pedra é tão grande que você não tem tempo de emoção, só cansaço”, respondeu. O esforço, no entanto, criou uma ligação indelével com o espaço – que “respira” o sonho de Plínio – e foi lá que ele escolheu ser sepultado.


    “Muita gente se pergunta o que leva uma pessoa a dedicar sua vida a um projeto como esse, mas é importante entender que Nova Jerusalém não era um negócio para o meu pai; era um ideal de vida. O que ele queria era transformar esse lugar, dar oportunidade para o povo daqui, deixar uma marca ligada à cultura. Ele fez isso por amor à minha mãe e a Fazenda Nova”, enfatiza Robinson.

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