Para conceber seu primeiro monólogo, o ator e bailarino Luciano Mallmann lançou-se em uma investigação de suas memórias, particularmente nos meandros de sua vida após uma lesão medular, assim como na de pessoas que os cercavam e compartilhavam da sua condição física, mas ressaltando as particularidades de cada experiência. Desse processo nasceu Ícaro, espetáculo que ele apresenta nesta sexta-feira (12), às 19h, e sábado, às 18h, no Teatro Arraial, dentro da programação do 24º Janeiro de Grandes Espetáculos.
Utilizando o Teatro Documentário para construir a dramaturgia, Mallmann propõe ao espectador uma reavaliação do olhar sobre os cadeirantes. Ele conta que o espetáculo nasceu de uma ânsia por construir um material artístico para dar vazão à sua criatividade, como também da vontade de contribuir com a desmistificação das deficiências físicas.
“Há 13 anos, sofri um acidente medular durante uma acrobacia em tecido. Desde então, sentia uma certa culpa por não ‘militar’ pela causa da deficiência. Conhecia muita gente que estava empenhada em conseguir melhorias para os cadeirantes.
Minha forma de contribuir para o incremento da acessibilidade e da inclusão era ir vivendo e mostrar, através das pequenas coisas, como presença de um degrau que impede a passagem da cadeira, o quanto somos uma sociedade despreparada para lidar com as deficiências. Mas, percebi que tinha a possibilidade de sensibilizar através da minha arte”, afirma o ator.
ENTRE O REAL E A FICÇÃO
Ícaro, que foi inteiramente escrita pelo ator e dirigida por Liane Venturella, leva para o palco diferentes histórias que poderiam ser a de Luciano (em alguns casos são), como também de outras pessoas ou até mesmo ficcionais. O objetivo é mostrar que, como em qualquer situação humana, não há manual para lidar com as situações, ainda mais aquelas que exigem uma reestruturação da rotina.
“Quando me acidentei, tive que me adaptar a tudo. Foi muito difícil, mas tem gente que encara de uma forma mais complicada. E é normal porque cada um está lidando com suas questões: tem gente, que após a lesão perde emprego, parceiro, não encontra suporte na família. Há uma mítica em torno da cadeira porque ela é um símbolo visual muito forte. Tem gente que olha para mim na rua e dá um sorrisinho camarada, quase como se eu fosse um vencedor, um guerreiro, por estar enfrentando a situação. E não é assim. Cada um lida com a situação da forma que pode”, reforça.
A resposta do público, até agora, tem emocionado o ator. A apresentação no Recife é a primeira fora do Rio Grande do Sul e, segundo o ator, dificilmente ele se despedirá do espetáculo, uma vez que pretende levar essas vivências para o maior número possível de pessoas.
Ele conta ainda que torce para que, no futuro, sejam abertos mais espaços para artistas com deficiências físicas.
“Não vou ficar esperando me chamarem para produzir, mas desejo que, em breve, a gente possa ver cadeirantes na televisão, no teatro e no cinema, sem, necessariamente, estarem ligados à questão da condição física”, diz.