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Juvenil Silva inspirado num arcano das cartas do tarot

Terceiro disco do artista vai da psicodelia ao brega pernambucano

JOSÉ TELES
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JOSÉ TELES
Publicado em 27/02/2018 às 19:18
foto: Marco Bonachela/divulgação
Terceiro disco do artista vai da psicodelia ao brega pernambucano - FOTO: foto: Marco Bonachela/divulgação
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O “pendurado”, ou “suspenso”, é um dos arcanos das 22 cartas do tarot. Cada arcano tem uma semana, esta é a do “Suspenso”, também título do terceiro álbum de Juvenil Silva, viabilizado por uma campanha de financiamento coletivo, intensiva nas redes sociais, Tão insistente ele foi que, em dois meses, arrecadou 107% do que necessitava para produzir o disco:

“Foi gravado entre Recife e São Paulo, durante exatamente um ano. Comecei no final de 2016 e terminei no final de 2017. As músicas foram feitas para este trabalho. Estava morando em Olinda quando fiz a maior parte delas, na minha fase “Suspensa”. Havia ficado solteiro, depois de uns dez anos de relacionamento. Estava comigo mesmo depois de muito tempo, morando no ateliê do meu amigo artista plástico Flávio Emanuel. A vida deu uma reviravolta. Minha corrida era em busca de acalmar, de esclarecer, de entender as coisas”, explica.

No tarot a figura do citado arcano é retratada suspensa em um galho de árvore, só que pelo pé, vendo o mundo sob outra perspectiva: “Quando eu era mais novo, aliás, nos dois primeiros discos, as letras eram mais introspectivas, enquanto que, neste, quero falar, abrir discurso, trocar ideia, contestar conceitos, de forma mais direta mesmo”. O que não mudou foi a estética pela qual se guia Juvenil Silva. As 13 canções de Suspenso são embaladas por rock e folk recheados de psicodelia.

A faixa inicial, Degolado é como se os Mutantes – dos primeiros discos – incorporasse um Sérgio Sampaio, o capixaba que com Raul Seixas e o Ave Sangria formam o esteio da música de Juvenil, e formaram a da Cena Beto, na realidade, um grupo de instrumentistas, intérpretes e poetas da mesma geração que apareceu na imprensa. Ou seja, um movimento que não era movimento. Assim como não existia cena, tampouco existia alguém com o nome de Beto, mas efervescência isso havia:

“Um jornalista me botou na capa do Globo e disse que, finalmente, depois de Chico, aparecia algo bom do Recife. Alfinetou a mídia local por não terem visto, nem dado atenção. Mas no grupo tinha de tudo, cada um com seu jeito, isso até foi salientado naquela matéria de O Globo. Mas não curto muito fazer música cabeçuda, não, estou num caminho de aprender a me comunicar com mais clareza. Papo mais reto mesmo”, enfatiza.

A Cena Beto aconteceu há cerca de seis anos. Em 2013, Juvenil Silva lançou o primeiro CD, Desapego, e no ano seguinte veio Super Qualquer no Meio de Lugar Nenhum. Ambos foram realizados, para empregar um termo popular, “na tora”. Neste, além da alavancada financeira, ele contou com o apoio que o nome consolidado na música local garantiu. Suspenso tem várias participações especiais. Na faixa Solitude Espontânea, o elogiado piano de Amaro Freitas; em Cabeça Coração, o percussionista Homero Basílio (A Roda, Orquestra Sinfônica do Recife) e o tecladista Chiquinho Moreira (Mombojó). Da psicodélica Dunas do Barato, o parceiro Rodrigo Padrão, que toca no grupo de Aninha Martins, destaque de cantora na Cena Beto.

Em duas faixas, As coisas não se Ajeitam Sozinhas e Zanza, os vocais de apoio de Kamila Souza e Joana Kobbe. Mais uma voz feminina, em De Uma Forma ou de Outra é a de Nívea Maria, da banda Verdes & Valterianos. A banda base é composta por Rodrigo Padrão, Léo Vilanova (percussão) e Gilvandro R (bateria).

Apesar de tantas boas companhias no estúdio, Juvenil Silva é de caminhar sozinho. Apenas uma das faixas do álbum foi feita em parceria e ele toca baixo em 12 das 13 faixas, e quase todas as guitarras: “Curto buscar meu som, o que der na minha cabeça, sem seguir a linha que vejo um monte de amigos músicos seguindo, seja na poesia, na produção, nos arranjos. Vejo uma coisa aqui que não curto, apesar de não me incomodar. Cada um faça o seu, um monte de banda, são os mesmos músicos. Prefiro gravar eu mesmo, o máximo possível, mesmo que não seja lá um supermúsico. Mas, no fim, vai ser a porra do meu som para o povão sacar, curtir, ou não”. Suspenso será lançado este mês, mas a data ainda não está definida.

FAIXA A FAIXA

O próprio Juvenil Silva prontificou-se a escrever um faixa a faixa, comentando cada música de Suspenso:

1 - Degolado – Expressa fragilidade e confusão, a reivindicação da dor em torno de algo tão bonito que é o sentimento de amor, que mesmo diante de um fim, no caso de uma relação, perdura forte por dentro.

 2 – Homens Pardais - Única faixa do disco que não é de minha autoria, é do amigo Jalu Maranhão. Morei um mês com ele em Rio Doce, foi lá que comecei a compor e gravar as primeiras demos para o disco. Essa faixa entra totalmente no contexto do álbum, letra que fala em coragem, desapego, em transcender a dor e a diversão.

 3 – As coisas não se ajeitam sozinhas - Composta quando voltei da primeira viagem que fiz sozinho pra tocar pelo Rio e São Paulo, montava banda e formatos de show diferentes entre pequenas casas de shows e festivais. Quando voltei pra Recife me deparo com a falta total de chão, cheguei na casa da minha família, minha tia me olhou de cima a baixo e falou "Tu tás perdido", eu sentei numa cama e compus esse som. Foi o primeiro "estalo" pro disco.

 4 – Gaiola - Contesta a liberdade dentro das relações, a música mais rock do disco, de inicio não queria por nada muito dessa pegada mais pesada, queria um disco mais "groovado". Mas é minha essência, não quis me negar.

 5 – Oscilando - É uma das que mais gosto de tocar, era como que queria que o caminho das composições seguisse, mais balançada, percussiva, violão de nylon, guitarra sequinha... A letra passeia nos altos e baixos, e nas contradições, da vida que eu vinha seguindo, entre o envelhecer e o evoluir, a perdição e o encontro de si mesmo.

 6 – Se o meu legal te faz mal - Única composição de outra época nesse disco. Feita a pouco mais de 10 anos atrás, na época que eu tinha uma banda de rock psicodélico chamada "Canivetes". Nessa versão quis explorar um universo mais "brega", do tipo Banda Labaredas e outros que sempre ouvir muito, juntamente com Rossi e outros grandes, por conta do meu Pai.

 7 – Solitude espontânea - Faixa instrumental que tive a honra de contar com a participação do grande Amaro Freitas nas teclas. A ideia era experimentar algo como uma fusão entre música latina e aquela vibe hard rock da pesada meio Black Sabbath.

 8 - Cabeça, coração - A coisa toda latina se funde numa vibe meio psicodélica nessa faixa. A letra levanta a questão da pele, do corpo sendo por vezes confundido com sentimentos.

 9 - Zanza – Música bastante da realidade em que me encontrava quando eu andava "suspenso" por aí, sem endereço fixo, com a cabeça em ebulição entre novas perspectivas e situações. Não posso negar que a banda de Glam Rock "T-Rex" serviu de inspiração direta para composição e arranjos dessa faixa.

10 – Vacas Magras - Canção bonita, de que gosto muito. Relata memórias e imagens de um cenário decadente, porém esperançoso. Essa faixa chegou a ser ensaiada com a "Dunas do Barato" minha antiga banda "neo tropicalísta".

 11 – Amor primo – Essa música foi feita a pedidos do amigo diretor de cinema "Jean Santos", para compor parte da trilha de seu primeiro longa "Superpina", que foi lançado agora. Primeiramente como curta, e que vem sendo bastante premiado. Fala sobre uma espécie de relacionamento, de amor não muito convencional que a gente idealizou. Instinto acima da razão.

 12 – Do que adiantou - Um rock simples com letra que começa com um ar meio cruel, mas que termina com leveza. No fim a música se transforma no momento mais experimental e viajado do álbum.

 13 – De uma forma ou de outra – No fim do disco, uma voz feminina junto com a minha, a da cantora Nivea Maria da banda Verdes & Valterianos, chega pra lembrar que não tem jeito, no fim, de uma forma ou de outra, tudo dança e a vida segue.
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