Metade das poltronas do Teatro Guararapes estava ocupada no show que The Mamas and the Papas apresentou, em janeiro de 1988. O único membro original do grupo era John Phillips, o idealizador do Monterey Pop Festival, que reuniu a melhor música do Verão do Amor, para o qual convergiram hippies dos quatro cantos dos EUA. Phillips foi também o autor do hino do Summer of Love, o hit internacional San Francisco (Be Sure To Wear Some Flowers In Your Hair): “Se você for a San Francisco/Não esqueça de colocar flores nos cabelos”. Da formação do Mamas and the Papas que esteve no Guararapes, fazia parte Scott McKenzie, o intérprete de San Francisco. O Verão do Amor chegou a Pernambuco com vinte anos de atraso. Faça-se justiça. Em 1980, Reginaldo Rossi lançou uma versão de San Francisco, assinada por ele, e batizada de Recife (Se você for até Recife/ Não esqueça da esteira do chapéu / Pois as praias e o sol de Recife / Mais parecem coisas lá do céu”.
No Brasil, o Verão do Amor coincidiu com o auge da Jovem Guarda, e do iê-iê-iê, o rock juvenil, mais atrelado ao passionalismo do samba-canção e do bolero do que à psicodelia. A ligação com a revolução que se processava na Europa e EUA se limitava basicamente aos cabelos longos e calças jeans.
A palavra “hippie” começou a surgir na imprensa brasileira, em março de 1967, quando aconteceu o primeiro be-in em Nova Iorque, no Central Park, em Manhattan. Quando acontecia o enterro simbólico do Verão do Amor em San Francisco, eclodia no Brasil, liderado por Gilberto Gil e Caetano Veloso, durante o III Festival da MPB, da TV Record, o que no ano seguinte seria rotulado de tropicalismo, mais próximo da contracultura hippie.
Curiosamente, o grito de guerra dos hippies, no be-in nova-iorquino, era “banana, banana”, o fruto símbolo da Tropicália). “Vocês não estão entendendo nada”, gritaria Caetano no FIC, em 1968. Os Mutantes sabiam disso em 1967. Na primeira entrevista do grupo à revista Intervalo, os galhofeiros Arnaldo e Sergio Batista, disseram se chamar Kry e Krier, e assim são tratados na matéria pela repórter.
“Com slogans eróticos e música ensurdecedora, eles pregam nada menos do que a subversão da civilização ocidental pelo poder da flor, e pela força do exemplo. O que serão? Um sinal de advertência, cristãos primitivos, desertores perigosamente iludidos, ou simplesmente candidatos a uma boa surra e a cursos intensivos de educação cívica?” Este foi um trecho de anúncio da revista Seleções do Reader’s Digest, cuja edição de dezembro de 1967 trazia matéria especial sobre o fenômeno hippie.
TUPINIQUIM
O Verão do Amor brasileiro só começou no início da década de 70, com a turma do desbunde, que preferiu esquecer que o país vivia sob o tacão da ditadura militar e seguiu tardiamente o slogan de Thimothy Leary, não dando atenção a John Lennon, que, em 1970, decretou o fim do sonho. Em janeiro de 1970, dois hippies baianos, Jorrildo e Maria Lúcia, anunciaram que iriam criar uma versão de Haight-Ashbury em Fortaleza, onde realizaram um congresso com 250 integrantes de uma entidade denominada Apolo – PLA.
O início pode ter sido também no primeiro festival “hippie” da América Latina, o de Guarapari, em fevereiro de 1971, proibido pelo regime militar, mas realizado na marra, embora Gal Costa tenha sido proibida de cantar. Naná Vasconcelos foi retirado do palco porque confundiram sua percussão e cantos onomatopaicos com bruxaria. A Polícia Federal fez-se presente em Guarapari com o intuito de coibir os hippies “Sujos, mal-cheirosos e baderneiros”, segundo jornais da época. O fechamento da tampa do caixão da contracultura pode ser datado em janeiro de 1974, em Fazenda Nova, com Nara Leão, Chico Buarque e Milton Nascimento na programação. Na véspera, um comunicado lacônico proibiu a realização do 2º Festival de Verão de Fazenda Nova, “por motivos de força maior”.