PAISAGENS DE CONTO DE FADAS

Fique por dentro do ABC dos castelos da França

Amboise, Blois, Chenonceau, Chambord e Chaumont são visitas obrigatórias quando vai ao Vale do Loire. Cada castelo tem personalidade única e abriga relevantes fatos históricos sobre a monarquia francesa

Flávia de Gusmão
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Flávia de Gusmão
Publicado em 18/06/2017 às 5:30
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VALE DO LOIRE (via Air France) – Mais longo rio da França, o Loire se estende por 1.012 quilômetros, começando no departamento de Ardèche, no coração daquele país, e terminando sua jornada ao se encontrar com o Oceano Atlântico, na cidade de Saint-Nazaire, na região Pays de La Loire. O Vale do Loire, mais especificamente, é uma área que se expande por 280 km na região central, numa abrangência de 800 quilômetros quadrados. É neste cenário, pontuado por vinhedos e cultivos de aspargos e alcachofras, que castelos parecem, também, brotar da terra.

Se ficarmos apenas nas três primeiras letras do alfabeto, já teremos muito a explorar: Amboise, Blois, Chambord, Chaumont e Chenonceau fazem o ABC obrigatório dos châteaux a serem visitados. E, não, não corresponde à verdade a ideia de que “quem viu um um já viu todos”. Pelo menos não no que diz respeito a este conjunto arquitetônico que, no ano de 2000, conquistou junto à Unesco o certificado de Patrimônio Mundial.

Cada uma das edificações ali fincadas tem personalidade ímpar, não apenas pelos traços que lhes foram dados pelos arquitetos de suas respectivas épocas, mas, sobretudo, pela tessitura de histórias que grudam nas paredes como camadas de tinta sobrepostas na razão de centenas e centenas de anos.

Aberto à visitação pública, este abecedário tem em sua conformação a intrincada história dos reis da França, um emaranhado de casamentos, nascimentos e mortes costurados entre as casas reais francesas, e do resto da Europa, capaz de fazer a mente dar voltas sobre si mesma ao tentar colocar em seus devidos lugares a sucessão de nomes, datas e herdeiros. Para além da beleza que está ali, bem diante dos nossos olhos, os castelos do Loire são um substancioso menu para entender os dramas e circunstâncias que engolfam a humanidade.

Costuma-se dizer que os castelos A e B – Amboise e Blois – são eminentemente masculinos. Um “C” – Chambord – também merece esta designação de gênero, mas os dois restantes – Chenonceau e Chaumont – são chamados de “castelos das damas”. E como elas têm primazia, é por eles que começaremos nosso roteiro.

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Amboise - Foto: Divulgação
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Blois - Foto: Divulgação
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Chambord - Foto: Divulgação
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Chenanceau - Foto: Divulgação
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Chenanceau - Foto: Divulgação
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Chenanceau - Foto: Divulgação
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Chenanceau - Foto: Divulgação
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Chenanceau - Foto: Divulgação
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Maintenon - Foto: Divulgação
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Sully - Foto: Divulgação

 

CHENONCEAU

Um dos mais visitados castelo da França (8 milhões/ano) coloca em evidência o papel de duas mulheres no jogo do poder: Catarina de Médici, rainha consorte da França entre 1547 e 1559 como esposa de Henrique II, e Diane de Poitiers, a amante do rei. Encurtando, muito, a história: Catarina queria a propriedade para si, mas Henrique II cedeu-a àquela que era sua preferida, no leito e no coração (o matrimônio com Catarina foi realizado pelo “bem da França). Após a morte do soberano, Catarina confiscou de Diane o seu amado Chenonceau, mas permitiu que ela ficasse com o Château de Chaumont, com vista magnífica para o Rio Loire.

Chenonceau tem a aura aristocrática de Diane, oriunda de uma família até mais nobre do que a da rival Catarina, filha de banqueiros florentinos que financiavam diversas monarquias. Catarina podia até não ter sangue nobre correndo nas veias, mas o dinheiro proporcionado pelos negócios financeiros do seu clã sem dúvida lhe conferiu um gosto apurado para o luxo. Suas festas, em meio a deslumbrante mobiliário e finíssimas obras de arte, como a realizada em 1530 em homenagem a seu filho, Francisco II, se tornaram lendárias.

As histórias das duas mulheres parecem caminhar de mãos dadas todo o tempo. O monograma real, entrelaçando o C, de Catarina, e o H, de Henrique, foi de tal forma engendrado que tem-se a impressão que o D, de Diane, está ali no meio. É certo, inclusive, que Henrique II não perdia oportunidade de ostentar suas iniciais ao lado daquelas da amada. Alguns metros antes de alcançarmos o pórtico principal, avistamos dois magníficos jardins dispostos praticamente lado a lado.

O jardim de Catarina de Médici, em formato triangular, é pontuado por 200 roseirais, 1.500 pés de lavandas e uma infinidade multicor de outras espécimes, como se para contrastar com a austeridade atribuída à personagem histórica, que contratou o paisagista Bernard Palissy para desenvolver o espaço de lazer.

O retangular jardim de Diane de Poitiers tem as paredes mais altas como forma de proteção às enchentes do Rio Cher, que circunda e comunga com o castelo. Chenonceau é literalmente fincado sobre este afluente do Loire, que serviu como ponto de atracação para recebimento de suprimentos e de pescaria (de sua galeria, no interior do edifício, bastava apenas estender a vara para capturar peixes diversos).

O 12 mil m² verdes dedicados a Diane são geometricamente distribuídos entre arbustos e gramados cuidadosamente aparados, circundados por canteiros baixos e discretos. Também eles falam do espírito indomável de sua dona: caçadora hábil e tenaz, que apreciava ser associada à figura homônima da mitológica deusa romana da caça e da lua, poderosa, forte e indiferente ao amor.

CHAUMONT

Com duas perdas praticamente simultâneas – a do amado Henrique II (1559) e a do não menos adorado castelo de Chenonceau – restou a Diane de Poitiers se “conformar” com Chaumont, adquirido por Catarina de Médicis em 1550. Para alguns, Chaumont impressiona tanto quanto Chenonceau, embora menos imponente, ou talvez por isso mesmo. Se, na primeira localização, a jardinagem atingiu nível artístico, aqui ela se torna um esforço tão importante quanto é a tarefa de mobiliar um espaço tão grandioso quanto um castelo com o que havia de mais fino em móveis, tapeçarias, obras de arte, tecidos e objetos decorativos e utilitários.

Tanto em Chenonceau quanto em Chaumont, uma vez porta adentro, o percurso é realizado através de aposentos que recontam os tempos passados valendo-se da disposição e significado de mobília. Em Chenonceau, por exemplo, o quarto que pertenceu a Diane de Poitiers guarda muito poucas lembranças da sua primeira proprietária. Em vez disso, vemos um amplo retrato de Catarina de Médici sobre a lareira, em seus pudicos trajes negros. O gabinete verde também tem significado especial em Chenonceau: a partir desse escritório, Catarina comandou a monarquia, como regente, logo após a morte do marido.

Talvez por lhe lembrar o golpe do destino, Chaumont foi pouquíssimo visitado por Diane de Poitiers, que preferiu permanecer em suas outras propriedades espalhadas pela França. Um dos ambientes mais curiosos em Chaumont é o quarto do astrólogo Ruggieri. Catarina recorria às previsões e aos videntes com frequência, entre eles Nostradamus e Cosimo Ruggieri, que predisse o fim da dinastia Valois, inclusive indicando quantos anos cada um de seus filhos iria reinar (Francisco II, um ano; Carlos IX, 14, e Henrique III, também 14). De abril a novembro, Chaumont-Sur-Loire hospeda o Festival dos Jardins, durante o qual 26 arquitetos apresentam projetos de paisagismo, que se somam aos jardins permanentes da propriedade para enlevar o visitante. Espalhadas por todos os recantos, inclusive na capela gótica flamejante, estão obras de artistas contemporâneos que dialogam lindamente com o entorno.

CHAMBORD

Neste último “C” o yang prepondera. Já a partir da estrada com as margens cobertas de papoulas vermelhas, é possível avistar o magnífico Castelo de Chambord, que tem na figura de Francisco I (pai de Henrique II) sua personagem central. Em comparação aos castelos das damas – repleto pela beleza que o dinheiro pode comprar – o interior de Chambord é estranhamente vazio. Diante da enormidade arquitetônica de um projeto que levou 20 anos até ser concluído – é o maior da região do Vale do |Loire – mais vazia ainda parece ser sua razão para ter existido: durante todo o seu reinado, que durou de 1515 a 1547, Francisco I só esteve por lá durante 72 dias não consecutivos. A rainha, sua esposa Cláudia de França, filha de Luís XII e Ana da Bretanha, sequer pisou no local enquanto viveu.

Mas, não se enganem, a força imanente de Chambord está em sua própria estrutura – em estilo renascentista francês – e na personalidade do dono, que aparece explícita ou ocultamente nas salamandras que estão por todos os lados. O animal foi o símbolo escolhido pelo soberano pra representá-lo, indicando que ele devorava o “fogo mau”, ou as más energias, e devolvia o fogo bom.

Cercado por uma floresta, Chambord foi construído como pavilhão de caça e isso justifica a nudez de seus aposentos. Quando a corte para lá se deslocava, levava consigo os móveis e utensílios de que necessitava. Chambord é, sobretudo, monumento a um dos monarcas mais poderosos de seu tempo. Francisco I foi um mecenas e grande difusor do Renascimento na França. Admirador de Leonardo da Vinci, convidou o artista como consultor e, por isso, atribui-se ao italiano o projeto da magnífica escada em dupla-hélice que está no centro de Chambord.

AMBOISE e BLOIS

Amboise é uma cidade linda, onde o Rio Loire, considerado um curso tão temperamental quanto podem ser as cabeças coroadas, se alarga generosamente e se mostra em toda sua majestade. Do topo do castelo que domina a paisagem tem-se a melhor vista possível. O château de Amboise foi o epicentro do poder político das dinastias Valois e Bourbon: todos os reis que correspondiam a este período lá moraram ou se hospedaram em algum momento.

Ao contrário de Chambord, que por ser um sítio recreativo dispensava as construções necessárias para torná-lo uma fortaleza, Amboise tinha como missão garantir a segurança da família real. Tanto que inúmeros foram os herdeiros que ali nasceram ou foram criados: Charles VIII, Francisco I e sua irmã Marguerite de Angoulême, além dos filhos gerados por Henri II e Catarina de Médici.

Talvez nenhum outro castelo seja tão carregado de relevância histórica quanto Amboise, a não ser Blois. Em Amboise foi enterrado Leonardo da Vinci, que havia sido nomeado por Francisco I como “Primeiro Pintor, Engenheiro e Arquiteto do Rei”. Também foi palco da trágica morte de Charles VIII, quando, ao acompanhar a rainha Ana da Bretanha para assistir a uma espécie de jogo de tênis da época (jeu de paume), bateu com a cabeça num portal e morreu horas depois, sem deixar herdeiros do sexo masculino.

Da mesma forma, Blois também foi residência de inúmeros reis da França, mas tem uma exclusividade: foi lá que o Arcebispo de Reims abençoou Joana D’Arc, em 1429, antes de ela partir para a batalha contra os ingleses. Em torno deste fato acontece o show de efeitos especiais de som e luz no pátio do edifício. Ao cair da noite, os visitantes, acomodados no chão, acompanham a narração e diálogos que explicam a aventura da donzela de Orleans. Também Amboise abriga seu espetáculo noturno, só que utilizando atores para encenar o enredo.

*A jornalista viajou a convite da Atout France e Air France

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