“Eu me sentia extremamente desconfortável. Ficava buscando entender alguma atitude minha que justificasse o comportamento dele”, relata a estudante de direito Maria Eduarda*, 23 anos, sobre o assédio sexual cometido por um advogado no seu primeiro estágio em um escritório de advocacia do Recife. Depois de fazer um convite para a estagiária participar de uma audiência, o agressor começou a assediá-la via e-mail. “Recebi uma mensagem em que ele perguntava por que eu ainda estava na área trabalhista (no caso, ele era da área civil), e por que eu ainda não estava trabalhando com ele. Dizia que eu era linda. Segundo ele, seu sonho era ter uma estagiária como eu”, comenta.
O sentimento de culpa e o medo de ter a imagem manchada no mercado permearam todo o período de Eduarda na empresa. “Na época, eu nem tinha muita noção de que aquilo era assédio. Achava que podia ser comum e que ele estava apenas ‘dando em cima’. Eu não denunciei por medo e também por achar que em algum momento eu tinha sido muito simpática com ele. Compartilhei apenas com a minha família, que me deu total apoio”, conta a estudante, que lida com outros assédios como promotora de eventos.
Medo e culpabilização das vítimas explicam o baixo número de denúncias do crime. De acordo com o Ministério Público do Trabalho de Pernambuco (MPT-PE), apenas seis casos foram denunciados à instituição em 2017, no Estado. “A gente tem bem menos denúncias de assédio sexual, porque as vítimas não denunciam, principalmente, por serem culpabilizadas. É comum que elas sejam questionadas se deram espaço ao agressor e isso é um fator contribuinte. Em função da cultura machista que nós temos, a culpa cai sobre quem é assediado e não sobre o agressor”, enfatiza a procuradora do MPT-PE, Melícia Carvalho de Mesel.
Para combater a normatização da conduta de assédio no ambiente de trabalho, praticada na maioria das vezes por homens, especialistas apontam soluções para que as vítimas comecem a denunciar o comportamento. “Uma das orientações às vítimas é que elas possam coletar o máximo de provas possíveis. Se há investidas por mensagens ou testemunhas por perto, o ideal é que elas se dirijam a uma ouvidoria ou qualquer canal que a empresa tenha, porque caso vá à Justiça, isso torna todo o processo mais fácil”, ressalta Anna Addobbati, sócia da startup Women Friendly, plataforma de combate ao assédio sexual nos ambientes de trabalho.
POUCAS DENÚNCIAS
ASSÉDIO MORAL
Mais frequente, o assédio moral atinge milhares de trabalhadores. O agressor tem como intuito minar a autoestima e humilhar o assediado, a ponto de ameaçá-lo e até tirá-lo do cargo na empresa. Aconteceu com a funcionária pública Francisca*, 72, que preferiu trocar sua posição por um cargo de salário mais baixo para não lidar com seu agressor, que era seu chefe na época. “Eu era constantemente ameaçada no trabalho. Já trabalhava há trinta anos no local e aceitei deixar um cargo de chefia de 13 anos por causa dele. Ele solicitava atividades que não eram da minha área e todo dia eu me sentia muito insegura no trabalho. Ele dizia que eu era uma irresponsável e que eu não sabia de nada”, relata a funcionária.
Com medo de retaliação, os casos nunca chegaram a ser denunciados, por causa da posição de poder que o agressor ocupava. “Todos sabiam e viam as agressões, mas infelizmente o medo era maior.”
*As entrevistadas não quiseram se identificar