A história do Centro de Abastecimento e Logística de Pernambuco (Ceasa) é entrelaçada com a do comerciante Edvaldo da Silva. Aos 14 anos, enquanto trabalhava como flanelinha no local, ele viu no Centro a oportunidade de ajudar a família que passava por dificuldades na cidade de Bezerros. Apaixonado pelo comércio, órfão de pai e com mais sete irmãos, ele encontrou a grande chance de mudar de vida a partir de uma pequena banca de frutas.
Assim como ocorreu com o negócio de Edvaldo, o Ceasa também surgiu para suprir uma demanda, em 1962. Naquela época, havia a necessidade de centralizar e expandir a comercialização de produtos hortigranjeiros, o que foi feito com a concentração de comerciantes e compradores em um mesmo local. Antes de falecer, ele deixou como legado um negócio que emprega cerca de 40 pessoas, incluindo os profissionais que trabalham na fazenda em Petrolina e na chácara em Limoeiro, locais onde é plantada boa parte das frutas vendidas pela família. Já no Ceasa como um todo trabalham 46 mil pessoas de forma direta e indireta.
“Meu pai era apaixonado por isso aqui. Ele sempre me dizia que uma negociação deveria ser boa para os dois lados. Tudo o que eu lembrar que ele queria fazer, vou fazer e dar continuidade ao que ele construiu”, conta Bruna Alves, uma das filhas de Edvaldo. O nome dele foi utilizado para batizar um dos galpões recém-construídos do Ceasa, que abriga muitos outros comerciantes como ele, que fizeram a vida nas ruas do Centro de dimensões citadinas localizado no bairro do Curado, Zona Oeste do Recife.
Circulam por lá diariamente cerca de 55 mil pessoas. Esse fluxo equivale a cerca de 35 vezes a população do bairro recifense da Jaqueira e supera a soma da população das cidades de Triunfo e Toritama. O comerciante Inácio Silva, 70 anos, é um dos vendedores mais antigos ali. Ele trabalha no Ceasa há 52 anos e conta que viu de perto o desenvolvimento do espaço, desde quando o que hoje são 580.000 m² eram apenas três galpões.“Eu fui um dos que inauguraram isso aqui. O Ceasa cresceu até a gente perder de vista.” Segundo ele, as frutas ajudam a contar a história do Centro. “Antes só tinha laranja, banana, abacaxi, agora é fruta de todo tipo, precisa nem ser da época.” Atualmente, o Centro dispõe de 1.340 boxes.
Como um pequeno município, o Ceasa funciona com características muito próprias. Lá, o desemprego não existe, o crescimento é positivo (em média, 9% ao ano) e o fuso-horário é singular. Enquanto a madrugada é de calmaria nos outros lugares, às 3 da manhã, os habitantes do Ceasa já estão de pé à espera dos compradores, nos 48 galpões de comercialização do local. Cerca de 130 trabalhadores do interior vivem nos alojamentos do Centro e visitam suas casas aos finais de semana. De segunda a sábado, eles participam da comercialização de 22.500 toneladas de produtos. Também ajudam a movimentar toda a estrutura da mini-cidade.
Dentro do Ceasa, há três agências bancárias, posto médico, posto 24 horas do Samu e do Corpo de Bombeiros, além de um mini-shopping. Ali, muitos buscam mudar de vida. O casal de comerciantes Severino de Oliveira e Eliete Alves conta que encontrou no Centro as oportunidades que veio buscar quando os dois decidiram sair da cidade de Cumaru, no Agreste do Estado. A ideia era se mudar de fato para o Recife, mas o meio de criar as três filhas eles encontraram de verdade na cidade na qual o Centro se transformou. “Comecei aqui carregando carro, mas sempre soube vender e negociar, aí comecei esse negócio. Antes a gente vendia na beira da calçada”, diz Severino, conhecido no Centro como ‘Bibiu da Melancia’. “Chegamos aqui em 1986. A gente chama aqui de Mamãe Ceasa, porque come todo mundo, quem já tem e quem não tem”, completa Eliete.
CRESCIMENTO A RITMO CHINÊS
Quanto maior o tamanho, maiores e mais complexas são as dificuldades das grandes cidades. No Ceasa, isso não é diferente. O Centro também padece com alguns problemas crônicos típicos dos grandes complexos, como o trânsito caótico e o dilema em relação ao destino correto dos resíduos. Analisando os números, o problema fica ainda mais nítido. São 12.000 veículos se movimentando por dia e 1.100 tonelada de resíduos por mês. Embalado pelo crescimento anual de 9% – mais do que a China em 2014 –, o Ceasa age como uma cidade que busca se reinventar sem abrir mão do passado. Isso enquanto busca responder de maneira eficaz aos novos padrões de qualidade, ao avanço das grandes redes varejistas e às mudanças que vêm ocorrendo nos sistemas agroalimentares como um todo.
“Boa parte dos comerciantes daqui já aceita cartão de crédito, o que deu mais condições de igualdade com os supermercados. O trabalho que estamos fazendo de padronização das embalagens também é uma das formas que encontramos para reduzir os desperdícios”, afirma Antônio Beltrão, gerente de Mercado do Ceasa. O diretor pondera, ainda, que a estratégia de venda típica dos grandes centros, embasada principalmente no preço e na possibilidade de negociações interpessoais, é um diferencial competitivo único.
“Realizamos uma pesquisa que apontou uma diferença muito grande entre os preços praticados aqui e no varejo em geral, o que é um grande atrativo em tempos de crise. Além disso, aqui temos tanto as vendas em grosso, quanto em varejo e oferecemos uma gama imensa de produtos, que atende a todas as necessidades”, diz Beltrão.
Desse modo, classificar o Ceasa como um mero espaço voltado para a comercialização é reducionismo diante do caráter social que o local adquiriu. Lá também é desenvolvida uma série de programas sociais que beneficiam os bairros circunvizinhos. Um deles é o projeto Sopa Amiga, que produz cerca de 400 latas de sopa por dia com excedentes não comercializados que apresentam boas condições para o consumo. Esse alimento é distribuído em cerca de 18 comunidades no entorno e em algumas cidades da RMR.