O que você faria se até o fim do ano acumulasse uma dívida em torno de R$ 3,5 trilhões? Para uma população cuja renda per capta é de R$ 1.113, é difícil imaginar um orçamento onde caiba um número tão cheio de casas decimais, mas esse é o valor que se espera para a Dívida Publica Federal (DPF) em 2017. A quantia representa a conta que o Estado brasileiro deixou pendurada e não tem dinheiro para pagar. Parecido ao que acontece com milhões de famílias, as contas não fecham por causa de um planejamento de gastos pouco eficiente, mesmo quando há renda alta. O Brasil, por exemplo, conta com alta carga tributária, importante fonte de receita. Mas, diferentemente do que acontece nessas casas, o governo transforma sua dívida em um investimento atrativo para ambas as partes. Essa “mágica” recebe o nome de Títulos da Dívida Pública (entenda na galeria abaixo) e acontece quando instituições financeiras, investidores estrangeiros e até cidadãos comuns se tornam credores do Estado: emprestam dinheiro ao governo hoje para receber um valor maior amanhã. “De um lado o governo ganha quando utiliza os títulos para rolar sua dívida e, do outro, também ganhamos porque temos a opção de uma aplicação com juros altos, com grande retorno”, destaca o professor de economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Felippe Serigati.
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Apesar de ser vantajoso do ponto de vista de investimento, a dívida crescente causa preocupação. O valor da dívida pública representou no ano passado 69,9% do Produto Interno Bruto (PIB) e, segundo análise realizada pela Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado, pode chegar a 92,4% até 2023. “O principal ponto do nosso último relatório é chamar a atenção para o fato de que, se as reformas não forem aprovadas, facilmente vamos migrar para uma visão pessimista em que a dívida vai estourar”, destaca o diretor executivo da IFI, Felipe Salto.
Mas não é o percentual em si que preocupa, já que em países como o Japão ele pode chegar a 250% das riquezas produzidas no país. “Mas lá eles têm uma taxa de juros infinitamente inferior à nossa. Então, da mesma forma que os juros são atraentes do ponto de vista do investidor, eles também são um problema no que se refere à questão fiscal”, alerta Serigati. Para explicar a diferença, ele faz uma comparação para realidades mais distantes dos trilhões: é como se o Japão tivesse um financiamento imobiliário (juros baixos, longo prazo, baixo risco) enquanto o Brasil luta conta o cartão de crédito (juros anuais em três dígitos e alto risco).
Para os economistas, no entanto, os juros não devem ser apontados como a causa do problema e sim mais uma consequência dele. “Os juros são mais altos na medida em que mais arriscado for emprestar dinheiro ao governo”, ressalta o economista sócio da Ceplan Jorge Jatobá. O risco, no caso dos títulos, é o Estado brasileiro quebrar. “Mas é uma coisa pouco provável de acontecer”, opina.
A causa seria, na verdade, o cenário fiscal do País. Mesmo ocupando a sétima posição no ranking dos países com maior carga tributária elaborado pelo do Fórum Econômico Mundial (FEM), as receitas do Estado ainda estão abaixo de suas despesas. Dentro dessa conta, tem peso determinante a Previdência e, por isso, se a reforma tiver andamento no Congresso, a previsão do IFI muda – se tornaria “otimista”, nas palavras de Salto – e a relação dívida-PIB chegaria a 52% em 2023.
Mas ainda há outros grandes desafios dentro da questão fiscal que vão além da aprovação de reformas. A composição dos gastos primários do governo (aqueles que não incluem o pagamento de juros) é composta em 73,4% pela folha de pagamento do governo, que inclui o funcionalismo público e a Previdência. Ou seja, gastos que não podem ser cortados. É como se, da renda de um trabalhador que recebe exatamente a renda média de R$ 1.113, sobrassem menos de R$ 300 para saúde, alimentação e todos os demais gastos que não podem ser retirados do seu orçamento.
INVESTIMENTO
Se do lado do governo é difícil lidar tanto com a causa quanto com as consequências, a recomendação dos especialistas para quem está mais próximo dos mil reais do que dos trilhões é de poupar. E poupar investindo no Tesouro Direto pode ser uma boa opção. “Quando se recorre ao Tesouro Direto, deve-se pensar a longo prazo, em um dinheiro que o investidor não vai precisar contar nem mexer nele pelo menos nos próximos cinco anos”, recomenda o subcoordenador de Educação Financeira do Programa de Voluntariado da Classe Contábil (PVCC) do Conselho Federal de Contabilidade (CFC), Luiz Antonio Leal.
Mas ele destaca que é preciso começar devagar. Primeiro, conseguir pagar as próprias contas, depois criar uma reserva de emergência (que não estaria aplicada, apenas ali, disponível a qualquer momento). O próximo passo seria juntar outro montante para uma aplicação. “Mas, primeiro, a conta tem que fechar”, reforça Leal, sobre finanças pessoais. Mas o conselho também pode servir muito bem para os que têm que administrar a dívida com as 13 casas decimais.