Sem dinheiro em caixa, o governo federal recorre mais uma vez à iniciativa privada para tocar investimentos em infraestrutura e animar a economia. Antes de sair do cargo, a ex-presidente Dilma Rousseff lançou um programa de concessões, que não vingou. Agora, o governo Temer se apressa para tentar emplacar um superpacote, que inclui a Eletrobras e mais 57 projetos, antes das eleições gerais de 2018. Na avaliação de analistas, o acerto da iniciativa vai depender do desenho do programa e do fortalecimento da regulação no País. Com o pacote, a expectativa é trazer R$ 44 bilhões para o cofre da União.
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A privatização não é assunto novo no Brasil. No século 19, o governo foi buscar dinheiro com empresários para investir na malha ferroviária. Esse movimento cíclico se repete na economia, com momentos de maior ou menor intervenção do Estado. Um marco na estatização foi o governo Getúlio Vargas, baseado no nacionalismo econômico. Num recorte mais recente, a gestão de Fernando Henrique Cardoso bateu recorde na venda de estatais, com destaque para os processos da Vale (1997) e da Telebras (1998).
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Na semana passada, o governo anunciou a privatização da Eletrobras e lançou um pacote de concessão com 57 projetos, que inclui aeroportos, terminais portuários, linhas de transmissão, Casa da Moeda e outras empresas, mas não detalhou a modelagem do programa. “O grande desafio é a estrutura das licitações, que vai definir como ocorrerão as concessões e as outorgas, além da montagem dos editais e dos textos dos contratos. Os dois últimos têm que ser aprovados no Tribunal de Contas da União (TCU)”, explica o professor de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Carlos Ari Sundfeld.
O pacote mais complexo será o da Eletrobras, empresa que definhou durante o governo Dilma e acumula uma dívida bruta de R$ 46,2 bilhões. “Antes de tudo, o governo precisa promover uma reforma no setor elétrico brasileiro. A privatização da Eletrobras pode ser muito boa para a economia ou um problema. Vai depender se essa reforma do setor e a privatização vão resultar numa empresa saneada do ponto de vista financeiro e com capacidade de investimento. Precisamos saber como a empresa sai desse processo. Defendo a manutenção da participação do Estado com ‘golden share’ para manter poder de veto em decisões estratégicas”, observa o professor de Economia da Energia, do Instituto de Economia, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Edmar Almeida.
PLANEJAMENTO
Os especialistas questionam o curto espaço de tempo para realizar o programa, porque precisa ser executado até o fim do primeiro semestre de 2018, em função das eleições. “Com a dívida pública em trajetória explosivamente crescente, o governo está assustado e precisa fazer caixa. Mas o problema é realizar um programa tão complexo a toque de caixa. É como uma família que está sem dinheiro e vende a geladeira de casa. Se o programa for bem desenhado e bem sucedido pode significar mais investimentos para o País e abatimento da dívida”, acredita o professor dos MBAs da FGV, André Nassif. “Dependendo de como as privatizações acontecerem, vai entrar mais recurso no caixa do governo, mas essa receita não será de imediato. No longo prazo, essas concessões vão melhorar o quadro do emprego, porque incluem ampliação e melhorias”, diz.
Na avaliação dos analistas, apesar do ambiente político instável, não deve faltar interesse dos investidores no pacote de concessões. “Há liquidez no mercado internacional e apetite dos investidores no País. Tanto, que o Investimento Estrangeiro Direto está batendo recorde este ano”, lembra Edmar Almeida. O presidente do Conselho Federal de Economia, Júlio Miragaya, teme esse apetite dos investidores. “Os ativos estão depreciados e poderão ser vendidos a preço de banana. O governo está trocando o patrimônio público por um alívio na dívida pública. É uma medida paliativa, que mascara o problema e vai beneficiar os empresários. Do ponto de vista econômico é irracional e contrário aos interesses do País”, analisa.