Vender pudim no Centro do Recife é como Wellington Soares, 41 anos, paga as contas há três meses. Demitido em 2015, ele é apenas um dos 22,8 milhões de brasileiros que encontram no trabalho informal um jeito de se virar. “Quando fui demitido, comecei a vender água, mas era muito difícil. Então, aceitei trabalhar sem carteira assinada para um fornecedor de sobremesas”. O número de pessoas que vivem fora do mercado formal cresceu 2,6% nos últimos dois anos, quando a crise empurrou uma massa de trabalhadores para uma vida sem carteira assinada. A taxa de informalidade é, hoje, a mais alta já registrada pela série histórica da Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílio (Pnad), do IBGE, iniciada em 2012. Os prejuízos desse aumento são muitos – para quem trabalha e para o governo. Mas se a “viração” com que essas pessoas tocam as vidas não é a ideal, por outro lado é a forma possível de sobreviver e ajudar a economia a continuar girando, mesmo que de forma descompassada.
O crescimento dos indicadores de informalidade é uma reação esperada dentro do processo de transição entre crescimento e recessão econômica. “Quem sai do mercado formal tem duas opções: ou vai trabalhar sem carteira assinada ou parte para o empreendedorismo por necessidade – que muitas vezes também é informal. Mas é claro que não são as melhores saídas, porque não há proteção para quem trabalha nem para quem emprega”, analisa o assessor econômico da Fecomércio-SP, Jaime Vasconcellos. A falta de cobertura em casos de acidente de trabalho e perda de garantias como licença maternidade e contribuição previdenciária são alguns dos prejuízos individuais. Além disso, de forma geral, os salários das atividades informais são mais baixos.
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Do lado das empresas, a manutenção de funcionários irregulares pode representar prejuízos financeiros expressivos com processos e intervenções do Ministério do Trabalho. Mas Vasconcellos destaca que os encargos trabalhistas no Brasil são tão onerosos que, em meio à instabilidade financeira, manter colaboradores dentro da formalidade se torna inviável. “É preciso haver uma saída estrutural, onde seja criado um ambiente mais flexível e seguro, uma economia mais estável. Enquanto passarmos uma década comemorando e outra lamentando, o trabalho informal dificilmente vai deixar de ser um problema”, analisa o assessor da Fecomércio-SP.
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A arquiteta Renata Marques, 25 anos, sentiu o “baque” que a área de construção civil sofreu com a recessão. Quando entrou no curso de arquitetura, em 2012, o setor imobiliário do Estado alcançou recorde com o lançamento de mais de oito mil unidades. Após se formar, este ano, não conseguiu emprego e decidiu vender picolé gourmet, durante a semana, e quentinhas aos sábados e domingos. “A área de construção civil está com demanda muito baixa. Então, procurei em outros setores, mas não encontrei. Me inspirei em meus pais, que já faziam picolé gourmet. A gente está conseguindo vender bem direitinho e quitar as dívidas”, explica.
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A taxa de informalidade chegou a sofrer uma redução de 1,8% entre 2012 e 2014, último ano em que o Brasil registrou uma variação positiva no PIB. Mas os dados da Pnad analisados pelo Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre-FGV) também revelam que, independentemente de crises econômicas, o País já contava com uma grande massa de trabalhadores informais. O Nordeste, por exemplo, foi a região que menos sofreu aumento desde o início da crise, porque em 2012 já era líder da informalidade, que ocupava 60,2% da força de trabalho. Um exemplo da persistência da informalidade é a vendedora de flores Lindalva Gomes de Arruda, 60. Ela se sustenta com essa atividade há 46 anos. “Cuidei de meus cinco filhos dessa forma. Ando seis quilômetros, todos os dias, para poder vender”, diz Lindalva, que equilibra uma caixa de produtos em cima da cabeça.
PROBLEMA ESTRUTURAL
A base elevada até mesmo nos momentos de crescimento econômico é, inclusive, um fenômeno observado em toda a América Latina e Caribe. “O processo de formalização tem dois motores: um econômico e o outro de políticas institucionais. Durante o alto crescimento econômico, a formalização funcionou com os dois motores. Já na desaceleração, só com um”, comenta o especialista regional sobre empregos da OIT, Juan Chacaltana, em entrevista ao JC.
Entre as causas estruturais para o alto índice de informalidade, no País, mesmo em momentos de pujança econômica, está a baixa produtividade das empresas. “Estamos muito concentrados em pequenas empresas, que precisam contratar muitos trabalhadores para produzir. É aí que a informalidade impera”, diz o coordenador de Trabalho e Renda do Ipea, Carlos Henrique Leite Corseuil.
As análises da OIT sobre toda a região e os números referentes ao Brasil reforçam que mulheres e jovens são os perfis mais comuns de trabalhadores informais. Para o pesquisador do Ibre especializado em mercado de trabalho Bruno Ottoni, a marginalização desses grupos acontece pela rigidez dos contratos de trabalho no País. “Vários grupos não se encaixam no padrão de 40 horas semanais. Os jovens, por exemplo, precisam conciliar o trabalho com sua formação, enquanto muitas mulheres, infelizmente, ainda acumulam as tarefas domésticas. Essa incompatibilidade afasta esses grupos do mercado formal”, explica o pesquisador.
Para poder manter a pós-graduação, a fisioterapeuta Polyanna Oliveira, 25, começou a vender óculos pela internet. “O profissional da área de saúde está sempre fazendo cursos, que não são baratos. Terminei a graduação em 2016 e, até agora, nada de emprego. Até paciente particular está difícil. Ai, tem que se virar de alguma forma”, afirma.
REFORMA TRABALHISTA
A Reforma Trabalhista, que entra em vigor no próximo mês, promete facilitar a inserção de alguns grupos no mercado através da criação de novos modelos de trabalho, como o homeoffice, trabalho intermitente ou autônomo exclusivo. Mesmo assim, os especialistas concordam que é preciso mais para a geração de empregos de maior qualidade e com garantia de proteção. “A legislação trabalhista é importante, mas se o País não crescer, não vai gerar empregos formais”, reforça o professor de economia da Universidade de Brasília, Carlos Alberto Ramos.
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