COMBUSTÍVEL

Projeto que autoriza venda direta de etanol divide setor; governo prepara estudo

Presidente da Feplana, Alexandre Lima, diz que, no mundo inteiro, apenas no Brasil há restrição de venda do etanol

Estadão Conteúdo
Cadastrado por
Estadão Conteúdo
Publicado em 14/06/2018 às 12:25
Foto: Pixabay
Presidente da Feplana, Alexandre Lima, diz que, no mundo inteiro, apenas no Brasil há restrição de venda do etanol - FOTO: Foto: Pixabay
Leitura:

O Projeto de Decreto Legislativo 61/2018, que autoriza a venda direta de etanol hidratado de usinas para os postos, é rejeitado pelas distribuidoras e dividiu o setor de biocombustível. A Plural (antigo Sindicom), que reúne as distribuidoras, além de grandes entidades de produtores de etanol, como a União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica) e a Associação de Produtores de Bioenergia do Estado do Paraná (Alcopar), são contrárias à autorização para a venda direta, prevista na proposta do senador Otto Alencar (PSD-BA).

O presidente do Fórum Nacional Sucroenergético, André Rocha, disse ao Broadcast (serviço de notícias em tempo real do Grupo Estado) que a entidade não tem uma posição fechada sobre o tema, justamente pela divisão interna dentro do setor produtivo de biocombustível. "A Unica e a Alcopar são contrárias, mas temos produtores do Nordeste, de Pernambuco, Piauí e Rio Grande do Norte, que são favoráveis. Como não temos unanimidade no Fórum, ainda não temos posição, mas vamos debater o assunto", afirmou o executivo.

A Federação dos Plantadores de Cana do Brasil (Feplana), que reúne os agricultores e tem forte influência no Nordeste, é favorável ao projeto. Em entrevista disponível no site da entidade, o presidente da associação Alexandre Lima diz que, "no mundo inteiro, há essa restrição só no Brasil". Ele cita ainda que a medida beneficiaria principalmente o consumidor, que vai comprar um combustível mais barato.

Estudo

Preocupado com uma desregulamentação no comércio do etanol hidratado, o governo prepara um estudo para tentar mediar o conflito causado pela tramitação do projeto no Senado. Fonte do Ministério das Minas e Energia informou ao Broadcast que uma possível sugestão apontada no estudo seria propor um teste com a venda direta do biocombustível por um período longo em um Estado produtor, possivelmente no Nordeste, para avaliar como a cadeia se comportaria sem a venda intermediada pelas distribuidoras.

Apesar da possibilidade de queda nos preços, que seria favorável ao consumidor, o governo teme que o desmonte da distribuição seja acompanhado pela sonegação de impostos e pela adulteração do biocombustível.

Durante a greve dos caminhoneiros, a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) chegou a autorizar emergencialmente a venda direta das usinas para os postos, mas a medida foi revogada quando a situação se normalizou. Agora, o projeto do senador baiano derruba o artigo da Resolução 43/2009, da ANP, que só permite ao fornecedor comercializar o etanol com outro fornecedor cadastrado na ANP com um distribuidor autorizado pela agência, ou com o mercado externo. O PL teve sua tramitação acelerada no Parlamento.

A Unica preparou um documento ao Congresso com argumentos contrários à venda direta. Obtido pelo Broadcast, o texto cita prejuízo à implementação da nova política nacional de biocombustíveis, o RenovaBio; o mercado de venda direta limitado; os desafios logísticos sem ganhos para o consumidor; e a necessidade de mudança na estrutura tributária.

No documento, a Unica informa também que a entidade representa produtores de etanol, "isto é, aqueles que, em tese, seriam beneficiados com a venda direta de etanol aos postos revendedores" e lembra que o RenovaBio institui as distribuidoras como parte obrigada no cumprimento das metas de redução de emissões. Com a venda direta, o programa seria inviabilizado e ficaria desconfigurado.

Quanto à limitação do mercado de venda direta, a Unica lembra que os postos "com bandeira" possuem vínculos contratuais com empresas como BR Distribuidora, Ipiranga e Grupo Cosan (Raízen Combustíveis). "Portanto, as vendas diretas de etanol ficarão restritas ao postos 'bandeira branca'", cita.

Para a entidade do setor produtivo de etanol, custos de transação nas usinas serão ampliados e o controle da qualidade do produto, dificultado. O transporte de combustíveis aos postos é usualmente realizado por modal rodoviário com tanques e, em uma mesma carga, o posto recebe etanol, diesel e gasolina. "Com a venda direta, será necessário estabelecer outro canal para obter diesel e gasolina junto a uma distribuidora, limitando a atividade de compra".

A Unica destaca ainda que o PIS e o Cofins incidentes sobre o etanol hidratado são recolhidos pelo produtor (R$ 0,13 por litro) e pelo distribuidor (R$ 0,11 por litro). A ausência do distribuidor exigirá, portanto, mudanças na legislação tributária federal. Além disso, serão necessárias alterações no regulamento do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) estadual.

Por fim, a entidade lembra que atualmente já existem inúmeras distribuidoras operando apenas com etanol hidratado, uma vez que a legislação atual permite aos fornecedores do renovável a atividade de distribuição de combustíveis.

Aumento no custo de transporte

Em outra frente, a Plural encomendou um estudo à consultoria de supply chain Leggio, que concluiu que não há sustentação para a tese da existência de um benefício de eficiência logística e operacional com a venda direta do etanol. De acordo com o estudo, haveria um aumento de mais de R$ 870 milhões ao ano no custo médio logístico, operacional e administrativo.

O estudo considera duas alternativas de modelo de abastecimento. Na primeira, o etanol hidratado é transportado das usinas até as bases de distribuição e depois enviado para postos de abastecimento. Na segunda, o etanol hidratado é transportado das usinas diretamente para os postos de abastecimento, onde será vendido ao consumidor. Os resultados demonstram um crescimento do custo de transporte em 24,7%, representando R$ 181 milhões, quando aplicado o modelo de abastecimento da usina diretamente para o posto.

A diferença entre os valores é justificada por cinco fatores principais: ausência do uso de modais de alto volume (dutos e ferrovias) em função da entrega mais fragmentada nos fluxos entre usina e posto; a tendência de utilização de veículos de menor capacidade (o estudo considerou o tanque 30 metros cúbicos) no fluxo usina-posto, na comparação com o transporte usina-base de distribuição, no qual são utilizados bitrens 40 metros cúbicos; aumento do tempo total de viagem, com o acréscimo de pontos de entrega por viagem nos fluxos usina-base; produtividade mais baixa da frota contratada pela usina, em razão da infraestrutura limitada para carregamento, gerando filas na operação; e ganho de escala na contratação de frete nos fluxos usina-base-posto, uma vez que o volume total transportado por distribuidora é significativamente maior do que o transportado por usina.

O estudo elaborado pela Leggio menciona também potencial aumento do custo do frete usina-base para etanol anidro, por perda de escala na contratação no valor de R$ 34 milhões; e possível elevação do custo de frete base-distribuição para diesel B e gasolina C causada pela perda de escala na contratação, em R$ 252 milhões.

De acordo com a Plural, na prática, as usinas não possuem logística suficiente para chegar aos mais de 40 mil postos espalhados pelo Brasil. "Isso só é possível hoje após bilhões de reais em investimentos por parte das distribuidoras", diz a entidade.

Além disso, 58% dos postos operam com marcas e não poderiam comprar de uma usina, pois estariam "enganando o consumidor e descumprindo regras contratuais", diz declaração da Plural enviada à imprensa.

"O prejuízo ao consumidor também pode ocorrer pela fragilização dos processos de controle de qualidade dos combustíveis fornecidos aos postos revendedores. O modelo vigente viabiliza mecanismos de fiscalização dos agentes regulados e sua respectiva responsabilização pelas atividades efetuadas", acrescenta.

Comentário a clientes do Itaú BBA cita que a medida é negativa para distribuidoras como Ultrapar, detentora da rede Ipiranga, e BR. "Se o projeto for aprovado, acreditamos que seria negativo para a Ultrapar e para a BR, já que, enquanto postos com bandeira não iriam poder comprar etanol diretamente das usinas, os com bandeira branca iriam", diz o documento. "Isso, a nosso ver, iria piorar cenário competitivo e implicaria margens menores nos volumes de etanol para o negócio de distribuição."

Últimas notícias