Após sete dias seguidos fechando em alta, o dólar comercial encerrou o dia de ontem custando R$ 4,1230 – o maior valor em dois anos e meio. O movimento é justificado principalmente pelo cenário eleitoral ainda incerto, que dá margem a movimentos especulativos. Mas as consequências da persistência da valorização da moeda americana vão muito além dos investidores: indústria local e consumidores já pagam a conta. Do combustível ao pãozinho francês, o preço já começa a subir.
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O repasse de mais esse custo para o consumidor é consequência da série de obstáculos que o setor produtivo tem enfrentado ao longo desse ano – quando a expectativa inicial era de uma retomada mais expressiva. Entre eles, a paralisação dos caminhoneiros em maio, que obrigou muitos produtores a reduzir as margens de lucro. “O dólar deve permanecer alto até as eleições e, por se manter assim por alguns meses, pode afetar os balanços anuais de muitas empresas. É mais um obstáculo que estamos enfrentando”, afirma o assessor da presidência da Federação das Empresas de Pernambuco (Fiepe), Maurício Laranjeira.
A indústria é afetada pela alta do dólar através da compra de matéria prima e de equipamentos. Alguns insumos, mesmo que não sejam importados, podem ser afetados pela moeda americana quando sua cotação é determinada pelo mercado internacional, as chamadas commodities, como soja, trigo, aço e petróleo.
Dependente de commodity na produção, a Frompet – instalada no Complexo Industrial de Suape, em Ipojuca – assiste a uma escalada nos custos ao longo deste ano. Fabricante de pré-forma (tubo que depois de soprado se transforma em embalagem PET), a empresa transforma resina PET virgem em produto final. “Embora seja comparado no mercado interno, o insumo é dolarizado porque se baseia no preço internacional do petróleo. A resina responde por 80% do custo da fabricação da pré-forma e nos sete primeiros meses do ano teve aumento de 45%”, diz o CEO da Frompet, Marcelo Guerra. A volatilidade e o cenário de incerteza política pré-eleições fizeram com que a companhia colocasse o pé no freio nos investimentos projetados para este ano. A ideia era aplicar R$ 60 milhões na expansão da fábrica de Suape para produzir tampas plásticas. “Vamos deixar para repensar esse plano em 2019”, diz o executivo.
O valor do dólar também é um fator adicional importante para o aumento dos custos dos avicultores, que têm como principal insumo o milho e o farelo de soja usados na ração das aves, ambos importados. “Em julho ainda conseguíamos comprar o saco de 60 quilos de milho por R$ 33. Hoje ele já está em torno de R$ 48”, afirma o presidente da Associação Avícola de Pernambuco (Avipe), Giuliano Malta. Segundo ele, os preços do farelo de soja subiram até 45% desde o início deste ano e a alta dos combustíveis ainda aumentou os custos com o transporte da produção.
Na mesa das famílias, são os produtos a base de trigo, como o pão, que mais devem subir de preço, já que metade do cereal consumidor no Brasil depende da produção de outros países, principalmente Argentina e Canadá. De acordo com o professor de economia da FGV (Fundação Getúlio Vargas) Marcelo Kfoury, 10% dos itens que compõem a cesta básica são feitos com matéria-prima cotada no mercado internacional. “Com essa disparada do dólar, não haverá fôlego. Mesmo passados os impactos da greve dos caminhoneiros, os preços vão continuar subindo durante os próximos meses”, afirma o economista.
EXPORTAÇÃO
Para os produtores que exportam a alta do dólar não necessariamente representa um ganho imediato ou uma oportunidade de alavancar os lucros. “Para que as exportações remunerem bem é necessário que o produtor faça um trabalho bom e contínuo lutando para que os preços dos seus produtos sejam estáveis e atrelados ao valor da mercadoria em si, não apenas na conversão para a moeda estrangeira”, opina o presidente do Sindicato da Indústria do Açúcar e do Álcool de Pernambuco (Sindaçúcar-PE), Renato Cunha. Em Pernambuco, as exportações do setor sucroalcooleiro se concentram principalmente no açúcar.
ELEIÇÕES
Já é esperado que a aproximação das eleições interfira no comportamento do mercado, mas, segundo um levantamento realizado pela Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Ambima), o atual período pré-eleitoral está afetando mais os investidores que nas últimas três eleições presidenciais (2006, 2010 e 2014). Levando em conta o intervalo entre julho e 20 de agosto, a moeda brasileira chegou a se desvalorizar 3,41% este ano. Em 2006 o percentual foi de 1,3%; em 2010, 2,32%; e em 2014 2,53%.