ELEIÇÕES 2018

Quando o tema é Economia, Bolsonaro e Haddad pouco se aprofundam

Passado o 1º turno, agentes do mercado cobram dos candidatos detalhes de suas propostas

Da editoria de economia
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Publicado em 10/10/2018 às 7:50
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A polarização ideológica na qual o País mergulhou ofuscou as propostas econômicas de todos os candidatos à Presidência da República – mesmo diante da persistência da maior crise que já afetou o Brasil. Agora, com a realização do segundo turno no próximo dia 28, Fernando Haddad (PT) e Jair Bolsonaro (PSL) ganharam mais tempo para mostrar aos seus eleitores como pretendem tirar a economia da estagnação e retomar um crescimento significativo. E é da forma como acreditam que isso pode ser feito que surge uma das principais diferenças entre os adversários. O primeiro acredita em uma intervenção através de investimentos públicos, enquanto o segundo defende a retomada via iniciativa privada.

É através de grandes obras de infraestrutura que muitos países costumam injetar dinheiro na economia e gerar empregos para fazer com que a engrenagem produtiva volte a girar. “O estado, nesses casos, faz o papel de um contra-peso para que as coisas voltem a andar. Nossa experiência, no Brasil, foi sempre nesse sentido, através de obras ou de incentivos de crédito. Mas essa é uma linha que está mais próxima ao PT. No caso do Bolsonaro, que se coloca numa postura liberal, a postura é de saída da crise através da redução do estado e maior força da iniciativa privada”, destaca o membro do Conselho Regional de Economia em Pernambuco (Corecon-PE) Fábio Silva.

O Jornal do Commercio entrou em contato com a assessoria de imprensa dos dois candidatos, mas não obteve retorno de nenhuma das duas até o fechamento desta edição. A reportagem leva em consideração os planos de governo apresentados por ambas as chapas ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

No âmbito macroeconômico – onde são definidas as bases para todas as decisões econômicas que irão guiar uma gestão –, os candidatos dão destaque à redução dos juros reais pagos pelos consumidores. No programa de governo de Haddad, a responsabilidade sobre a manutenção do custo do dinheiro mesmo após a manutenção da Taxa Básica de Juros (a Selic) em patamares baixos é colocada sobre os spreads bancários (diferença entra as taxas que são cobradas e as que são pagas pelos bancos). No caso do documento elaborado pela chapa do candidato Bolsonaro, a redução dos juros será feita através da venda de ativos públicos e redução gradativa da dívida.

Agente essencial nesse processo, o Banco Central é citado nos programas de governo dos concorrentes. No caso do PT, a entidade passaria a atuar para estabilizar não apenas a inflação, mas também o nível de emprego no País. “O Banco Central reforçará o controle da inflação e assumirá também o compromisso com o emprego (mandato dual)”, afirma o texto da chapa. No caso de Bolsonaro, o foco é na liberdade de atuação do órgão: “uma proposta de independência formal do Banco Central, cuja diretoria teria mandatos fixos, com metas de inflação e métricas claras de atuação”, diz o programa do PSL. O programa liberal destaca, ainda, maior flexibilidade cambial.

Ajuste fiscal

Os dois candidatos mencionam a necessidade de realinhar os gastos públicos com a arrecadação e, na visão dos especialistas, ambos “pecam”, mas por motivos diferentes. “No meu entendimento, enquanto o programa do Bolsonaro é bastante vago ao afirmar que irá diminuir o tamanho do Estado, o documento da equipe de Haddad propõe algo que não é aplicável. De forma simplificada, um é vazio e o outro é irreal (respectivamente)”, critica o professor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (EESP FGV) Felippe Serigati.

Tema sensível para o ajuste fiscal, a reforma da previdência ainda está em aberto para os dois candidatos. No caso do PT, há uma divisão sobre a dureza com a qual a reforma deve ser formulada. No caso de Bolsonaro, o candidato afirmou ontem que deve apresentar uma proposta mais “consensual” por acreditar que a atual formulação não terá apoio suficiente, mas, mais uma vez, não disse mais detalhes. 

Ideias opostas sobre a privatização

Quando o assunto é privatização, os programas de governo dos candidatos Fernando Haddad e Jair Bolsonaro são opostos. Enquanto o petista defende a suspensão da desestatização, o adversário quer ampliar a política. O plano de Bolsonaro chega a detalhar o destino dos recursos das vendas, que serão obrigatoriamente utilizados para o pagamento da dívida pública. 

Haddad diz que vai “interromper as privatizações e a venda do patrimônio público, essencial ao nosso projeto de Nação soberana e indutora do desenvolvimento”. Em contraponto vai “tomar iniciativas imediatas para recuperar as riquezas do pré-sal, o sistema de partilha e a capacidade de investimento da Petrobras e demais empresas do Estado”, diz o plano. O assunto se perde em meio a outras discussões sobre interferência do Estado na economia. 

No programa de governo de Bolsonaro, o tema é destrinchado. O texto destaca a existência de 147 empresas estatais. “Muitas delas estiveram envolvidas em uma série de escândalos sobre desvios de recursos e ingerência política. Deste total de empresas, dezoito delas dependem de recursos financeiros (subvenções) do governo Federal para pagamento de despesas com pessoal, para custeio em geral ou de capital. Dezesseis destas empresas são controladas diretamente pela União”. O programa afirma, ainda, que o “debate sobre privatização, mais do que uma questão ideológica, visa a eficiência econômica, bem-estar e distribuição de renda, além de gerar mais competição entre as empresas”. 

O especialista em Economia Aplicada do Instituto Brasileiro de Economia (IBRE/FGV), Marcel Grillo Balassiano, defende a extinção de algumas estatais e a privatização de outras. “Mas é preciso analisar caso a caso. As principais, como Petrobras, por exemplo, demandam uma análise e um processo mais demorados, além de um debate maior incluindo governo, Congresso, sociedade e a própria empresa”, pondera. 

O pesquisador do Centro de Estudos em Regulação e Infraestrutura da Fundação Getúlio Vargas (FGV CERI), Edson Gonçalves, diz que uma primeira observação a ser feita é o uso da palavra privatização de maneira genérica. “Ela significa passar um ativo estatal por completo, mas o mecanismo pode não ser exatamente este. Prefiro me referir a desestatização, que pode se utilizar de outros mecanismos como concessão e Parceria Público-privada, por exemplo”, sugere. O economista defende que, diante da grave situação fiscal do Brasil, o governo não terá fôlego para realizar os investimentos necessários ao desenvolvimento. 

“As privatizações realizadas no Brasil, a exemplo do setor elétrico, têm confirmado uma melhoria nos serviços oferecidos aos usuários. Um alerta necessário a fazer nesses casos é fortalecer a regulação e a governança para garantir a fiscalização desses serviços”, pontua Gonçalves. Nas discussões sobre setores estratégicos, as golden share são apontadas como alternativa segura. 

Setores cobram clareza

Apesar de os direcionamentos econômicos serem claramente antagônicos, os candidatos à Presidência deixam igualmente a desejar na clareza dos mecanismos que serão usados para colocar em prática suas propostas para a retomada da economia. A falta de aprofundamento nos dois programas de governo chegaram a ser publicamente apontadas por setores produtivos importantes, como a indústria automotiva e a construção civil.

Afirmando que não irá declarar apoio a nenhum dos lados neste segundo turno, ontem, o presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Antonio Megale, cobrou mais detalhes nas propostas de Fernando Haddad (PT) e Jair Bolsonaro (PSL). “Nenhuma das candidaturas mostrou claramente qual é o programa de governo. Tudo que podemos falar é numa certa especulação”, disse Megale, destacando que os dois lados despertam alguma preocupação no setor.

Em um recado direto à chapa de Bolsonaro, Megale se disse preocupado com a proposta de unificação do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC) com a Fazenda e algumas secretarias, originando o que seria o Ministério da Economia, iniciativa que consta no programa de governo. “O MDIC para nós é o único ministério que ainda tenta fazer uma política industrial, que a gente entende que é absolutamente necessária”, ressaltou.

No ramo imobiliário – um dos que mais sentiram a queda da atividade econômica a partir da crise –, a cobrança também é por mais clareza nos dois lados. “A confiança ficou perdida nos últimos anos diante das incertezas políticas e da volatilidade econômica. Esperamos que os candidatos sejam capazes de apresentar suas agendas de forma clara, para restabelecer a confiança”, declarou também ontem o presidente do Sindicato da Habitação de São Paulo (Secovi-SP), Flávio Amary.

Representantes dos setores destacaram, ainda, a necessidade de haver um ajuste nas contas públicas, independentemente da ideologia econômica de quem levar a disputa e que irá conduzir a forma como será feito. “O Brasil ficará ingovernável sem o reequilíbrio das contas públicas. Não é questão de candidato A ou B. O País depende disso”, frisou o presidente da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), Luiz França.

Inconsistências no tema emprego

Em um curto período de três anos, três milhões de brasileiros perderam seus empregos de carteira assinada. Foi o maior movimento de demissões em massa da história do País. Os 12,7 milhões de desempregados espalhados pelo Brasil são motivo de preocupação para o próximo presidente. Apesar do cenário adverso, especialistas apontam inconsistências nas propostas dos presidenciáveis Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT), que vão se enfrentar no segundo turno das eleições. 

No seu plano intitulado O Caminho da Prosperidade, o capitão reformado não apresenta propostas específicas para a geração de empregos no País, mas defende que a retomada do mercado de trabalho será consequência da adoção do liberalismo que pretende adotar. “As economias de mercado são historicamente o maior instrumento de geração de renda, emprego, prosperidade e inclusão social. Graças ao liberalismo, bilhões de pessoas estão sendo salvas da miséria em todo o mundo. O modelo reduz a inflação, baixa os juros, eleva a confiança e os investimentos, gera crescimento, emprego e oportunidades”, diz. 

Nas 61 páginas do plano de governo O Brasil Feliz de Novo, Haddad dedica várias passagens ao mercado de trabalho. A principal aposta é no programa Meu Emprego de Novo, com promessa de elevar a renda, ampliar o crédito e gerar novas oportunidades de trabalho. O plano aponta a retomada imediata de 2,8 mil grandes obras paralisadas no País, a volta dos investimentos da Petrobras, a alavancagem do programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV) e o reforço do Bolsa Família como alternativas para dinamizar o mercado de trabalho. 

“Os candidatos só se esquecem de dizer como vão fazer tudo isso. É o governo que vai sustentar todos os investimentos? De onde virão os recursos? Sem explicar isso, os candidatos não saem da velha retórica eleitoral. A retomada do emprego só vai acontecer com a volta da economia aos trilhos, e isso só acontece com o ajuste fiscal, que não é indolor”, observa o professor do Departamento de Economia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Tarcisio Patricio. 

Os programas dos candidatos também fazem menção à legislação trabalhista. Haddad promete revogar a reforma trabalhista aprovada durante o governo Temer e substituir pelo Estatuto do Trabalho, discutido com os profissionais e alinhado às novas exigências de organização da produção do futuro. Bolsonaro quer criar uma nova carteira de trabalho verde e amarela, voluntária, para novos trabalhadores. 

A advogada trabalhista do escritório Queiroz Cavalcanti Advocacia, Anna Carolina Cabral, explica que não é tão simples promover as mudanças sugeridas pelos presidenciáveis. “A reforma foi aprovada pelo Congresso e seguiu todos os trâmites legais. Não é impossível revogar, mas precisa novamente da aprovação dos parlamentares e de uma justificativa para essa revogação. O mesmo vale para carteira de trabalho, que foi um instrumento criado por lei. E, se for implantada uma nova, também precisa ser um documento legal”, afirma.

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