DESENVOLVIMENTO

"Incentivos fiscais têm impacto limitado"

Professor da Pós-Graduação em Economia da Fundação Getúlio Vargas Pedro Ferreira Cavalcanti defende novas políticas públicas de desenvolvimento em vez de desconto em impostos para atrair fábricas

Leonardo Spinelli
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Leonardo Spinelli
Publicado em 13/05/2012 às 9:00
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Em um momento em que programas estaduais de incentivos fiscais estão na mira do Supremo Tribunal Federal, o professor da Escola de Pós-Graduação em Economia da Fundação Getulio Vargas Pedro Ferreira Cavalcanti dispara duras críticas a essas práticas. Argumenta que o processo de industrialização por meio de descontos de impostos é subsidiado pela população pobre e que traz poucos resultados. Doutor em Economia pela Universidade da Pensilvânia, participou, na semana passada, de um debate sobre políticas de desenvolvimento no longo prazo na UFPE, onde concedeu entrevista ao repórter Felipe Lima. A entrevista completa está na edição deste domingo do Jornal do Commercio. Confira outros trechos abaixol.

JC - Em vez de conceder incentivos apenas para o setor industrial, não seria viável subsidiar empresas do setor de educação, de economia criativa e outras de cadeias?
Ferreira
- Se esse incentivo for temporário, o custo para o Estado é pequeno e ai o impacto pode ser grande. Mas acho que isso vira um vício. A economia do Estado passa a funcionar completamente baseada nos incentivos. Sua base tributária vai cair no longo prazo e as ações continuam alinhadas em trazer empreendimentos via incentivos fiscais. O dono da montadora vai querer isso ai por dez anos. Ai, o outro empresário, que vai ficar do lado da montadora, vai bater na porta do governo de Pernambuco e pedir um incentivo semelhante. Então, no fundo, a base tributária vai continuar muito pequena e você não vai conseguir investir nos serviços que seriam mais essenciais, como saúde, educação, assistências e tantas outras coisas que o Estado precisa fazer. No fim das contas, ninguém está fazendo análise de custo/benefício. No Brasil, só se faz análise benefício. Vai trazer a fábrica, ótimo, gerar mil empregos. Mas o que poderia ser feito com esse dinheiro? O que poderia ser feito com todos esses benefícios que foram concedidos? Qual a alternativa para o Estado? Não dá para fazer uma coisa um pouco mais moderna, menos anos 60 e 70? O que é que o mundo está fazendo? São várias as ações que não sejam dar dinheiro ao industrial.

JC - Como Estados pobres não estamos ainda dependentes dessas políticas de subsídios para atrair empresas?
Ferreira
- Acho que não. De novo, já foi tentado por 60 anos e a distância em relação aos Estados ricos continua. Isso tem impacto limitado e no longo prazo já se mostrou que não é por ai. O Ceará trouxe indústrias têxteis do Sul, deu subsídio, chegaram com grande tecnologia de ponta e venderam mais barato. O que aconteceu? Destruíram as tecelagens e pequenas fábricas de roupas locais. E ainda por cima tinham subsídios. O efeito total acho muito duvidoso. Todas as avaliações mais científicas desses programas mostram que o impacto é muito pequeno.

JC - Em artigor assinados pelo senhor, de análise sobre a crise europeia, há uma recomendação de redução de carga tributária para o setor industrial europeu, desde que ocorra redução no volume de recursos destinados aos programas de transferência de renda. Aqui no Brasil há uma gritaria enorme nos últimos meses de que a indústria local perde competitividade por conta da alta carga tributária. Que passa por um processo de desindustrialização. A redução dos impostos para indústrias nacionais implicaria também na redução das transferências brasileiras, como o Bolsa Família?
Ferreira
- São duas coisas. O argumento para a Europa é o seguinte: em certo momento da sua história, a Europa era muito mais rica do que era hoje em termos relativos. Não havia competição, havia quase monoóplio de produção industrial no mundo, os Estados tinham uma popoulação pequena que permitia benefícios maiores para as pessoas e a expectativa de vida não era tão alta. O mundo mudou. A competição é muito maior, a Europa ficou mais pobre e a expectativa de vida subiu, fazendo com que o cidadão receba os benefícios por um período mais longo. Como o mundo mudou, o quadro econômico de benefícios e de impostos tem que mudar. No Brasil a questão é diferente. No País há uma estrtura tributária muito distorcida e impostos em cascata. Em 1995, se arrecadava 25% do PIB. Hoje, são 36%. É muito dinheiro tirado do negócio. Com a informalidade alta em alguns segmentos, há negócios que pagam quase metade da sua renda de imposto. É muito difícil sobreviver com isso. Quanto aos benefícios eu sou neutro. Brasileiro já mostrou que não quer abrir mão.

JC - É exagerado pensar que no Brasil o setor empresarial é acomodado. Que não aposta em centros de pesquisa, pois sabe que só precisa implantar uma fábrica para receber toneladas de benefícos?
Ferreira
- Sendo um pouco cínico, o bom empresário quer maximizar o lucro. Empresa existe para isso. Se há um determinado arranjo institucional, limitando o seu poder de manobra, ele vai se ajustar. Mas se a legislação é frouxa em medidas ambientais ou por corrupção ou porque simplesmente não está nem ai, o empresariado vai deitar e rolar. Não vejo diferença entre o empresário brasileiro ou francês. O que vejo é o cara querendo lucro e vendo quais são as normas. Se se permite poluir o rio, ok, vou poluir o rio. A legislação ambiental no Brasil demorou para ser implementada e querem mudar para pior no Congresso, se é assim a pessoas vão implementar seus negócios de acordo com a legislação ruim.


JC - Educação e infraestrutura são temas urgentes. Mas quais são os problemas específicos nessas áreas que precisam ser superados?
Ferreira
- Todo mundo concorda que educação é importante. Mas há uma questão de implementação de políticas educacionais que é muito complicada. O ensino médio, por exemplo, tem muitas matérias. O aluno aprende biologia com uma profundidade que não vai precisar caso não siga na área. Se isso é excessivo para meu filho, classe A do Rio de Janeiro, imagine para o estudante do Sertão do Cariri, no Rio Grande do Norte. Precisa melhorar a qualidade e resolver esses problemas. A questão tributária é grande e distorcida. Faz com que se tome decisões ruins para fugir de imposto. Acho que estamos em um caminho de fechar economia e proibir entrada de produtos. O bom é abrir a economia, o bom é a competição. Há também a questão de patentes. Brasil faz muita pesquisa, publica muito artigo, mas tem poucas patentes.

JC - É um problema de burocracia?
Ferreira
- Não. Todas as pesquisas de ciência e tecnologia mostram que as empresas fazem pouca pesquisa no Brasil e que a aprodução de patentes é muito baixa. Quando se observa a elaboração de artigos, ela cresceu bastant e seguiu a norma. Mas as patentes ficaram meio horizontais nesses últimos 15 anos, enquanto nos nossos concorrentes China, Índia e Coreia cresceu muito. Em ciência estamos bem, mas na sua aplicação a gente não está tão bem. Eu acho que o governo e nós cintistas não sabemos o que fazer nessa direção. Talvez porque a empresa não precise. está recebendo tanto crédito subsidiado que não precisa. Presquisa tem um risco, pode não dar certo. MAsis fácil levar subsídio daqui, comprar alguma coisa pronta. É uma questão que vamos pensar mais intensamente com o tempo.

 

Confira no vídeo abaixo um debate sobre desindustrializaçãoentre os professores do Departamento de Economia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Tiago Cavalcanti e Jocildo Bezerra Fernandes e o professor da Pós-Graduação em Economia da Fundação Getúlio Vargas Pedro Ferreira Cavalcanti:

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