CHAPECOENSE

"Era pra eu estar naquele avião da Chapecoense", diz dono do Spettus

Com ligação estreita com o time, empresário foi convidado para o voo que caiu na Colômbia

Leonardo Vasconcelos
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Leonardo Vasconcelos
Publicado em 04/02/2017 às 11:00
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Com ligação estreita com o time, empresário foi convidado para o voo que caiu na Colômbia - FOTO: Divulgação
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A voz firme, de repente, embarga. “Só de lembrar fico todo arrepiado”, revela o empresário Julião Konrad, dono da rede de restaurantes Spettus, apontando para os pelos do braço. No breve silêncio que se sucede, vira o rosto para a janela ao lado. O olhar vai longe. Exatamente 3.500 quilômetros distante, em Chapecó, Santa Catarina, onde viveu os 12 “melhores” anos de sua vida, segundo o mesmo. Todavia, ele não é mais o mesmo. Não por ter deixado a cidade. E sim por ter deixado de ir no avião da tragédia da Chapecoense. 

O silêncio acaba quando os olhos marejados deixam de olhar a paisagem da rua - sem o mesmo brilho de antes - e tenta retomar a conversa. Assim como a vida. “Não é fácil”, repete inúmeras vezes, como um mantra, Julião ao longo das quase duas horas de conversa. Primeira vez que fala sobre o assunto para alguém de fora do seu círculo social. Dentro um sentimento a se expulsar sobre a Chapecoense. “Não é fácil”, torna a dizer, como se não tivesse dito antes, como se não fosse dizer depois. Porém, é preciso. Falar. Superar.

Um novo silêncio seguido de uma respirada mais profunda. Basta fechar os olhos para se ver novamente naquela tarde do dia 26 de novembro do ano passado, em seu restaurante, em Chapecó. A cidade estava em festa. Três dias antes, a Chapecoense havia empatado em 0x0 com o San Lorenzo, na Arena Condá, e conseguido a inédita vaga para a final da Copa Sul-Americana. Julião assistiu ao jogo e naquele sábado recebeu para o almoço um patrocinador e um vice-presidente do time que estavam planejando a viagem de três dias depois para a Colômbia, onde iria enfrentar o Atlético Nacional. Iria. Infelizmente apenas iria.

“Julião, vamos juntos!”. O convite dos amigos da Chapecoense foi tentador. “Claro que vontade de ir eu tinha, mas não podia aceitar por uma coisa que jamais eu podia levar falta”, disse, sem deixar claro o real motivo da negativa. Julião agradeceu. Eles insistiram. Não adiantou. Na longa conversa com a equipe de reportagem do JC ao elencar as razões para ter declinado do pedido tão especial, Julião citou de forma vaga compromissos, incompatibilidade de agenda, mas depois revelou: “Sou casado há 49 anos. Minha mulher ia fazer aniversário no dia 29 de novembro. A viagem seria exatamente um dia antes. Não tinha como me programar, o maior peso para eu não aceitar foi mesmo o aniversário da minha esposa”.

ACIDENTE

Quatro horas da madrugada daquela data especial. Julião é acordado com várias mensagens e ligações no celular. “Tomei um susto, saí do quarto pra não acordar minha esposa e fui ao banheiro. Retornei a ligação de um advogado meu de Chapecó. Ele perguntou: você não está sabendo?”, contou, mais uma vez mostrando o braço arrepiado. “Liguei a televisão, vi aquela tragédia e me acabei. Me acabei. Sinceramente não tinha mais força pra nada. Foi uma dor muito grande”, relatou, com o olhar ao longe novamente.

A curiosidade sobre como foi depois do acidente da Chapecoense naturalmente viria. Julião se antecipou. “Fiquei três dias em casa, sem sair, sem atender telefone. Isso me deixou arrasado. Perdi muitos amigos. Vem na cabeça aquela coisa que a gente tem no coração, a paixão por aquele time. Então acabou? E agora? O que vai ser?”, contou, ainda hoje procurando as tais respostas.

É inevitável. Claro que não tem como não recordar do convite dos amigos da Chapecoense naquela sorridente tarde de sábado em Chapecó. “Evidente que veio na cabeça o convite. Outros amigos estavam para ir também e não viajaram. Não embarcaram por detalhes. Mas acho que quando não é pra ser, não é. Você pensar em uma tragédia em que morreram 71 pessoas, aqueles destroços, condições complicadas do resgate, e ver ainda que seis pessoas sobreviveram”, disse, antes de responder a última pergunta. “Eu acredito muito em destino, eu sou supersticioso. Eu só estou no Recife pelo destino. Acho que tudo está traçado. Eu acredito no fator sorte, de estar no lugar certo, na hora certa. Eu acho que você nasce e tem uma missão”, disse um outro Julião. Que não é mais o mesmo. Que acredita ainda ter algo a cumprir. 


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